Fux vota para absolver Bolsonaro de todos os crimes em julgamento sobre tentativa de golpe de Estado
Ministro do STF diz que não há provas contra o ex-presidente e destacou contradições na acusação

Jessica Cardoso
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux divergiu do relator Alexandre de Moraes e votou, nesta quarta-feira (10), pela absolvição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de todas as acusações no processo que apura a tentativa de golpe de Estado.
O ministro também absolveu os réus Almir Garnier, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Anderson Torres de todos os delitos.
Por outro lado, responsabilizou o tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, e o general Braga Netto por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito.
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Fux é o terceiro ministro da Primeira Turma a votar no julgamento sobre a tentativa de golpe de Estado, envolvendo o ex-presidente e outros sete réus. O magistrado ainda não finalizou seu voto, iniciado às 9h desta quarta.
Ao individualizar a conduta dos réus, Fux afirmou que as ações de Bolsonaro durante o mandato não configuram tentativa de golpe de Estado, prevista no artigo 359-M do Código Penal.
“Pois este, ao criminalizar a tentativa violenta de depor o governo legitimamente constituído, pressupõe a prática de conduta tentante do cargo ocupado. E era ele o mandatário do cargo ocupado”, disse.
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O ministro também afastou a acusação de que os discursos do ex-presidente teriam insuflado os atos de 8 de janeiro.
“Além de faltar o dolo, falta também o indispensável nexo de causalidade entre as condutas praticadas no curso do mandato do réu e os eventos do 8 de janeiro de 2023. Não se pode imputar ao réu a responsabilidade dos crimes cometidos nos 8 de janeiro de 2023”, afirmou.
Sobre a minuta golpista que previa a prisão de autoridades, Fux disse que não há provas de que Bolsonaro tenha participado da elaboração do documento.
“Há diversas inconsistências [...] Se a versão da minuta que previa prisão de autoridades e novas eleições foi entregue a Jair Bolsonaro apenas em 6 de dezembro de 2022 como poderia ter sido discutida com Baptista Júnior em novembro? A contradição é absolutamente patente”, declarou.
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Fux também afastou o envolvimento de Bolsonaro em outros episódios investigados, como os planos “Punhal Verde e Amarelo” e “Copa 2022”.
“Não há nenhuma prova que denote a ciência ou ação do réu Jair Bolsonaro sobre o plano Copa 22 e Punhal Verde e Amarelo”, afirmou.
Mauro Cid
O ministro adotou posição distinta em relação a Mauro Cid. Embora tenha afastado a acusação de organização criminosa armada, por entender que não há provas de que ele se uniu a mais de quatro pessoas para prática duradoura de crimes, Fux responsabilizou o ex-ajudante de ordens por tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito.
“Os fundamentos que me levam a essa conclusão são os seguintes: ao trocar mensagem em seu celular com Rafael Oliveira, o réu colaborador conversa sobre financiamento de manifestações para iniciar ou incentivar atos para abolir violentamente o Estado Democrático de Direito”, disse.
Fux também destacou a reunião ocorrida em novembro de 2022 na casa do ex-ministro Braga Netto.
“A reunião ocorrida na casa do réu Braga Netto e que contou com a participação do colaborador serviu para o ajuste do planejamento operacional para atuação dos denominados kids pretos com forte finalidade antidemocrática”, afirmou.
Apesar disso, o ministro rejeitou as acusações de dano qualificado e de deterioração de patrimônio tombado.
“Cid não pode ser responsabilizado criminalmente pelos crimes de dano qualificado e dano a bem tombado. Não há quaisquer provas nos autos de que o réu Mauro César Barbosa Cid tenha determinado a destruição dos bens”, afirmou.
Almir Garnier
Em relação ao ex-comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, Fux votou pela absolvição de todas as acusações.
Segundo o ministro, a oferta de colocar tropas à disposição de Bolsonaro não configura tentativa de golpe.
