Exclusivo: tráfico a céu aberto nos trilhos dos trens de São Paulo
Reportagem do Primeiro Impacto mostra flagras de venda de drogas na porta de estações
A reportagem do Primeiro Impacto flagrou, com exclusividade, o tráfico de drogas a céu aberto, nos trilhos da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) de São Paulo. Os traficantes agem livremente perto da estação São Miguel Paulista, na zona leste da capital, e em outros locais de grande circulação de pessoas, sobretudo perto das estações.
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A repórter Fernanda Trigueiro e o produtor Cristian Mendes flagraram menores de idade consumindo e traficando entorpecentes, sem temor. Enquanto um conta o dinheiro, o outro prepara a maconha. Cocaína também é traficada. Um cliente foi visto no local, aguardando, enquanto o “pedido” é separado. Um dos meninos recebe o pagamento e entrega um cigarro já pronto. O comparsa, aparentemente, controla o caixa da boca de fumo.
Perto dali, um outro traficante participa do esquema. O homem foi visto repassando a droga de cima do muro de um túnel que dá acesso à rua.
Já na porta da estação Vila Aurora, da linha 7-Rubi, na zona oeste, um traficante fica a postos, aparentando não ter pressa e sem temor. Ele carrega uma mochila e fica atento ao celular. Um homem de camiseta vermelha se aproxima, trocam algumas palavras, e um outro jovem chega no local. O de vermelho entrou na estação, enquanto o outro parecia negociar. Depois, recebeu uma quantia em dinheiro.
Compra de maconha com bebê no colo
Em outro flagrante, um rapaz foi visto separando a droga dentro de uma mochila, entregando e recebendo o dinheiro. A cena se repete várias vezes, de forma rápida.
De acordo com a denúncia, o tráfico é constante. Os criminosos se revezam e chegam a fumar maconha. O local dificilmente fica vazio e a procura é grande.
Em outro momento, um segurança é visto caminhando e passa ao lado de dois suspeitos. O tráfico também domina a rua da estação, com a mesma dinâmica dos flagras anteriores. A poucos metros dali, em um escadão, moradores passam enquanto os traficantes atuam, esperando a chegada dos clientes.
Um desses clientes foi uma jovem, que chegou no local com o companheiro. Ele estava com um bebê no colo, enquanto ela pagou uma porção de maconha via Pix. Na sequência, mostrou o comprovante e saiu com a droga na mão.
Grande movimentação de pessoas atrai traficantes e dificulta trabalho da polícia
O esquema bem organizado desse mesmo grupo também foi exibida no Tá Na Hora. Os valores dos entorpecentes variam por tipo. Um usuário chegou a pedir para escolher, procurando a maior pedra de crack. Após pagar e receber o troco, o usuário pediu mais uma porção.
As estações de trens, ônibus e metrôs são escolhidas como pontos de venda de drogas por conta da grande movimentação de pessoas. A ação é rápida, permitindo que os usuários encontrem os traficantes em meio ao vai e vem dos passageiros.
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Segundo o advogado criminalista e especialista em segurança pública Paulo Sumariva, como o local concentra muitas pessoas, a situação dificulta o trabalho policial. “A grande maioria das pessoas que estão ali, são pessoas trabalhadoras, são pessoas que estão atrás de seu horário e aproveitando dessa situação você vê ali, criminosos que são poucos. Números bem pequenos, mas que estão aproveitando desse momento para fazer seu comércio ilícito”, afirmou.
Para o especialista, a situação demonstra “o dinamismo e a evolução do crime organizado” e que somente uma investigação precisa é capaz de “identificar e coibir”. “Sufocando o pequeno infrator não vai ter campo para o grande infrator trabalhar. Acho que tem que ser uma linha de investigação”, pontuou.
“Toda essa cadeia tem dono”, diz desembargadora
Em 2023, policiais civis ficaram acompanhado a ação de falsos vendedores ambulantes na passarela de acesso à estação Tatuapé do metrô, por três meses. No lugar de balas e doces, vendiam drogas. Na época, três foram presos e outros quatro traficantes foram identificados.
A desembargadora Ivana David considera que “toda essa cadeia tem dono, ela pertence uma organização criminosa”. “Esse indivíduo que está lá na ponta, que para alguns é o pequeno traficante, ele está dentro da cadeia do crime organizado, e alimentando o narcotráfico, ainda que seja numa ponta no centro de São Paulo ou num bairro de São Paulo”, afirma.
Porém, enquanto uns são presos, novos criminosos surgem, deixando a população temerosa em meio a uma situação desagradável, preocupante e perigosa.
O que dizem a CPTM e a polícia
Em nota, a CPTM afirmou que ações de segurança são realizadas dentro do sistema e que não tem poder de polícia para atuar em via pública. A companhia solicitou as imagens da reportagem para apurar as ocorrências e definir estratégias de combate ao crime. A CPTM disse que foi registrada queda nos casos de tráfico nos trilhos e estações: de cinco ocorrências no primeiro semestre de 2024 contra 11 no mesmo período do ano passado.
A Secretaria da Segurança Pública afirmou que “concentra esforços” para combater o tráfico e afirmou que cerca de 130 quilos de drogas foram apreendidos na região de Perus, onde foram feitos alguns dos flagrantes da reportagem. A pasta informou ainda que as imagens serão analisadas.
Já a Polícia Militar ressaltou que realiza ações de combate ao tráfico no estado e de treinamento das equipes, enfatizando que as operações da corporação não ficam restritas às estações mencionadas na reportagem, mas englobam o entorno dos terminais. A PM também disse que não foram registrados chamados para ocorrências de tráfico nas regiões citadas na reportagem, nos últimos três meses.