Exclusivo: Áudios revelam como policiais do Denarc-SP vendiam informações a traficantes e lavavam dinheiro
Polícia Civil de SP diz que não compactua com desvios de conduta e policiais são investigados pela Corregedoria; esquema foi revelado em operação da PF

Simone Queiroz
Marcos Guedes
Alan Covas
Uma investigação da Polícia Federal (PF) revelou um esquema de extorsão dentro do Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc), onde policiais civis cobravam propina de traficantes para impedir o avanço de investigações.
O esquema, desarticulado no final do ano passado pela operação Faceoff , levou à prisão os investigadores Valdenir Paulo de Almeida e Valmir Pinheiro, além do operador financeiro do grupo, Rivaldo Alves do Rosário, que foi detido em 17 de outubro.
+ Abordagem violenta de PMs em beco de SP é "análoga à tortura", diz Ouvidoria
Novos desdobramentos do caso vêm à tona com a divulgação de um material inédito contido no processo. O SBT teve acesso exclusivo a mais de quatrocentos áudios trocados entre Valmir e Rivaldo ao longo de dois anos.
O conteúdo detalha como os policiais escolhiam suas vítimas, negociavam valores e lavavam o dinheiro obtido com a extorsão.
Em uma das gravações, Valmir orienta o operador Rivaldo Alves do Rosário, chamado de Riva, a forjar documentos para pressionar traficantes a pagar propina:
_ "Tem um menino fazendo esse relatório, vamos enfeitar esse pavão, já." _ "Os caras querem papel, se não, os caras não pagam", responde Valmir.
Outro áudio revela que o grupo acessava e-mails de traficantes para obter informações pessoais e familiares, aumentando a pressão por pagamento. Em uma das mensagens interceptadas, um dos policiais pede a Riva:
_ "Dá uma olhadinha nesse e-mail dele, vê se tem foto de família, tudo que você conseguir."
O esquema gerava altos valores em propina. Em um trecho das gravações, Valmir pede dinheiro para uma viagem à Espanha.
_ "Arruma 50 mil em euros pra mim, tá bom? Tudo trocadim, vê se arruma tudo trocadim pra mim."
Para lavar o dinheiro, os policiais usavam empresas de fachada e contas bancárias de laranjas. Em um áudio, Valmir comenta sobre a movimentação de dinheiro:
_ "Nós temos que pagar esse trem aí hoje. Nós estamos, acho, que com R$ 130 mil, sei lá, R$ 140 mil em dinheiro."
+ Quase 2,5 mil "mortos" recebem BPC e irregularidades geram prejuízo de R$ 5 bilhões ao governo
Mensalão do tráfico e vida de luxo
Segundo o Ministério Público de São Paulo, os policiais receberam ao menos R$ 800 mil em três pagamentos para arquivar investigações contra um grupo criminoso que exportava cocaína para o exterior. A operação financeira era conduzida por Rivaldo, responsável por criar empresas de fachada e recrutar laranjas para disfarçar a origem ilícita dos recursos.
As conversas entre os parceiros de crime também contam com vídeos que mostram padrão de vida luxuoso de Valmir, sustentado pelo dinheiro ilícito. O esquema foi classificado como "estarrecedor" pela Justiça paulista e recebeu o apelido de "Mensalão do tráfico de drogas".
Segundo decisão do juiz Paulo Fernando Deroma de Mello, as revelações podem colocar em xeque a credibilidade da segurança pública do Estado de São Paulo.
+ Polícia do RS vai investigar linchamento de suspeito de sequestrar e abusar de criança
Rede de corrupção e lavagem de dinheiro
O funcionamento do esquema dependia da colaboração de advogados, que atuavam como intermediários entre traficantes e os policiais corruptos. Assim que eram acionados, os advogados procuravam os agentes para que eles passassem informações privilegiadas sobre operações policiais, permitindo que criminosos escapassem de investigações.
Na outra ponta, Rivaldo não apenas organizava a lavagem de dinheiro, mas também ajudava a confeccionar dossiês falsos apresentados aos traficantes como "provas" de investigações em andamento.
As empresas criadas por ele realizavam transferências bancárias para dificultar o rastreamento dos valores obtidos com a extorsão.
Os suspeitos seguem presos preventivamente aguardando decisão da Justiça. Procurados por meio dos advogados, Valdenir, Valmir e Rivaldo não se manifestaram.
Outro lado
Em nota, a Polícia Civil informa que os policiais citados são investigados por meio de inquérito policial e procedimento administrativo instaurados pela Corregedoria, que também segue à disposição para colaborar com as investigações da Polícia Federal. Os dois agentes permanecem presos. A instituição reforça que não compactua com desvios de conduta e pune exemplarmente aqueles que infringem a lei e descumprem seus protocolos.
Já o advogado de Rivaldo Alves do Rosário, Jorge Zanette, informou que o seu cliente foi envolvido e chantageado por policiais que eram agiotas e chegaram a ameaçá-lo. Segundo o defensor, ele não sabia e nunca participou de qualquer esquema de extorsão. "A inocência dele será provada nos autos", afirma Zanette.