Autonomia não significa que BC "virará as costas ao poder democraticamente eleito", diz Galípolo
Em sabatina, indicado para presidir Banco Central falou ainda que sua relação com presidente da República e presidente da instituição é "a melhor possível"
O diretor de política monetária do Banco Central (BC) e indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para presidir a instituição, Gabriel Galípolo, afirmou nesta terça-feira (8) que a autonomia do BC estabelecida pela lei sancionada em 2021 não significa que o banco vai se isolar "e virar as costas ao poder democraticamente eleito".
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Ele reforçou que a autonomia funciona de forma que as metas e os objetivos estabelecidos ao BC são definidos "pelo poder democraticamente eleito" e, uma vez estabelecidos, "cabe ao BC e à sua diretoria perseguir essa meta".
"Essa é a definição que existe. E é curioso porque, muitas vezes, polos críticos da ideia da autonomia são aqueles que gostariam inclusive que você tivesse uma maior liberdade ou elasticidade por parte da diretoria do BC de perseguir uma meta fora daquela estabelecida", salientou. Galípolo está sendo sabatinado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado; após a sabatina, os senadores votarão a indicação dele para presidir o BC.
Atualmente, por causa da autonomia, o presidente do Banco Central tem quatro anos de mandato, não coincidentes com o do presidente da República. Dessa forma, Lula, por exemplo, ficará dois anos de seu governo com um indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Roberto Campos Neto, na presidência do BC. O período de Campos Neto à frente da autoridade monetária terminará em dezembro deste ano.
Crítica de Lula
No início de julho, Lula relembrou que está há dois anos "com o presidente do BC do Bolsonaro" e falou que isso "não é correto".
"Eu tenho que, com muita paciência, esperar a hora de indicar o outro candidato, e ver se a gente consegue ter um presidente do Banco Central que olhe o país do jeito que ele é, e não do jeito que o sistema financeiro fala”, disse, sem citar o nome de Roberto Campos Neto.
Na sabatina, Galípolo disse acreditar que existe uma ideia na "polarização ou no debate" de autonomia do Banco Central "em que, muitas vezes, quem tem está defendendo está apresentando uma coisa, e quem está contra está falando de outra coisa". Segundo ele, "se a gente pegar a literatura essencial sobre a autonomia do BC, os cânones do tema vão dizer: o BC tem autonomia operacional para buscar as metas que foram estabelecidas pelo poder democraticamente eleito".
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O indicado discorreu sobre a autonomia da instituição após a líder do PP no Senado, Tereza Cristina (MS), perguntar se ele é a favor e acha que a autonomia do BC foi importante para a economia do Brasil.
Meta de inflação
Ainda na sabatina, Galípolo defendeu que o Banco Central não deveria nem votar na meta de inflação dentro do Conselho Monetário Nacional (CMN), como ocorre atualmente.
"Pensando numa corporação, numa empresa, é muito estranho que quem vai ter que perseguir a meta seja responsável por estabelecer a meta que vai ter que perseguir", argumentou.
Ele relembrou que a meta de inflação definida pelo CMN para 2024 é de 3% e afirmou que "cabe ao BC perseguir essa meta de maneira inequívoca, colocando a taxa de juros num patamar restritivo, necessário, pelo tempo que for necessário, para se atingir essa meta". Segundo Galípolo, "essa é a função do BC, é assim que funciona o arcabouço institucional e legal do Banco Central".
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Pix muda estrutura do BC
Ele pontuou que é necessário haver um arcabouço e uma estrutura institucional do Banco que permita este "desempenhar suas funções". Ele argumentou que, atualmente, uma pessoa não estar com o Pix disponível "é quase equivalente a não ter água ou luz na sua casa", por exemplo.
"E essa necessidade não só de a gente ter um arcabouço e uma estrutura institucional que permita a gente conseguir evoluir e atender as necessidades da maneira adequada, mas também fazer os investimentos são necessários", disse.
