Golpistas trocaram mensagens com "orientações táticas" para invasões
Canais alvos do STF registraram informações sobre como enfrentar a polícia e escapar das bombas de gás
As mensagens em códigos trocadas por grupos bolsonaristas nos dias e horas que antecederam a tomada da Praça dos Três Poderes, no dia 8 de janeiro, em Brasília, têm sido analisadas pela Polícia Federal, Ministério Público e Advocacia-Geral da União (AGU). Os textos comprovam que os atos criminosos de invasão e depredação às sedes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário foram planejados.
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A Procuradoria-Geral da República (PGR) começou, nesta 2ª feira (16.jan), a apresentar as denúncias contra os golpistas identificados. No primeiro pacote, foram 39 denunciados, que deverão responder pelos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Foi pedido bloqueio de R$ 40 milhões dos alvos.
Para comprovar os crimes, as autoridades têm reunido elementos como imagens, digitais, mensagens de telefone e de redes sociais, depoimentos, perícias, entre outros dados.
Um dos itens usados para apontar a prévia intenção de agir é o conteúdo de sete canais e 46 supergrupos do Telegram, usados por bolsonaristas de diversas regiões do País para divulgar, organizar, orientar e levantar recursos para a invasão e a depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF).
A mensagens tratavam também de um segundo dia de manifestações, que seriam realizadas, em 11 de janeiro, nos estados.
As mensagens foram trocadas entre as 19h do dia 5 e as 19h30 do dia 8 de janeiro. Foram listadas quase duas centenas de mensagens, mas boa parte delas foram apagadas.
O SBT News consultou os disparos desses grupos e destacou algumas deles, que tratam em códigos, mas também de forma aberta, os ataques aos Três Poderes, com evitar prisão. Entre as orientações, estava como reagir à ação da polícia e onde se encontrariam.
"Esqueça esse lema de Lula ladrão, a parada agora é outra. Acorda é faxina geral nos três poderes. Cade as faixas e os cartazes de vcs, é querra (sic.)", diz uma das mensagens.
"Não precisa ter milhões na casa da Selma. Apenas o suficiente para ocupar os três quartos e tomar banho de banheira na suíte principal."
Os textos citam a "festa da Selma", como referência ao protesto que, segundo autoridades, visava desde sua organização a invasão das sedes dos Três Poderes. "O povo lá tá bem organizado e saberá agir! Não vão invadir nada a não ser na hora certa de comer bolo da festa da Selma."
As mensagens foram reunidas pela AGU, que já as usou em um pedido feito ao STF, no dia 10, para que, dentre outras coisas, fossem bloqueados os canais de mensagens do Telegram usados pelos golpistas.
Estratégia de guerra
As mensagens também dão orientações aos golpistas de como agirem em confronto e como evitarem prisão na chegada a Brasíla. Nos dias 5 e 8, circularam nos grupos alertas com dicas para os participantes, com destaque para estratégias para que se evitasse prisão antes do ato de invasão e também como agir preventivamente, em caso de confronto com a polícia.
Na manhã do dia da invasão, circulou a mensagem: "Prevenção/Estratgégia e cuidados necessários". Nela, são passadas orientações básicas, como sobre o uso de máscaras contra gás lacrimogênio, o cuidado com "comida envenenada" e como pegar uma granada de gás e jogá-la de volta. Diz, ainda, para evitar levar "crianças e idosos".
"Ao ver uma granada de gas lacrimonênio não corra para pega-la espere o pino (pra o pino no momento que acionar pra não machuque a mão) sair ai sim pode pega-la e remessa-la de volta", registra o alerta, com palavras com letras erradas, para evitar buscas.
"Sugestão que não saiam todos no mesmo dia e horário, pois assim serão facilmente detidos", informa. "Avisem aos amigos da Selma para sairem em dias e horários alternados e até mesmo descer em locais diferentes para não perderem a Festa."
No dia 6, mensagens citam que a "Festa da Selma vai iniciar sábado sem prazo, dia, e hora para acabar a festa". Em outra, eles afirmam que "não precisa ter milhões na casa da Selma". "Apenas o suficiente para ocupar os três quartos e tomar banho de banheira na suíte principal."
Em algumas mensagens, eles convocam os golpistas para o fim de semana no "Plano Alto" - referência ao Palácio do Planalto.
Novas manifestações
As mensagens reunidas pela AGU foram enviadas, no dia 10, ao STF e à Justiça Federal do DF. O pedido de bloqueio de bens dos alvos, de congelamento das contas do Telegram, entre outras medidas, apontava ainda risco de um novo protesto no estados, no dia 11, o que acabou não ocorrendo.
"A Advocacia-Geral da União, nesta data de 10/01/2023, teve notícias de que grupos extremistas vêm convocando manifestações de teor golpista, convocando "MEGA MANIFESTAÇÃO NACIONAL ? PELA RETOMADA DO PODER". O ato seria realizado "EM TODAS AS CAPITAIS", às 18h."
O pedido atendido pelo STF determinou que o Telegram bloqueasse "todos os grupos identificados", bem como a identificação dos administradores e dos participantes. O ministro Alexandre de Moraes estipulou multa diária de R$ 100 mil caso a plataforma não realizasse, no prazo de duas horas, o bloqueio das contas e dos grupos solicitados pela AGU.
Na decisão, o ministro ressaltou que "o exercício dos direitos de reunião e manifestação é reivindicado com o confessado propósito de subverter a ordem democrática e inviabilizar o funcionamento das instituições republicanas".
"Não há outra interpretação a ser extraída das condutas lamentáveis praticadas na Praça dos Três Poderes no último domingo, 8/1/2023, tampouco da convocação para a RETOMADA DO PODER, agora realizada em grupos do TELEGRAM, a ocorrer nesta data, 11/1/2023."
Na Justiça Federal do Distrito Federal, a AGU obteve o bloqueio de R$ 6,5 milhões em bens de 52 pessoas e sete empresas que financiaram o fretamento de ônibus para os atos golpistas. A quantia é parte do valor buscar que deverá ser usado para reparar danos causados pela depredação do patrimônio público, no Planalto, no Congresso e no STF.
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