10 anos de Lava Jato: fatos e resultados da operação que mudou a política brasileira
Acordos de leniência que trariam R$ 25 bi aos cofres públicos podem ser anulados pelo Supremo; relembre os principais passos da investigação sobre corrupção na Petrobras
A Operação Lava Jato completa 10 anos neste domingo (17). Com 399 delações premiadas e 43 acordos de leniência (espécie de delação para empresas) a força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) e os mais de 133 réus acertaram a devolução de R$ 25 bilhões aos cofres públicos e à Petrobras. Dinheiro desviado da estatal petrolífera em crimes de corrupção, fraudes em contratos, evasão de divisas e lavagem de dinheiro admitidos por executivos e empresas ao longo da investigação.
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O maior prêmio da história da Mega Sena, de 2022, por exemplo, não passou da metade de R$ 1 bilhão. Mas esse montante pode nunca entrar no caixa do governo. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceu a “imprestabilidade” de um dos acordos de leniência recentes pode cancelar o pagamento da multa ou até determinar que os valores pagos sejam devolvidos. A partir dela, iniciou-se no final de 2023 uma revisão geral de acordos de leniência na Justiça e no governo.
Desde o fechamento dos acordos, as empresas vêm pagando mensalmente os valores acordados. Em estimativa de 2022, a Petrobras já havia recebido de volta R$ 6,28 bilhões.
Com as anulações de sentenças da Lava Jato – como a que retirou o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva da prisão, em novembro de 2019 –, iniciou-se um movimento para pedir o encerramento dos acordos, tanto para pessoas físicas, quanto para jurídicas.
O principal caso é da atual Novonor, antiga Odebrecht, que solicitou a suspensão dos pagamentos no início do ano. Se o Supremo anular por completo esse acordo, todas as demais empresas devem solicitar o mesmo. O caso, a pedido da Procuradoria-geral da União (PGR), será avaliado pelo plenário da Corte.
A PGR recorreu das decisões do STF e tem atacado o revisionismo nos acordos. A força-tarefa da Lava Jato hoje integra o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF e não tem atuação efetiva.
Seria um efeito cascata.
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Efeio Dominó
No dia 6 de setembro de 2023, o ministro do STF Dias Toffoli decidiu que todas as prova obtidas a partir do acordo de leniência da Odebrecht e dos seus sistemas internos – Drousys e My Web Day B – são imprestáveis em qualquer esfera criminal, seja “na eleitoral, seja em processos envolvendo ato de improbidade administrativa, seja, ainda, na esfera cível”.
O acordo envolveu a divisão de valores entre Brasil, Estados Unidos e Suíça por suspeitas de que a construtora movimentou propinas nos três países, porém, segundo o ministro, não existe registro de pedido de cooperação jurídica internacional para a instrução do processo no qual foi homologado.
“Tudo indicando que passaram ao largo dos canais formais, quer dizer, que teriam acontecido à margem da legislação pertinente [...] a própria cadeia de custódia e a higidez técnica dos elementos probatórios obtidos pela acusação por meio dessas tratativas internacionais encontrava-se inapelavelmente comprometida", justifica Toffoli em sua decisão.
Seis dias depois, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) recorreu para reformar a decisão. No recurso, a associação argumenta que a validade do acordo deve ser mantida.
Segundo a ANPR, o MPF agiu de acordo com a lei ao celebrar os acordos, e as informações obtidas na Suíça e nos Estados Unidos durante as investigações seguiram a tramitação legal de cooperação jurídica.
Em janeiro deste ano (2024) a empreiteira Novonor, antiga Odebrecht, pediu a suspensão do pagamento alegando falta de voluntariedade na celebração.
A empresa solicita o acesso à íntegra do material da “vaza-jato”, que contém mensagens hackeadas trocadas entre procuradores da Lava Jato e o ex-juiz e hoje senador Sergio Moro (União-PR).
Em decisão monocrática, Toffoli acatou a solicitação. Determinou que todas as obrigações patrimoniais impostas à empresa sejam suspensas até que o grupo possa ter acesso integral às informações, para avaliar suposto conluio entre o juízo processante e o órgão de acusação no âmbito da Lava-Jato.
