Política

Futuro de Bolsonaro: especialistas divergem sobre regime inicial em caso de condenação, mas veem possibilidade de prisão domiciliar

Além do julgamento por tentativa de golpe, outros inquéritos podem aumentar o tempo de prisão e dificultar progressão de regime do ex-presidente

• Atualizado em

O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado, conduzido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), projeta um cenário jurídico complexo e de grande repercussão política. Especialistas consultados pelo SBT News consideram que a condenação é praticamente certa, mas divergências podem surgir quanto à dosimetria da pena, que define o tempo de prisão e o regime inicial.

SBT News Logo

Siga o SBT News no Google Discover e fique por dentro das últimas notícias.

Siga no Google Discover

A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa Bolsonaro e outros sete réus de cinco crimes:

  • organização criminosa armada (3 a 8 anos de prisão);
  • tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos);
  • tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos);
  • dano qualificado pela violência e grave ameaça (6 meses a 3 anos); e
  • deterioração de patrimônio tombado (1 a 3 anos).

Somadas e considerando a possibilidade de agravantes, as penas máximas podem chegar a 43 anos ou mais.

O advogado criminalista Mozar Carvalho explica que, ao considerar fatores como primariedade e a idade do ex-presidente (70 anos), a pena efetiva pode ser reduzida em torno de 20 a 30 anos.

“O regime inicial possivelmente vai ser o regime semiaberto, com possibilidade até de prisão domiciliar por motivos de saúde do presidente”, diz o especialista.

Carvalho e o advogado criminalista Vinicius Lapetina ressaltam que a legislação permite a unificação de penas, mas o tempo máximo previsto é de 40 anos. Sobre o tipo de regime, Lapetina avalia que o ex-presidente cumpriria inicialmente a pena em regime fechado, conforme prevê a legislação para condenações superiores a oito anos.

Rubens Beçak, advogado constitucionalista e professor associado da Universidade de São Paulo (USP), concorda que o regime fechado seria a regra inicial. Também observa que a defesa deve tentar reduzir a pena ou recorrer para alterar a execução inicial.

Prisão domiciliar

Apesar das divergências sobre o regime inicial, os especialistas concordam sobre a possibilidade de o ex-presidente conseguir cumprir parte da pena em prisão domiciliar, desde que atendidos critérios específicos previstos na lei.

Mozar Carvalho ressalta que o STF exige “laudos médicos periciais idôneos”, preferencialmente emitidos por médicos do sistema prisional ou por peritos judiciais, que comprovem doenças graves incompatíveis com o cumprimento da pena em presídio.

Ele explica que a idade do ex-presidente, por si só, não é suficiente para justificar a prisão domiciliar. “A concessão é excepcional e prioriza a humanização do sistema prisional, desde que não comprometa a efetividade da pena”, afirma Carvalho.

Rubens Beçak acrescenta que a prática do STF em casos semelhantes mostra que condenados em regime fechado podem, posteriormente, ter a pena cumprida em prisão domiciliar por motivos de saúde. Ele cita o caso do ex-presidente Fernando Collor, condenado em 2023 a 8 anos e 10 meses de reclusão, inicialmente preso em cela individual em Maceió.

Em maio de 2025, Collor foi autorizado a cumprir a pena em casa, considerando sua idade avançada e comorbidades graves, como Parkinson, apneia do sono e transtorno afetivo bipolar.

Progressão de regime

Após a eventual condenação e o fim do trânsito em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos, Bolsonaro poderá ter direito à progressão de regime, do fechado para o semiaberto e, posteriormente, para o aberto, conforme estabelece a Lei de Execução Penal.

“Qualquer preso pode ter direito à progressão da pena, desde que cumpridos os requisitos: decorrido determinado tempo de cumprimento da pena e atendidas condições como bom comportamento, trabalho no presídio e realização de cursos. Isso tudo gera condições para que análise da eventual progressão seja feita pela autoridade penitenciária”, diz Rubens Beçak.

