Lula critica “tirania do veto” na ONU e fala em “aniquilamento do sonho de nação” palestino
Presidente também chama ataques do Hamas de terrorismo, mas pondera que “direito de defesa não autoriza a matança indiscriminada de civis”

Jessica Cardoso
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou nesta segunda-feira (22), em Nova York, que a “tirania do veto sabota a própria razão de ser” da Organização das Nações Unidas (ONU) e que o ocorre na Faixa de Gaza representa “o aniquilamento do sonho de nação” palestino.
“O conflito entre Israel e Palestina é símbolo maior dos obstáculos enfrentados pelo multilateralismo. Ele mostra que a tirania do veto sabota a própria razão de ser da ONU, de evitar que atrocidades, como as que motivaram sua fundação, se repita. Também vai contra a sua vocação universal, bloqueando a admissão como membro pleno de um estado, cuja criação deriva da autoridade da própria Assembleia Geral”, disse.
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Lula fez as declarações na Conferência Internacional de Alto Nível sobre a Palestina, convocada por França e Arábia Saudita na sede da ONU, um dia antes da abertura da Assembleia Geral.
A reunião teve como pauta a solução de dois Estados e a busca por uma saída pacífica para a guerra na Faixa de Gaza, mas contou com a ausência dos Estados Unidos e de Israel entre os 193 Estados-membros. O presidente francês, Emmanuel Macron, reconheceu oficialmente o estado da Palestina na ocasião.
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Durante seu discurso, Lula lembrou que a proposta de partilha da Palestina, há 78 anos, foi aprovada em sessão presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha e que apenas um dos dois Estados previstos se concretizou.
Para ele, os três pilares de um Estado, território, população e governo, têm sido “sistematicamente solapados” no caso palestino, seja pela ocupação ilegal de terras, pela limpeza étnica ou pelo enfraquecimento da autoridade nacional.
“Como apontou a Comissão de Inquérito sobre os territórios palestinos ocupados, não há palavra mais apropriada para descrever o que está ocorrendo em Gaza do que genocídio”, afirmou.
O presidente também disse que não há palavra mais adequada do que “genocídio” para descrever a situação em Gaza, citando relatório da Comissão de Inquérito sobre os territórios ocupados. Segundo Lula, essa é a razão pela qual o Brasil decidiu apoiar o processo aberto pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça.
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Lula também condenou os atos do Hamas, classificando-os como terrorismo. “Os atos terroristas cometidos pelo Hamas são inaceitáveis. O Brasil foi enfático ao condená-los, mas o direito de defesa não autoriza a matança indiscriminada de civis”, ponderou o presidente.
Ele ressaltou que “nada justifica a morte de mais de 50 mil crianças, a destruição de 90% dos lares palestinos, o uso da fome como arma de guerra ou ataques contra pessoas famintas em busca de ajuda”.
“Meio milhão de palestinos não tem comida suficiente, mais do que a população de Miami ou de Tel Aviv. A fome não aflige apenas o corpo, ela estilhaça a alma. O que está acontecendo em Gaza não é só o extermínio do povo palestino, mas uma tentativa de aniquilamento de seu sonho de nação”, declarou.
Lula reiterou que Israel e Palestina têm o direito de existir e que trabalhar pela efetivação do Estado palestino é “corrigir uma simetria que compromete o diálogo e obstrui a paz”.
Ele saudou os países que recentemente reconheceram a Palestina e lembrou que o Brasil já havia tomado essa decisão em 2010. Anunciou ainda que o governo brasileiro reforçará o controle sobre importações de produtos de assentamentos ilegais na Cisjordânia e manterá suspensa a exportação de material de defesa que possa ser usado em crimes de guerra ou genocídio.
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Por fim, Lula disse que, diante da omissão do Conselho de Segurança, a Assembleia Geral da ONU deve assumir responsabilidades e sugeriu a criação de um órgão inspirado no comitê contra o apartheid, que atuou no fim da segregação racial na África do Sul.
“Assegurar o diálogo da autodeterminação da Palestina é um ato de justiça e um passo essencial para restituir a força do multilateralismo e recobrar nosso sentido coletivo de humanidade”, concluiu.