Futuro de Bolsonaro: especialistas divergem sobre regime inicial em caso de condenação, mas veem possibilidade de prisão domiciliar
Além do julgamento por tentativa de golpe, outros inquéritos podem aumentar o tempo de prisão e dificultar progressão de regime do ex-presidente

Jessica Cardoso
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por tentativa de golpe de Estado, conduzido pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), projeta um cenário jurídico complexo e de grande repercussão política. Especialistas consultados pelo SBT News consideram que a condenação é praticamente certa, mas divergências podem surgir quanto à dosimetria da pena, que define o tempo de prisão e o regime inicial.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) acusa Bolsonaro e outros sete réus de cinco crimes:
- organização criminosa armada (3 a 8 anos de prisão);
- tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos);
- tentativa de golpe de Estado (4 a 12 anos);
- dano qualificado pela violência e grave ameaça (6 meses a 3 anos); e
- deterioração de patrimônio tombado (1 a 3 anos).
Somadas e considerando a possibilidade de agravantes, as penas máximas podem chegar a 43 anos ou mais.
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O advogado criminalista Mozar Carvalho explica que, ao considerar fatores como primariedade e a idade do ex-presidente (70 anos), a pena efetiva pode ser reduzida em torno de 20 a 30 anos.
“O regime inicial possivelmente vai ser o regime semiaberto, com possibilidade até de prisão domiciliar por motivos de saúde do presidente”, diz o especialista.
Carvalho e o advogado criminalista Vinicius Lapetina ressaltam que a legislação permite a unificação de penas, mas o tempo máximo previsto é de 40 anos. Sobre o tipo de regime, Lapetina avalia que o ex-presidente cumpriria inicialmente a pena em regime fechado, conforme prevê a legislação para condenações superiores a oito anos.
Rubens Beçak, advogado constitucionalista e professor associado da Universidade de São Paulo (USP), concorda que o regime fechado seria a regra inicial. Também observa que a defesa deve tentar reduzir a pena ou recorrer para alterar a execução inicial.
Prisão domiciliar
Apesar das divergências sobre o regime inicial, os especialistas concordam sobre a possibilidade de o ex-presidente conseguir cumprir parte da pena em prisão domiciliar, desde que atendidos critérios específicos previstos na lei.
Mozar Carvalho ressalta que o STF exige “laudos médicos periciais idôneos”, preferencialmente emitidos por médicos do sistema prisional ou por peritos judiciais, que comprovem doenças graves incompatíveis com o cumprimento da pena em presídio.
Ele explica que a idade do ex-presidente, por si só, não é suficiente para justificar a prisão domiciliar. “A concessão é excepcional e prioriza a humanização do sistema prisional, desde que não comprometa a efetividade da pena”, afirma Carvalho.
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Rubens Beçak acrescenta que a prática do STF em casos semelhantes mostra que condenados em regime fechado podem, posteriormente, ter a pena cumprida em prisão domiciliar por motivos de saúde. Ele cita o caso do ex-presidente Fernando Collor, condenado em 2023 a 8 anos e 10 meses de reclusão, inicialmente preso em cela individual em Maceió.
Em maio de 2025, Collor foi autorizado a cumprir a pena em casa, considerando sua idade avançada e comorbidades graves, como Parkinson, apneia do sono e transtorno afetivo bipolar.
Progressão de regime
Após a eventual condenação e o fim do trânsito em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos, Bolsonaro poderá ter direito à progressão de regime, do fechado para o semiaberto e, posteriormente, para o aberto, conforme estabelece a Lei de Execução Penal.
“Qualquer preso pode ter direito à progressão da pena, desde que cumpridos os requisitos: decorrido determinado tempo de cumprimento da pena e atendidas condições como bom comportamento, trabalho no presídio e realização de cursos. Isso tudo gera condições para que análise da eventual progressão seja feita pela autoridade penitenciária”, diz Rubens Beçak.