“A obtenção dos meios para a futura prática de um crime, a observação do local do crime ou o angariamento de cúmplices consistem em meros atos preparatórios, portanto, impuníveis”, disse.
Braga Netto
Fux votou pela condenação de Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa, pelo crime de abolição violenta do Estado democrático de direito.
Com a manifestação do ministro, formou-se a maioria para condenar o general pelo crime, com o placar de 3 a 0.
O magistrado apontou a participação de Braga Netto em um suposto plano para assassinar o ministro Alexandre de Moraes.
“No meu modo de ver, de acordo com as premissas teóricas e depoimentos que citei, o réu Braga Netto, com unidade de desígnios com Rafael Martins de Oliveira e Mauro Cid, planejou e financiou o início da execução de atos destinados a ceifar a vida do relator, ministro Alexandre de Moraes”, afirmou.
Para Fux, o crime não se consumou devido a circunstâncias alheias à vontade dos envolvidos.
“Sendo que o intuito criminoso não foi alcançado pela eventualidade de ter sido abruptamente suspensa uma sessão do plenário desta Corte. A morte violenta de um integrante da Suprema Corte seria episódio traumático para a estabilidade política do país, gerando intensa comoção social e colocando em risco a separação dos Poderes”, disse.
Paulo Sérgio Nogueira
Fux absolveu o ex-ministro da Defesa de todos os crimes. Ao analisar sua conduta, o ministro destacou que, embora Nogueira tenha demonstrado entusiasmo em apoiar uma eventual tentativa de golpe, não houve correspondência em atos concretos.
“No caso, a atuação atribuída ao réu Paulo Sérgio somente seria punível se ele tivesse tomado parte no início da execução dos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. E ainda mais se o réu houvesse prestado algum auxílio material para execução dos delitos”, afirmou.
Fux ressaltou ainda que não existe prova de que o general tenha atuado em favor de um golpe.
“Constato a ausência de qualquer prova no sentido que o réu Paulo Sérgio agiu apoiar ou participar da prática de golpe de Estado ou abolição do Estado Democrático de Direito. As testemunhas ouvidas atestaram exatamente o contrário. Ou seja, que o réu não apoiou qualquer ideia de ruptura institucional”, disse.
Augusto Heleno
O ministro também absolveu o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional de todos os delitos.
Fux considerou que os discursos de Heleno contra o Supremo Tribunal Federal não configuram crime. Para ele, manifestações críticas não podem ser interpretadas como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
O ministro também afastou a possibilidade de criminalização de rascunhos encontrados em uma agenda de Heleno com anotações críticas ao sistema eleitoral. “Evidentemente, a cogitação, mesmo quando documentada por um rascunho, é impunível”, disse.
Anderson Torres
Em relação ao ex-ministro da Justiça Anderson Torres, Fux votou pela absolvição total.
O ministro afastou a possibilidade de responsabilizá-lo pelos crimes de organização criminosa e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Julgamento
Com o voto de Fux, o STF tem o placar de 2 a 1 para condenar Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.
O julgamento começou na semana passada e seguirá até sexta-feira (12), quando a Primeira Turma anunciará o resultado e haverá a discussão sobre a dosimetria das penas, ou seja, o tempo de punição de cada réu em casos de condenação.
A decisão do colegiado será definida pela maioria, alcançada com três dos cinco votos. Após Fux, votam os ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin na quinta-feira (11).
O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, foi o primeiro a votar. Na manhã de terça-feira (9), manifestou-se pela condenação de todos os réus.
Já na tarde de terça (9) o ministro Flávio Dino apresentou seu voto. Ele acompanhou Moraes e votou pela condenação dos oito réus, mas apontou diferenças na gravidade das condutas entre eles, afirmando que “os níveis de culpabilidade são diferentes”.
Para o ministro, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem tiveram uma participação de menor importância na trama, algo que deve ser considerado na dosimetria das penas caso eles sejam condenados.
Esta reportagem está sendo atualizada.