Governo Lula monta cenários internos com favoritismo de Trump
Apesar do quadro adverso, aliados apostam no traquejo do petista, que já elogiou republicanos
O fiasco de Joe Biden no debate com Donald Trump na última quinta-feira (27) repercutiu num raio de quase 7.000 km e abateu os aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em Brasília. A partir dali se começou a montar uma série de cenários sobre os efeitos que o favoritismo do republicano podem ter nos dois últimos anos do mandato do petista e como a vitória da direita nos Estados Unidos pode fortalecer o bolsonarismo no Brasil.
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Previsões catastróficas
Nas primeiras horas pós-debate, as avaliações seguiam a lógica de que Trump poderia, caso eleito, atacar o sistema brasileiro a partir dos Estados Unidos, criando um ambiente contrário à democracia e estimulando discursos de ódio contra minorias.
"Será horrível", disse um ministro do governo Lula ainda na sexta (28.jun) pela manhã. Na prática, o que se teme é que Trump aumente o tom sobre uma fake news manjada, a fragilidade do sistema eleitoral brasileiro - o que faz nos EUA - o que poderia dar força ao falso discurso de bolsonaristas. Caso o republicano ganhe, na leitura do Planalto, ele volta reativo, principalmente diante dos processos aos quais responde.
Na eleição de 2022, integrantes do governo Lula consideraram que a embaixada dos Estados Unidos no Brasil foi fundamental para frear ânimos golpistas, incluindo os de militares. Com Trump, diplomatas norte-americanos não teriam tanta desenvoltura. A avaliação é que esse discurso contra as urnas possa vir a favorecer a direita brasileira, mais especificamente Tarcísio de Freitas, atual govenador de São Paulo.
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Declarações de Lula
Tudo parece pior porque o próprio petista apostou em Biden antes mesmo do fatídico debate ainda na tarde de quinta, em entrevista à Rádio Itatiaia, em Minas Gerais.
"Então, como democrata, eu estou torcendo para que o Biden saia vitorioso e, se o Biden ganhar, eu já conheço o Biden, já tenho uma relação com os Estados Unidos que é uma relação sólida, eu pretendo manter. Se o Trump ganhar, a gente não sabe o que ele vai fazer. Sinceramente, a gente não tem noção do que ele vai fazer."
Sem o eventual apoio de diplomatas norte-americanos a partir de 2025, Lula deve se voltar ainda mais para buscar a relação com militares brasileiros, algo que já vem fazendo mesmo com a chiadeira de acadêmicos que estudam as Forças Armadas. Outro apelo é ao Supremo Tribunal Federal (STF), que se uniu de maneira clara durante o governo Bolsonaro.
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Possível desistência de Biden
Um eventual abandono do democrata da corrida eleitoral já enfraquece a aposta de Lula, que, diga-se, não muda um único voto nos Estados Unidos. Mas não apenas: Trump é identificado com os principais atores do bolsonarismo, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os filhos.
Em conversa a partir do celular do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em março, o ex-presidente brasileiro disse que iria à posse do republicano, que, se confirmada a vitória, ocorrerá em janeiro de 2025.
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Acordos comerciais e guerras
De imediato, dizem aliados, em caso de rompimento mais direto com Lula, Trump poderia tentar privilegiar acordos comerciais com países governados pela direita ou mesmo abrir um confronto mais efetivo com declarações de Lula.
Em meio à força de uma onda direitista que avança na Europa, o brasileiro poderia se isolar entre os países de economia mais forte. Isso vale para posições políticas a favor de minorias ou mesmo discursos contra as guerras, principalmente na Faixa de Gaza.
Elogios a Bush e críticas a Obama
Em abril de 2018, Lula disse que teve uma relação melhor com republicano George W. Bush do que com o democrata Barack Obama. "Na relação com o Brasil, o Bush e a Condoleezza Rice foram muito mais democráticos que o Obama e a Hillary Clinton".
Ainda naquela época, entretanto, Lula já fazia ressalvas a Trump, que era presidente eleito. "Penso que os EUA mereciam alguém melhor, mas foi o povo quem o escolheu. Trump não tem preocupação nenhuma com a América Latina. Ele foi muito claro no discurso dele: minha maior preocupação são os EUA".
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O que se disse
"O Lula é um político muito esperto, com certeza vai achar uma maneira de trabalhar com Trump, caso ele seja eleito", avalia Arick Wierson, analista político norte-americano, que também é conhecedor da política brasileira. "As relações institucionais, elas se sobrepõem à questão ideológica, por mais que, sim, a eleição para o Trump seja melhor para o bolsonarismo".