Deputado defende criação de CPI da Abin e vai buscar assinaturas na volta dos trabalhos da Câmara
Chico Alencar (Psol-RJ) diz que comissão poderia sugerir uma nova modelagem da inteligência no Brasil; deputados governistas e de oposição resistem à criação do colegiado
Com a deflagração da Operação Vigilância Aproximada em 24 de janeiro para investigar espionagem ilegal pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), e o cumprimento, em seu âmbito, de vários mandados de busca e apreensão nos últimos dias, o deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ) vai insistir, na volta dos trabalhos da Câmara dos Deputados, na próxima semana, que a Casa crie uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar possíveis crimes cometidos pela Abin em anos anteriores.
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Em outubro de 2023, o parlamentar chegou a elaborar um requerimento para criação da CPI, após a Operação Última Milha, também da Polícia Federal (PF), prender dois oficiais da Abin e afastar outros três por suposto envolvimento no esquema de acesso indevido à localização de celulares de políticos, jornalistas, advogados e desafetos do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Naquele mês, o requerimento de Chico Alencar recebeu cerca de 20 assinaturas, mas, para que um pedido de criação de CPI seja protocolado, é necessário o apoio de pelo menos 171 deputados.
Em entrevista ao SBT News nesta semana, Chico Alencar ressaltou que a CPI da Abin é importante não apenas para investigar a agência, mas também para publicizar tudo que já está sendo apurado em relação a ela e sugerir uma nova modelagem da inteligência no Brasil. "Que é um nó górdio, é um problema que a gente tem, sequela da ditadura. Inteligência de qualquer órgão público muitas vezes vira espionagem, como parece ter sido o caso da Abin. Então, uma CPI, que é também necessariamente propositiva, teria essa vantagem".
Entretanto, o parlamentar vê resistência à criação da comissão tanto por parte da oposição, que "tem medo de se revelar um esquema de espionagem criminoso na época do Bolsonaro", quanto de partidos da base do governo. "O próprio líder do PT [na Câmara], o Zeca Dirceu, já falou que não interessa, que nós temos que cuidar de educação, saúde, como se isso ficasse de lado com uma CPI", afirma.
Para Alencar a base governista "sabe que houve no mínimo leniência" de parte pelo menos da atual cúpula da Abin com a espionagem ilegal investigada pela Operação Vigilância Aproximada e, portanto, haveria um certo temor de um incômodo para o governo ao criar a CPI.
O deputado admite não estar muito otimista de que avançará no número de assinaturas. "Mas eu aprendi na vida que a única batalha perdida é aquela que não se trava. Então vamos nessa", acrescenta. A federação Psol/Rede tem 14 deputados federais.
A CPI, pontua o político, não atrapalharia outras discussões como a segunda etapa da reforma tributária e vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "CPI é uma prerrogativa do Parlamento nacional, do Legislativo em qualquer lugar, e nesse caso se justifica plenamente. E esse papo de que CPI é direito da oposição, não. CPI é uma prerrogativa do Parlamento e em torno de interesses públicos, de fatos objetivos. Eles existem".
Melhoria do serviço de inteligência
Chico Alencar afirma que a CPI da Abin seria importante principalmente para apresentar propostas para melhorar os serviços de inteligência no Brasil.
"Semana que vem o general Heleno vai depor, depois o próprio Ramagem, Carlos Bolsonaro, e por aí vai. Então vai se desvendar essa espionagem. O que era feito na surdina, secretamente, vai vir à lúmen. Mas e a inteligência brasileira?"
No tempo da ditadura militar, acrescenta, "existiam órgãos de inteligência ou de informação em todos os ministérios, nas Forças Armadas, o Cenimar na Marinha, o Cisa na Aeronáutica, o CIE no Exército, o SNI, o DOI-Codi, os Dops estaduais, era esse Estado policial. E os organismos de inteligência herdaram muito esse vício e essa característica muito negativa, nefasta e sombria desses órgãos. É o que a gente chama de entulho autoritário".
Dessa forma, diz, seria "muito interessante" um repensar esses organismos, ouvindo especialistas e até mesmo pessoas de outros países sobre a ideia de inteligência.
Comissão Mista
O Congresso Nacional possui, atualmente, uma Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência. É presidida pelo deputado federal Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), que será substituído neste ano pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Entre os integrantes da comissão, está também o próprio deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), alvo da Operação Vigilância Aproximada. A Polícia Federal chegou a pedir ao Supremo Tribunal Federal (STF) o afastamento dele de seu mandato na Câmara, por ver como necessário para a continuidade das investigações do esquema de espionagem. A PF argumentou que, como parlamentar, ele pode requerer informações sobre as investigações. O ministro Alexandre de Moraes, porém, entendeu não haver indicativo de que a continuidade do mandato interfira de forma direta nas investigações e determinou apenas que documentos aos quais Ramagem terá acesso precisam ser analisados pelo Supremo antes.
Em entrevista ao SBT News, o deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP), que também é membro da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, disse ser ruim para o colegiado. "O problema é que regimentalmente nada impede dele ser membro. Não tem nenhum motivo que impeça ele de ser membro da comissão. Agora, politicamente é muito ruim para ele e para a própria comissão ele continuar lá. Afinal, ele lá tem acesso a vários documentos da Abin não publicados", pontuou.
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Ele ressaltou que não há no regimento interno da Câmara nenhum artigo que proíba um membro da comissão de ter conflito de interesse. "Ele tem um conflito de interesse. Só que apesar de que em geral o conflito de interesse não é bem visto na área judicial e tudo mais, mas no Congresso está cheio de conflito de interesse e nada acontece".
Para Zarattini, neste momento ainda não é necessária uma CPI da Abin. "Porque a Polícia Federal está fazendo uma investigação. Não tem um motivo para a gente fazer outra investigação". Ainda segundo ele, porém, a Comissão Mista vai querer ouvir o atual diretor da agência, Luiz Fernando Corrêa, sobre os fatos investigados e querer outras informações sobre o tema. Zarattini chegou a falar para o presidente do colegiado chamar uma reunião para a próxima semana, para discutirem a situação da Abin e o que podem adotar de providencias.