Lapetina também afirma que o ex-presidente estará submetido às mesmas regras de progressão que os demais condenados, mas adverte que novas condenações em outros processos podem se se somar e aumentar o tempo total necessário para alcançar os benefícios legais.
Outros inquéritos
Além do processo sobre a tentativa de golpe, Jair Bolsonaro enfrenta uma série de outros inquéritos no STF, a maioria em fase de investigação. O ex-presidente nega irregularidades em todos os casos. Entre os principais processos em andamento estão:
- Coação no processo da tentativa de golpe: Bolsonaro e seu filho Eduardo (PL-SP) são investigados por supostas tentativas de atrapalhar o andamento do processo, incluindo a articulação de sanções junto a autoridades dos Estados Unidos. Até o momento, trata-se de investigação; não há denúncia formal.
- Joias: apura a venda ilegal de presentes oficiais recebidos pelo ex-presidente durante seu mandato, incluindo acusações de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro. O processo aguarda manifestação da Procuradoria-Geral da República (PGR).
- Abin paralela: investiga o uso indevido de software de espionagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Embora Bolsonaro não tenha sido indiciado, a investigação avalia sua responsabilidade no caso, já que ele responde por organização criminosa no processo da tentativa de golpe.
- Vazamento de dados sigilosos: apura a divulgação, em 2021, de documentos confidenciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da Polícia Federal (PF), relacionados a uma suposta invasão a sistemas e bancos de dados do TSE.
- Interferência na PF: Bolsonaro é investigado por supostamente pressionar a autonomia da corporação, com base nas denúncias de seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que afirma ter sido pressionado a trocar o comando da PF.
- Inquérito das Fake News: investiga ataques sem provas de Bolsonaro ao sistema eleitoral brasileiro, incluindo acusações contra as urnas eletrônicas.
- Milícias digitais: desdobramento do inquérito das fake news, que apura a existência de uma rede organizada para favorecer Bolsonaro usando ferramentas ilícitas, com participação de autoridades públicas e parlamentares.
Houve ainda inquéritos arquivados, como os que investigavam:
- suposta fraude do ex-presidente em cartões de vacina contra a covid;
- declarações de Bolsonaro que associavam falsamente vacinas a risco de contaminação por HIV; e
- possível incitação ao descumprimento de regras sanitárias durante a pandemia. Nesse caso, o -ex-presidente foi alvo de uma investigação preliminar a pedido da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid.
Esses processos foram encerrados após avaliação da PGR, que concluiu que não havia elementos suficientes para apresentar denúncia.
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Julgamento sobre tentativa de golpe
A Primeira Turma do STF julga o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus por tentativa de golpe de Estado. São eles:
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional;
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro.
O STF tem o placar de 2 a 1 para condenar Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado.
O julgamento teve início na semana passada e deve se estender até sexta-feira (12), quando a Primeira Turma do STF anunciará o resultado final e iniciará a discussão sobre a dosimetria das penas, ou seja, a definição do tempo de prisão de cada réu em caso de condenação.
As penas serão calculadas de forma individual, levando em conta a participação de cada acusado em cada um dos crimes. Além disso, a execução das punições só ocorrerá após o trânsito em julgado, quando não houver mais possibilidade de recurso.
A decisão do colegiado será definida pela maioria, alcançada com três dos cinco votos. Na quinta-feira (11), votam os ministros Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
O relator do processo, ministro Alexandre de Moraes, foi o primeiro a votar. Na manhã de terça-feira (9), manifestou-se pela condenação de todos os réus.
Já na tarde de terça (9) o ministro Flávio Dino apresentou seu voto. Ele acompanhou Moraes e votou pela condenação dos oito réus, mas apontou diferenças na gravidade das condutas entre eles, afirmando que “os níveis de culpabilidade são diferentes”.
Para o ministro, Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno e Alexandre Ramagem tiveram uma participação de menor importância na trama, algo que deve ser considerado na dosimetria das penas caso eles sejam condenados.
O ministro Luiz Fux apresentou seu voto na quarta-feira (10) e se manifestou pela absolvição de Bolsonaro de todas as acusações no processo.