Segundo o relator, deve-se oferecer condições “para que avalie, diante dos elementos disponíveis coletados na Operação Spoofing, se de fato foram praticadas ilegalidades”.
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A Operação de Curitiba
O que começou com uma atividade da Polícia Federal (PF) no Paraná contra uma rede de lavagem de dinheiro em diversos estados colocou no banco dos réus dirigentes partidários, parlamentares, ex-ministros, executivos bilionários, o ex-presidente Michel Temer (MDB) e o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Porém, a lisura da operação foi sendo cada vez mais questionada. O vazamento de mensagens entre os membros da força-tarefa sugeriu ações combinadas entre o juiz e procuradores, colaborou.
Advogados criticam os métodos da investigação e suposta falta de respeito ao direito de defesa. A decisão de Sergio Moro de assumir o Ministério da Justiça após convite de Jair Bolsonaro levantou questões sobre isenção em um ambiente político polarizado.
Em fevereiro, uma pesquisa da Genial/Quaest mostrou que, para 49% dos brasileiros, a Lava Jato ajudou a combater a corrupção. Para metade da população, a operação fez “mais bem do que mal”.
A maioria (59%) dos entrevistados avaliou como adequada a investigação sobre Lula. E 22% dissesseram acreditar na imparcialidade das investigações, contra 31% que viram foco nas ações contra PT, MDB e PSDB.
Apesar disso, 44% dos brasileiros desaprovam o trabalho efetuado pelo então juiz do caso, Sergio Moro (hoje, senador da União Brasil e investigado pela Justiça Eleitoral). Os que aprovam a atuação do atual congressista são 40% dos entrevistados.
No STF, o primeiro relator do processo foi o ministro Teori Zavascki, que morreu em um acidente de avião em janeiro de 2017, sendo substituído por Edson Fachin no mês seguinte. Relatório liberado no início do mês pelo seu gabinete contabiliza 120 colaborações premiadas e 9 ações penais.
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Veja a linha do tempo com os principais acontecimentos:
Em 17 de março de 2014, a Polícia Federal do Paraná realizou uma operação contra um esquema de lavagem de dinheiro em 6 estados (PR, SP, RS, SC, RJ e MT) e em Brasília. Recursos investigados passavam a cifra de R$ 10 bilhões.
Foram emitidos 81 mandados de busca e apreensão, 18 de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 19 de condução coercitiva – quando o suspeito é levado até a delegacia para prestar depoimento.
O doleiro Alberto Youssef, que morava em Londrina (PR), foi preso em São Luís (MA). Segundo a Força, ele era um dos líderes da quadrilha. Houve outras 16 prisões.
Em 7 de janeiro de 2015, o caso começa a chegar ao mundo político com mais força. O policial federal Jayme Alves de Oliveira Filho, conhecido como "Careca", pediu à Justiça Federal para investigar o "vazamento seletivo e distorcido" de informações da operação.
Uma reportagem do jornal "Folha de S.Paulo" afirmava que, em depoimento à PF, Oliveira Filho teria apontado o então líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), como beneficiário do esquema de corrupção que atuava na Petrobras.
O peemedebista, candidato à presidência da Câmara, negou na ocasião ter recebido propina. No mesmo dia, o Ministério Público Federal pediu que o STF investigasse se o deputado estava envolvido. O ministro Teori Zavascki assume a relatoria do caso.
Em 3 de março de 2016, o senador Delcídio do Amaral (PT-MS) firma acordo de delação premiada em que diz que Lula e Dilma Rousseff, alvo de um pedido de impeachment, agiram para barrar a Lava Jato.
O então líder do governo no Senado havia sido preso em novembro do ano anterior acusado de tentar atrapalhar a investigação.
Durante a 24ª fase da Operação, o MPF chega ao ex-presidente Lula (PT). Investigando supostas vantagens indevidas, como um apartamento no Guarujá e reformas em imóveis, além de doações e pagamentos por palestras via Instituto Lula e a empresa LILS Palestras.
