Ruy Ferraz Fontes: o que se sabe sobre a execução do ex-delegado que prendeu Marcola
Atual secretário de Administração da Praia Grande, ele foi morto em uma emboscada; polícia investiga possível ação de facção criminosa
Emanuelle Menezes
Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, foi morto na noite desta segunda-feira (15) em uma emboscada na Praia Grande, no litoral sul paulista. Reconhecido por ser a primeira autoridade a combater a facção Primeiro Comando da Capital (PCC) e por prender Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe máximo do grupo, ele foi atingido por diversos disparos de fuzil quando saía do trabalho, na prefeitura da cidade, onde atuava como secretário de Administração desde 2023.
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Como foi a emboscada
Ruy deixou a prefeitura por volta das 18h, em um Fiat Argo Trekking, e logo passou a ser perseguido por criminosos armados. Ele tentou escapar, mas cerca de 2 quilômetros depois bateu em um ônibus e capotou, na Avenida Dr. Roberto de Almeida Vinhas, no bairro Nova Mirim.
A execução foi registrada por câmeras de monitoramento. As imagens mostram o carro do ex-delegado sendo perseguido e, na sequência, o acidente. Após o capotamento, três criminosos desceram encapuzados de um Toyota Hilux SW4, com coletes à prova de balas e armados com fuzis. Dois deles se aproximaram do carro de Fontes e dispararam, enquanto o outro ficou na "cobertura" para impedir a aproximação de testemunhas.

Após os disparos, o motorista do carro usado na emboscada faz o retorno, com as portas do automóvel abertas, e logo depois o trio entra no veículo e foge.
Existe a possibilidade, segundo as primeiras informações, do ex-delegado-geral ter sido baleado durante a perseguição e, por isso, ter perdido o controle do veículo e capotado.
20 tiros de fuzil
De acordo com o atual delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo, Artur Dian, mais de 20 tiros de fuzil foram disparados contra o veículo. A maioria dos disparos foi concentrada nos membros e no abdômen de Fontes, que morreu na hora.
O corpo do ex-delegado foi retirado do carro cerca de três horas depois do ataque. A perícia técnica já analisa cápsulas de fuzil encontradas na cena do crime, além de imagens de câmeras de segurança da região.
Duas pessoas, um homem de 20 anos e uma mulher de 33, foram atingidas por tiros durante a perseguição. Aos policiais, eles contaram que estavam na porta da casa de familiares quando os veículos passaram em alta velocidade e disparando. Os dois foram socorridos para o Hospital Irmã Dulce e não correm risco de vida.
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Carros usados na execução
A polícia identificou o uso de três veículos na ação criminosa. Dois deles foram abandonados nas proximidades do local da emboscada:
- um carro teria sido usado para seguir o ex-delegado desde a prefeitura;
- o Toyota Hilux SW4, utilizado pelos executores, foi encontrado incendiado a 2,5 km do local do crime. Segundo o boletim de ocorrência, o veículo era roubado;
- um Jeep Renegade foi abandonado também próximo ao local, com carregadores de fuzil e munições. Ele passou por perícia para coleta de digitais e material genético.

O que motivou o crime
O nome de Fontes era constantemente citado como inimigo pela liderança do PCC, o que reforça a suspeita de que o atentado tenha sido uma retaliação planejada. Além da possibilidade de vingança, as autoridades também trabalham com a hipótese de que a atuação dele à frente da Secretaria de Administração da Prefeitura da Praia Grande tenha contrariado criminosos.
Nas últimas semanas, ele chegou a demonstrar incômodo pela falta de proteção, dizendo que estava investigando um possível esquema de fraude em licitações na Baixada Santista.
Quem foi Ruy Ferraz Fontes

Delegado de carreira da Polícia Civil por mais de 40 anos, Ruy Ferraz Fontes foi o primeiro a enfrentar diretamente o Primeiro Comando da Capital (PCC). No início dos anos 2000, quando era titular da 5ª Delegacia de Roubo a Bancos do Deic, atuou contra os crimes que sustentavam financeiramente a facção, estabeleceu a estrutura de poder do PCC e prendeu suas principais lideranças por formação de quadrilha.
Foi Fontes que apontou Marcos Willians Herbas Camacho, mais conhecido como Marcola, como chefe máximo do grupo. Ele indiciou e prendeu ainda esposas de líderes do PCC.
Em 2006, foi responsável por conduzir investigações sobre os ataques da facção que aterrorizaram o estado. No mesmo ano, indiciou toda a cúpula do PCC, incluindo Marcola, pelos crimes e foi um dos responsáveis pela ideia de transferir todas as lideranças da organização para um único presídio, a Penitenciária II de Presidente Venceslau, no interior de São Paulo.
Posteriormente, comandou o Denarc (Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes) e, entre 2019 e 2022, foi delegado-geral da Polícia Civil de São Paulo. No período como chefe da polícia no estado, liderou a transferência de chefes da facção para presídios federais, visando reduzir o poder da facção dentro das prisões.
Desde 2023, atuava como secretário de Administração da Prefeitura da Praia Grande, no litoral sul de São Paulo.
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Repercussão
O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, determinou a criação de uma força-tarefa com os principais departamentos da Polícia Civil, incluindo o Departamento de Inteligência (Dipol), o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) e o Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). A ordem é identificar os executores e apurar a participação do PCC, apontado como principal suspeito pelo ataque.
O procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, lamentou a morte e informou que o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo (MPSP) vai apoiar a investigação da Polícia Civil.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), declarou que as autoridades estão trabalhando para identificar e prender os atiradores.
"Estamos trabalhando para identificar e prender os criminosos responsáveis, para que sejam exemplarmente punidos pela Justiça, com todo o rigor da lei", disse Tarcísio.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, disse nesta terça-feira (16) que o assassinato foi "brutal" e preocupa o governo federal. Lewandowski também afirmou que está "à disposição do estado", principalmente em questões envolvendo a polícia científica, para investigação de informações e DNA.
A Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo afirmou que o crime contra Fontes foi "brutal e covarde" e pediu uma rápida investigação sobre o caso.
"[O crime] pede célere investigação e punição imediata dos culpados, para que se evitem mais mortes, bem como o uso excessivo da força policial, como registrado em operações de funestos resultados naquela região do estado, denominadas Escudo e Verão", disse o órgão em nota.
Para o Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), a execução de Fontes "escancara a forma como o Governo do Estado de São Paulo cuida de seus policiais mais dedicados".
"É, afinal, a Polícia Civil a responsável pela investigação das organizações criminosas. Por consequência, se o Governo do Estado permite que a instituição se enfraqueça, como São Paulo tem feito nas últimas décadas, o crime organizado, inevitavelmente, ganhará espaço", disse a entidade em nota.
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) destacou que o atentado foi "feito por pessoas com treinamento e expertise nesse tipo de ação, que busca retaliar, amedrontar e subjugar as forças de segurança pública, responsáveis por investigações relevantes de combate ao crime e à violência nos últimos anos".