Com voto de Moraes, STF retoma julgamento do 'Núcleo 3' da tentativa de golpe
Grupo é composto por nove militares e um agente da PF acusados de planejar ataques contra autoridades


Camila Stucaluc
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta terça-feira (18), o julgamento do “Núcleo 3” da tentativa de golpe de Estado — formado por militares de alta patente, conhecidos como “kids pretos”, e um agente da Polícia Federal. A sessão começa com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.
O “Núcleo 3” é acusado de planejar “ações táticas” contra autoridades para efetivar o golpe de Estado. Entre elas está o plano conhecido como “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato do ministro Alexandre de Moraes e dos integrantes da chapa eleita em 2022, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o vice Geraldo Alckmin (PSB).
São réus do “núcleo 3”:
- Bernardo Romão Corrêa Netto (coronel)
- Estevam Gaspar de Oliveira (general da reserva)
- Fabrício Moreira de Bastos (coronel)
- Hélio Ferreira Lima (tenente-coronel)
- Marcio Nunes Resende Júnior (coronel)
- Rafael Martins de Oliveira (tenente-coronel)
- Ronald Ferreira de Araújo Júnior (tenente-coronel)
- Rodrigo Bezerra de Azevedo (tenente-coronel)
- Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros (tenente-coronel)
- Wladimir Matos Soares (agente da Polícia Federal)
Todos são acusados de:
- Organização criminosa armada;
- Tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
- Tentativa de golpe de Estado;
- Dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima;
- Deterioração de patrimônio tomba
O julgamento começou na última terça-feira (11), com a leitura do relatório por Moraes e sustentação oral do procurador-geral da República, Paulo Gonet. Na sessão, ele defendeu a condenação de nove dos 10 réus, pedindo que a conduta do tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Jr. seja reenquadrada como incitação ao crime.
Agora, os ministros apresentam seus votos, começando pelo relator, Moraes, seguido por Cristiano Zanin, Cármen Lúcia e, por último, pelo presidente da Corte, Flávio Dino. A decisão pela absolvição ou pela condenação é tomada por maioria. Caso haja condenação, o relator apresentará sua proposta de fixação das penas, seguido pelos demais integrantes do colegiado.
O que diz a acusação?
Na sessão, o procurador afirmou que os réus foram responsáveis por ações táticas da organização criminosa, desempenhando papel decisivo no plano. Segundo Gonet, o núcleo exerceu forte pressão sobre o alto comando do Exército para que deflagrasse o golpe de Estado, colocou autoridades públicas sob ameaça e se dispôs a mobilizar forças militares com intenções criminosas.
Entre as provas, Gonet apresentou mensagens enviadas pelo policial federal Wladimir Matos Soares, que revelam seu envolvimento direto na conspiração contra Luiz Inácio Lula da Silva. Durante a transição de governo, ele se infiltrou na equipe de segurança do presidente eleito com o objetivo de neutralizá-lo.
Citando depoimento do próprio réu, o procurador afirmou que a ruptura institucional só não se concretizou devido à resistência dos comandos do Exército e da Aeronáutica. Em um dos áudios apreendidos, Soares admitiu o ímpeto e o potencial destrutivo da organização criminosa, confirmando a dinâmica dos crimes descritos na denúncia.
Gonet ressaltou ainda que os réus tinham consciência de que a narrativa de fraude eleitoral não correspondia à realidade, uma vez que diálogos obtidos nas investigações demonstram que sabiam da integridade do processo eleitoral. Na avaliação do procurador, o grupo não tinha a intenção de combater irregularidades, como pretendiam fazer parecer, mas sim de questionar o resultado legítimo das urnas.
E as defesas?
- Bernardo Romão Corrêa Netto
Os advogados de Corrêa Netto rebateram as acusações apresentadas pela PGR e pediram a absolvição do coronel. Eles sustentaram que as provas apresentadas são frágeis e que seu cliente não agiu para pressionar o alto comando do Exército para a quebra institucional. Também disseram que o relatório da PF e a denúncia “tiraram palavras e conversas de contexto”, buscando levar os julgadores ao erro.
- Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira
Em defesa do general da reserva, o advogado Diogo Rodrigues de Carvalho Musy afirmou que a acusação contra ele se sustenta exclusivamente em uma mensagem trocada entre o colaborador Mauro Cid e Bernardo Corrêa Netto. Nela, Cid afirmou que o general teria concordado em aderir ao golpe, desde que o então presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), assinasse o decreto golpista.
Musy sustentou que seu cliente, como chefe do Comando de Operações Terrestres (Coter) do Exército na época, apenas compareceu à reunião de 9 de dezembro de 2022 com o então presidente em respeito à cadeia de comando. Ele negou que na reunião Bolsonaro tenha apresentado a “minuta do golpe” e que o general tenha, como chefe do Coter, comandado “batalhões de kids pretos”.
- Fabrício Moreira de Bastos
O advogado Marcelo César Cordeiro pediu a absolvição do coronel do Exército por ausência de provas. Segundo ele, a chamada “reunião golpista” de 28 de novembro de 2022 foi, na verdade, uma confraternização entre oficiais das Forças Especiais, o que teria sido confirmado por testemunhas, inclusive pelo réu colaborador, o tenente-coronel Mauro Cid.
Cordeiro argumentou que o contato de Bastos com a “carta dos coronéis da turma de 1997”, redigida por outros militares e posteriormente apurada em sindicância interna do Exército, se deu apenas por dever funcional, a mando de sua chefia no Centro de Inteligência do Exército. O advogado também defendeu que as mensagens em que Bastos mencionava “gabinete de crise” e “centro de gravidade” seguiam protocolos previstos no Manual de Comunicação Social do Exército para gerenciamento de crises institucionais e não se referiam a ações políticas ou golpistas.
- Hélio Ferreira Lima
Em defesa do tenente-coronel, o advogado Luciano Pereira Alves de Souza pediu a absolvição integral por ausência de provas e anacronismo dos fatos narrados pela PGR. Souza afirmou que o documento citado pela procuradoria com o projeto de uma operação com militares para desestabilizar as instituições democráticas jamais foi impresso, compartilhado ou apresentado a qualquer pessoa. Segundo a defesa, o arquivo foi criado em janeiro de 2023, o que tornaria impossível sua vinculação a fatos ocorridos em novembro de 2022, data das reuniões supostamente golpistas apontadas pela acusação.
O advogado sustentou que a reunião na casa do general Braga Netto, citada na denúncia, foi um encontro casual e breve, sem nenhuma discussão de teor golpista. Também argumentou que as viagens do réu a Brasília tinham caráter estritamente familiar, voltadas à visita dos filhos e à mobília do apartamento deles, todas autorizadas pelo Comando do Exército e comprovadas com passagens, hospedagens e comprovantes de gastos.
- Márcio Resende Jr.
O advogado Rafael Favetti sustentou que, de todos os planos descritos na denúncia, os autos implicam o coronel do Exército apenas no referendo de uma carta redigida para pressionar o chefe do Estado Maior do Exército a aderir ao golpe, na reunião realizada no salão de festas da casa de seu pai em 28 de novembro de 2022. Favetti, no entanto, argumentou que o documento não era o foco do encontro. O tema, segundo ele, foi discutido de forma privada entre duas das cerca de 15 pessoas presentes na ocasião, e Resende Jr. não teve acesso ao documento.
O advogado reconheceu que a tentativa de golpe “foi algo muito grave”, mas ponderou que a gravidade do cenário “não pode levar à miopia no olhar das condutas individuais”. Afirmou ainda que a situação do coronel é semelhante à de dois militares denunciados pela PGR no “Núcleo 3”, mas que tiveram a acusação rejeitada pelo STF por falta de provas.