O MPF disse que o instituto recebeu de empreiteiras R$ 20 milhões em doações e a LILS Palestras, R$ 10 milhões. Investigadores averiguaram se os recursos vieram de desvios da Petrobras e se foram usados de forma lícita.
Como parte das ações, o petista foi alvo de mandados de condução coercitiva (quando o investigado é levado obrigatoriamente para depor e depois liberado) e busca e apreensão em seu apartamento em São Bernardo do Campo, em 4 de março de 2016.
No aeroporto de Congonhas, em São Paulo, onde prestou depoimento por mais de três horas, Lula negou envolvimento. A ação foi amplamente criticada por presumir culpa e dava início à polarização da operação.
"Era necessário ouvi-lo. O MPF tem uma investigação, necessitava ouvir o ex-presidente. Não havia como não fazer a oitiva. Se tivéssemos marcado com antecedência, teríamos um risco maior de segurança", justificou Santos Lima, então procurador.
A presidência do Partido dos Trabalhadores respondeu:
“Trata-se de novo e indigno capítulo na escalada golpista que busca desestabilizar o governo da presidente Dilma Rousseff, criminalizar o Partido dos Trabalhadores e combater o principal líder do povo brasileiro. Setores do aparato policial e judicial do Estado, mancomunados com grupos de comunicação e a oposição de direita, são o centro dirigente de uma operação destinada a subverter o resultado das urnas”.
É preciso lembrar aqui que em 2014 a sucessora do PT, a ex-presidente Dilma Rousseff havia ganhado uma eleição acirrada. Com 3,28 pontos percentuais de diferença contra o candidato Aécio Neves (PSDB).
Ainda em março daquele ano, é sabido que, a mando do ex-juiz Sergio Moro, os sigilos telefônicos não apenas de Roberto Teixeira, então advogado de Lula, mas também do telefone central da sede de seu escritório foram quebrados.Com isso, todos os 25 advogados da banca e possíveis 300 clientes haviam sido grampeados.
No pedido, os procuradores da República incluíram o número do Teixeira, Martins e Advogados como se fosse da LILS Palestras, Eventos e Publicações, empresa de palestras do, até ali, 35º presidente do país.
A interceptação foi interpretada por juristas como uma dissimulação do MPF.Em 7 de abril de 2016, Teori Zavascki, do Supremo, decidiu colocar em sigilo esta parte da investigação. Áudios enviados à Corte mostravam Dilma ao telefone com ministros e com o antecessor.
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Dia “D”
Antes da decisão de Zavascki, Moro havia divulgado áudios em que a então líder da República conversava com seu mentor político, Lula.
No trecho, Dilma avisava a Lula que mandaria “o 'Bessias' [em referência a Jorge Messias, hoje advogado-geral da União] junto com o papel” de termo de posse para que ele assumisse a Casa Civil de seu governo, que estava em crise. O cargo garantiria foro privilegiado a Lula – com isso, as investigações envolvendo seu nome sairiam da Justiça Federal do Paraná e seriam assumidas pelo Supremo.
A conversa vazada foi utilizada como munição. A oposição ganha força e, ainda em março, após uma crise com o vice-presidente, Michel Temer (MDB), protestos contra Dilma são mobilizados.Onze meses depois da posse do segundo mandato, em 2 de dezembro de 2015, Cunha autorizou a abertura do processo de impeachment de Dilma.
O maior aliado da base, o PP, deixa o governo e anuncia o apoio ao processo de impeachment. O PSD faz o mesmo. Após a delação de Delcídio e a divulgação de áudios do senador, o MDB também desembarca da base aliada.
O processo estava sendo articulado desde 2015, com a eleição de Eduardo Cunha à presidência da Casa Baixa do Congresso.
No dia 17 de abril de 2016, com 367 votos a favor, após 9 horas de sessão, a Câmara aprovava o afastamento da primeira presidente mulher da história do país
A investigação da Lava Jato não foi o motivo, mas colaborou com o fortalecimento da crise institucional e política que Dilma enfrentou em seu segundo mandato
Teori, em 13 de julho do mesmo ano, envia o caso do sítio de Atibaia e do triplex em Guarujá de volta ao Paraná, aos cuidados de Sergio Moro. Mas também anula a validade jurídica da escuta telefônica que interceptou conversa do petista com a presidente afastada.