Lapetina também afirma que o ex-presidente estará submetido às mesmas regras de progressão que os demais condenados, mas adverte que novas condenações em outros processos podem se se somar e aumentar o tempo total necessário para alcançar os benefícios legais.

Outros inquéritos

Além do processo sobre a tentativa de golpe, Jair Bolsonaro enfrenta uma série de outros inquéritos no STF, a maioria em fase de investigação. O ex-presidente nega irregularidades em todos os casos. Entre os principais processos em andamento estão:

  • Coação no processo da tentativa de golpe: Bolsonaro e seu filho Eduardo (PL-SP) são investigados por supostas tentativas de atrapalhar o andamento do processo, incluindo a articulação de sanções junto a autoridades dos Estados Unidos. Até o momento, trata-se de investigação; não há denúncia formal.
  • Joias: apura a venda ilegal de presentes oficiais recebidos pelo ex-presidente durante seu mandato, incluindo acusações de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O processo aguarda manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
  • Abin paralela: investiga o uso indevido de software de espionagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Embora Bolsonaro não tenha sido indiciado, a investigação avalia sua responsabilidade no caso, já que ele responde por organização criminosa no processo da tentativa de golpe.
  • Vazamento de dados sigilosos: apura a divulgação, em 2021, de documentos confidenciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Polícia Federal (PF), relacionados a uma suposta invasão a sistemas e bancos de dados do TSE.
  • Interferência na PF: Bolsonaro é investigado por supostamente pressionar a autonomia da corporação, com base nas denúncias de seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que afirma ter sido pressionado a trocar o comando da PF.
  • Inquérito das Fake News: investiga ataques sem provas de Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro, incluindo acusações contra as urnas eletrônicas.
  • Milícias digitais: desdobramento do inquérito das fake news, que apura a existência de uma rede organizada para favorecer Bolsonaro usando ferramentas ilícitas, com participação de autoridades públicas e parlamentares.

Houve ainda inquéritos arquivados, como os que investigavam:

  • suposta fraude do ex-presidente em cartões de vacina contra a covid;
  • declarações de Bolsonaro que associavam falsamente vacinas a risco de contaminação por HIV; e
  • possível incitação ao descumprimento de regras sanitárias durante a pandemia. Nesse caso, o -ex-presidente foi alvo de uma investigação preliminar a pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid.

Esses processos foram encerrados após avaliação da PGR, que concluiu que não havia elementos suficientes para apresentar denúncia.

Julgamento sobre tentativa de golpe

A Primeira Turma do STF julga o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus por tentativa de golpe de Estado. São eles:

  • Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
  • Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
  • Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro.

O STF tem o placar de 2 a 1 para condenar Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.

O julgamento teve início na semana passada e deve se estender até sexta-feira (12), quando a Primeira Turma do STF anunciará o resultado final e iniciará a discussão sobre a dosimetria das penas, ou seja, a definição do tempo de prisão de cada réu em caso de condenação.

As penas serão calculadas de forma individual, levando em conta a participação de cada acusado em cada um dos crimes. Além disso, a execução das punições só ocorrerá após o trânsito em julgado, quando não houver mais possibilidade de recurso.

A decisão do colegiado será definida pela maioria, alcançada com três dos cinco votos. Na quinta-feira (11), votam os ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.

O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, foi o primeiro a votar. Na manhã de terça-feira (9), manifestou-se pela condenação de todos os réus.

Já na tarde de terça (9) o ministro Flávio Dino apresentou seu voto. Ele acompanhou Moraes e votou pela condenação dos oito réus, mas apontou diferenças na gravidade das condutas entre eles, afirmando que “os níveis de culpabilidade são diferentes”.

Para o ministro, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem tiveram uma participação de menor importância na trama, algo que deve ser considerado na dosimetria das penas caso eles sejam condenados.

O ministro Luiz Fux apresentou seu voto na quarta-feira (10) e se manifestou pela absolvição de Bolsonaro de todas as acusações no processo.

Últimas Notícias