França: Por que a decisão de Macron foi um tiro no pé
Blocos de centro e esquerda agora apelam para voto tático para isolarem a extrema-direita
A única certeza que se pode ter até agora depois dos primeiros resultados das eleições parlamentares na França é de que há um cenário de instabilidade pela frente, seja qual for o desenho final da nova legislatura do parlamento francês.
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Ao dissolver o parlamento e convocar eleições antecipadas, Emmanuel Macron fez uma aposta. E, assim como nas eleições para o Parlamento Europeu, o presidente francês perdeu novamente.
No início do mês, o partido Reagrupamento Nacional, de Marine Le Pen, expoente da extrema-direita francesa, conquistou 31,3% dos votos (30 de 81 assentos) para o Parlamento Europeu, mais que o dobro da coligação liderada pelo Renascimento, partido de Emmanuel Macron, que obteve 14,6% dos votos e elegeu apenas 13 deputados, mesmo número do Partido Socialista.
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Já não era um cenário favorável para Macron, mas o presidente francês ainda tinha o domínio do seu próprio parlamento.
Ainda assim, decidiu arriscar.
Quando surpreendeu o mundo político e convocou eleições, o francês queria provar que, nas eleições nacionais, a história seria diferente. E não foi.
A estratégia de reagrupar o centro surtiu o efeito contrário. Levou a um tsunami de votos para os extremos do espectro político.
O macronismo perdeu para si mesmo.
Agora, a nova aposta é o voto tático para impedir o domínio completo da extrema-direita.
De novo, é preciso voltar algumas casas para entender como é a eleição para o parlamento francês que, diferentemente do Brasil, acontece em dois turnos.
As regras francesas
O país é dividido em 577 distritos. Cada um tem aproximadamente 125 mil habitantes.
Para garantir a vitória no primeiro turno, o que é muito difícil, o candidato a deputado precisa de mais de 50% dos votos, além de que o comparecimento (voto na França não é obrigatório) tenha sido acima de 25%.
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Para participar do segundo turno, um candidato precisa ter pelo menos 12,5% dos votos em seu distrito, independentemente do comparecimento dos eleitores.
Não é incomum que haja 3 ou 4 candidatos concorrendo na votação final, onde quem tem mais votos leva a cadeira no parlamento.
Isolar a extrema-direita
A Nova Frente Popular, coligação de partidos de esquerda, que terminou o primeiro turno deste domingo com 28% dos votos, já anunciou que vai retirar os seus candidatos que terminaram em terceiro para que seus votos sejam direcionados para a coligação "Juntos", do partido de Macron, no próximo fim de semana.
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A estratégia é juntar forças para isolar a extrema-direita. Mas no campo de Macron, a escolha não é tão óbvia. A coligação de esquerda é formada por 4 partidos: o Socialista, o Comunista, o Verde e o Insubmisso. Este último é o mais radical e é classificado por boa parte da mídia europeia como de "extrema-esquerda".
E aqui vale uma observação sobre como os extremos, muitas vezes, se parecem. Tanto a extrema-direita quanto a extrema-esquerda da França têm fortes opiniões anti-União Europeia e, em alguns casos, ligações diretas com a Rússia, de Vladimir Putin.
O que Macron tentava combater ganhou uma força que ele não conseguiu calcular.
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O drama e o fim do macronismo
Enfraquecido e com mais três anos de segundo mandato, o presidente francês também pediu votos para os candidatos 'republicanos' e que defendem os valores democráticos, que tenham mais chance de derrotar a extrema-direita na votação final.
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Não é a mensagem direta do bloco de esquerda, que pediu apoio aos candidatos de Macron, se eles estiverem mais bem colocados.
Não será tarefa fácil para nenhum dos três blocos políticos da França conquistar, sozinho, mais de 288 das 577 cadeiras do parlamento francês.
Tampouco será fácil uma aliança entre o bloco de Macron, que teve 20% dos votos no primeiro turno, e o bloco de esquerda, dadas as nítidas diferenças entre os dois.
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A divisão expõe o provável cenário de uma França fragmentada, em que o parlamento, instituição mais poderosa na definição de leis e políticas nacionais, será o retrato do caos político da França.