- Rafael Oliveira
Representando o tenente-coronel do Exército, o advogado Renato Martins voltou a defender que Moraes seja declarado impedido nos processos sobre a tentativa de golpe, uma vez que os autos incluem a investigação de um plano para executá-lo. Outro ponto contestado foi o fato de os depoimentos terem sido acompanhados abertamente, permitindo que todos os réus ouvissem uns aos outros. Para Oliveira, isso comprometeu o resultado dos interrogatórios.
A advogada Juliana Martins, por sua vez, afirmou que houve cerceamento da defesa e questionou a validade das provas contra Oliveira. Também criticou a interpretação do STF para crimes tentados e a metodologia usada para analisar os documentos do processo. Segundo ela, isso levou a conclusões baseadas em suposições, sem provas concretas.
- Rodrigo Bezerra de Azevedo
O advogado Jeffrey Chiquini da Costa sustentou que Rodrigo Bezerra de Azevedo é inocente das acusações de liderança em ações clandestinas para monitorar e “neutralizar” autoridades públicas. Ele sustentou que o tenente-coronel não participou das fases de planejamento, monitoramento ou execução do suposto crime.
Chiquini da Costa alegou ainda que não teve acesso integral aos autos e que alguns documentos fornecidos seriam editáveis e inconsistentes, o que comprometeria a validade das provas. Para o advogado, a acusação é frágil e contraditória, e não comprova o envolvimento de Azevedo.
- Ronald Ferreira de Araújo Junior
No caso de Ronald Ferreira de Araújo Junior, a defesa pediu que a Primeira Turma acolha a tese da PGR para desclassificar o crime de incitação das Forças Armadas contra os Poderes atribuído ao tenente-coronel. Solicitou, por fim, que o processo seja encaminhado à Justiça Penal Negocial, o que permitiria a celebração de um acordo e evitaria uma eventual condenação.
- Sérgio Cavaliere
O advogado Igor Laboissieri Vasconcelos Lima pediu coerência em relação aos fatos imputados a seu cliente e solicitou que a Turma o absolva ou considere a desclassificação dos crimes imputados ao tenente-coronel. Laboissieri afirmou que Sérgio Cavaliere trabalha em área administrativa e que não integra as Forças Especiais do Exército, defenedndo que ele não é kid preto treinado para operações táticas, conforme trata o Núcleo 3.
Acrescentou que Cavaliere não participou da reunião dos agentes das forças especiais, realizada em Brasília, nem assinou ou concordou com os termos da carta elaborada para pressionar o Alto Comando do Exército a adotar o plano de golpe. Com isso, ponderou que seria injusto Cavaliere ter a mesma condenação que a de outros réus que tinham postos estratégicos e atuaram para monitorar e planejar matar autoridades.
- Wladimir Matos Soares
A defesa de Wladimir Matos Soares afirmou que o agente da Polícia Federal não conhece nem possui qualquer vínculo com réus ou testemunhas do processo e que jamais participou de reuniões ou teve contato com os militares investigados.
Rebateu, também, a acusação de que o policial estaria infiltrado em hotel da região central de Brasília com o objetivo de monitorar autoridades e obter informações estratégicas. Para comprovar, citou depoimento em que o chefe de segurança do hotel confirma que Wladimir coordenava grupo de proteção do local, atuando de forma oficial e regular. Os advogados disseram ainda que havia uma ordem de missão formal para atuação de Wladimir, que estava devidamente incluído na relação da equipe.
Julgamentos
O “núcleo 3” é o terceiro a ser julgado pelo STF. O julgamento do “núcleo 1” terminou em 11 de setembro, com a condenação de todos os oito réus, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Em outubro, foi a fez do "núcleo 4", condenado por disseminar notícias falsas sobre urnas eletrônicas e atacar instituições.
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O próximo grupo a ser julgado pela Corte, em dezembro, será o “núcleo 2”, apontado pela PGR como articulador de ações para neutralizar autoridades, dificultar o voto de eleitores do Nordeste durante as eleições de 2022 e planejar a minuta de golpe. Já em relação ao “núcleo 5”, integrado unicamente pelo empresário Paulo Figueiredo, a denúncia da procuradoria ainda não foi apreciada.