Deltan Dallagnol e o meme
Ainda em 2016, setembro, o então procurador da República Deltan Dallagnol afirmou que Luiz Inácio Lula da Silva era o "comandante máximo do esquema de corrupção identificado na [Operação] Lava Jato".
Dallagnol fez a declaração durante coletiva em que a força-tarefa do MPF responsável pela operação, detalhou a denúncia que envolvia Lula, a ex-esposa dele, Marisa Letícia, e mais seis pessoas.
Os slides apresentados pelo, hoje deputado cassado, com setas apontando para Lula, no centro de um esquema, acabaram virando alvo de chacota.
No dia 18 de maio de 2017 ocorre outra reviravolta no caso: o Supremo envia à Presidência, agora ocupada pelo peemedebista Michel Temer, uma das gravações que integram a delação premiada da JBS.
O arquivo de áudio tinha duração de 39 minutos com conversas entre um dos donos do frigorífico, Joesley Batista, e o então presidente em exercício.
Um dos irmãos Batista, donos da JBS, disse em delação à PGR que Temer dava aval para comprar o silêncio do deputado cassado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), depois que ele foi preso na operação Lava Jato.
Joseley: Eu tô de bem com o Eduardo [Cunha, na época, preso], ok… Temer: Tem que manter isso, viu... [Inaudível]
Com base nas delações dos empresários, Fachin autorizou a abertura de um inquérito para investigar Temer. O emedebista chegou a ser preso em 21 de março de 2019 e novamente em maio.
Em abril de 2018, após rejeição de um habeas corpus preventivo pelo STF, o então juiz federal Sergio Moro decretou a prisão de Lula, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) a 12 anos e um mês de reclusão.
O atual presidente da República entregou-se à PF no dia 7 do mesmo mês. A força-tarefa o aguardava do lado de fora do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, cercado por militantes do partido. Lula foi levado para Curitiba em uma pequena aeronave e, de lá, para uma cela na sede da PF em Curitiba.
Após 580 dias preso, o petista foi solto no dia 8 de novembro de 2019, um dia após a Corte Superior do país ter considerado inconstitucional a prisão em segunda instância.
A decisão de soltura imediata foi tomada pelo juiz Danilo Pereira Júnior, da 12ª Vara Federal de Curitiba, após pedido do advogado Cristiano Zanin Martins – hoje ministro do STF, indicado por Lula em 2023.
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Fim silencioso da Lava Jato
Em 1º de fevereiro de 2021 foi oficialmente finalizada a maior força-tarefa do país. A PGR decidiu que a operação passaria a integrar o Gaeco do MPF. Acusada de parcialidade e de adesão ao bolsonarismo, a Lava Jato chega a um fim agridoce.
O imenso apoio público do início, que funcionou como motor da operação e chegou a tirar uma presidente eleita do cargo, se dispersou.
Dias antes, o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski havia retirado o sigilo de 50 páginas de conversas entre o ex-juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato, em especial Deltan Dallagnol.
Moro e Deltan foram eleitos congressistas em 2022 por legendas de centro-direita. O segundo foi cassado ainda em 2023 e o primeiro está sob investigação que pode levá-lo a perder o mandato de senador.
O episódio ficou conhecido como “vaza-jato”. Integrantes da força-tarefa, via telegram, eram instruídos por Moro sobre como deveriam agir os investigadores durante o processo, a exemplo: dizendo quais pessoas deveriam procurar para fortalecer as acusações contra Lula. A exemplo (do The Intercept):
Moro: Aparentemente, a pessoa estaria disposta a prestar a informação Dallagnol: Obrigado, faremos contato
As conversas entre Moro e Dallagnol abrangem até mesmo a escolha de não investigar políticos suspeitos para que continuem a seu lado.
Em outras, evidenciam o desejo dos procuradores da Lava Jato (que deveriam ser imparciais) de impedir a vitória do PT nas eleições de 2018.
“Opinião: melhor ficar com os 30 por cento iniciais. Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do mp e judiciário”, teria digitado Moro, segundo o portal.