Segundo ele, é preciso entender que agora o Banco possui pessoas que devem trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana, porque o Pix funciona em qualquer horário e dia.
Galípolo afirmou considerar essencial a discussão sobre a autonomia financeira do Banco Central, prevista em uma Proposta de Emenda à Constituição em tramitação no Senado.
"Me parece que o tema hoje [da autonomia financeira] é muito mais uma discussão de adequação e refinamento da forma do que efetivamente do mérito do tema. É assim que eu compreendo hoje. Continuo me colocando aqui à disposição", declarou.
Relação com Lula e Roberto Campos Neto
Galípolo afirmou na sabatina que sua relação com Lula e Roberto Campos Neto "é a melhor possível".
"Eu sempre fui muito bem tratado pelos dois, eu não consigo fazer qualquer queixa a nenhum deles. Então eu sinto não poder corroborar com uma ideia eventual de que poderia existir alguma tipo de polarização ali, da minha parte", disse.
O indicado para presidir o BC disse que se ressente de não ter colaborado, dentro das funções dele [Galípolo], para que a relação entre o BC e o Poder Executivo "fosse melhor ainda".
Desde o início do seu terceiro governo, em janeiro do ano passado, Lula criticou Campos Neto em diferentes ocasiões por causa do patamar da taxa básica de juros, a Selic. Em junho, por exemplo, afirmou que o presidente do Banco Central tem lado e pretensões políticas e trabalha para "prejudicar" o Brasil.
Liberdade para tomar decisões
Em seu discurso inicial na sabatina, Galípolo disse que, sempre que lhe foi concedida a oportunidade de encontrar Lula, escutou "de forma enfática e clara a garantia da liberdade na tomada de decisões e que o desempenho da função deve ser orientado exclusivamente pelo compromisso com o povo brasileiro".
De acordo com o diretor do BC, as conversas que teve com os senadores também, independentemente de partido, se oposição ou situação, também foram "todas" no sentido de "assegurar a liberdade na gestão e demandar o compromisso com o nosso povo e com o nosso país".
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Galípolo destacou que sempre encontrou sentido e motivação para estudar economia na afirmação do economista inglês John Maynard Keynes de que "a economia é a ciência que cuida de melhorar a vida da mulher e do homem comuns". Segundo o indicado, "esse é o sentido da economia".
Ele afirmou ter compromisso com o mandato estabelecido pelo arcabouço institucional e legal para o Banco Central, e ter ciência da "honra e responsabilidade que envolvem a indicação à presidência do BC e do papel da estabilidade monetária e financeira na construção da sociedade que desejamos".
"Dores do processo democrático"
De acordo com Galípolo, o Brasil é reconhecido por sua estabilidade monetária e financeira. Nos últimos 12 meses, pontuou, foi possível observar os núcleos de inflação no país em patamares equivalentes às economias mais desenvolvidas e estáveis do mundo, como os Estados Unidos e o Reino Unido.
Conforme o indicado, o país estará sempre sujeito a momentos mais desafiadores. Entretanto, acrescentou, a atuação do Banco Central tem sido "inequívoca" na perseguição da meta de inflação estabelecida pelo CMN.
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"Eu sei também que muitas vezes como sociedade a gente se frustra pelos avanços em ritmo mais lento e trajetória menos linear do que a gente deseja", pontuou.
Mas eu penso que os avanços e bloqueios observados correspondem aos pesos e contrapesos próprios do processo democrático, e o tempo necessário para o debate público e a construção de consensos. E eu prefiro sempre as dores do processo democrático do que as falsas promessas de atalho", disse.
O relator da indicação de Galípolo na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado é o líder do governo na Casa, Jaques Wagner (PT-BA). Em seu relatório, favorável à aprovação do nome, ele destaque que o currículo do indicado "revela o alto nível de qualificação profissional, a sua larga experiência em cargos públicos e a sua sólida formação acadêmica, com a devida capacitação em assuntos econômico-financeiros".