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Família pede ajuda para resgatar brasileiro que estaria em trabalho forçado em Mianmar

SBT falou com família de Luckas Santos que relata estar em centro de golpes online de chineses; autoridades foram acionadas para repatriar paulistano

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Cleide Viana e o filho Luckas, que está no sudeste asiático e pediu ajudar para voltar ao Brasil. (Crédito: Arquivo pessoal/família)
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O brasileiro Luckas Viana Santos, de 31 anos, pode ter sido mais uma vítima a cair na rede mundial de tráfico humano para trabalho forçado em países do sudeste asiático. Um esquema que abastece firmas de cibercrimes. Países como Mianmar, Filipinas, Camboja e Tailândia atraem cada vez mais pessoas em busca de emprego, mas que acabam vítimas da violência física e psicológica, aprisionadas em dívidas com agenciadores e contratantes.

A região de Mianmar concentra empresas – regulares e clandestinas – de tecnologia da informação (TI), do ramo dos jogos e cassinos virtuais, de golpes via internet e com criptomoedas. Um negócio dominado pelo crime organizado chinês e com forte aparato de segurança, segundo entidades e autoridades, que têm alertado sobre o problema crescente.

+ Aumento de tráfico humano e migração ilegal faz MPF criar unidade especializada

A família de Luckas relata que ele, desde o início de outubro, está refém de cibercriminosos e agenciadores de mão de obra escrava, em um centro de golpes virtuais, na divisa de Mianmar com a Tailândia.

"Luckas foi para Filipinas o ano passado, em outubro, para trabalhar. Em setembro foi para Tailândia, o sonho dele era conhecer Tailândia, e foi para trabalhar num hostel. Aí foi que ele arrumou para trabalhar atendendo e fazendo atendimento com os brasileiros. O motorista foi buscar ele. Aí já escreveu umas mensagem meio estranha", afirmou a mãe Cleide Viana, em entrevista exclusiva ao SBT News.

Com mensagens de aplicativo de celular recebidas de um amigo, que está na Ásia, primos, amigos e a mãe de Luckas buscaram ajuda no Itamaraty, na Polícia Federal e no Ministério Público Federal (MPF) para tentar localizar, resgatar e repatriar o paulistano. A repatriação acontece quando o governo providencia e custeia o retorno de um brasileiro que está em outro país, em condições precárias.

O SBT News teve acesso às mensagens, entrevistou a mãe do brasileiro, Cleide Viana, a prima Ana Paula, conversou com dois amigos brasileiros e consultou as autoridades. O caso é acompanhado pelo Ministério das Relações Exteriores, que informou que "está em contato com as autoridades locais competentes e presta assistência consular aos familiares do brasileiro".

Bangkok, último endereço

Luckas Kim – nome artístico que usa nas redes sociais – fez os últimos contatos regulares com a família, que mora em São Paulo, no dia 7 de outubro. Dias antes, avisou o amigo e a família que havia conseguido um serviço de telemarketing, para uma empresa de tecnologia voltada a relacionamentos pela internet. O emprego era na província de Tak, cidade de Mae Sot – bem na divisa da Tailândia com Mianmar. No caminho, ele fez os primeiros pedidos de ajuda, segundo os relatos e prints de mensagens fornecidos pela família.

O amigo - que pediu para não ter a identidade revelada - é quem se comunica com ele via um perfil falso de Telegram, que seria usado pelos dois para os serviços. Com a reportagem, o amigo falou na quinta-feira (31) e relatou que Luckas faz contatos esporádicos, pede ajuda, fala em violência e medo de morrer.

As mensagens foram enviadas ao SBT News. Luckas pediu para "chamar a polícia", citou placas em birmanês (língua de Mianmar) e enviou a localização no mapa. Desde então, a família no Brasil vive o drama de não saber o que aconteceu com Luckas.

"Foi o último contato regular que tivemos com ele, naquela semana. Ele chegou a mandar uma localização de onde estava", conta Ana Paula Vieira, prima de Luckas. "No momento estamos sem notícias dele, antes ele conseguia mandar pelo menos as mensagens atualizando a gente de como estava, o que estava passando. Mesmo que não pudéssemos responder. Mas agora não temos contato."

Sumiço das redes

O WhatsApp de Luckas ficou mudo no dia 7 de outubro, seus perfis de redes sociais também pararam de ser usados – a não ser pelos amigos e conhecidos, que passaram a perguntar se ele estava bem. Desde que viajou para a Ásia, para trabalhar, o brasileiro postava fotos e vídeos no seu perfil "artista Luckas Kim". No Instagram (1,6 mil seguidores), fez a última publicação no dia 4 de outubro, em Bangkok, com camiseta vermelha. Artista amador, produtor de conteúdo e influencer, como se apresenta no canal de Youtube (3,9 mil seguidores), no dia 3 de outubro ele fez um vídeo sobre seu primeiro mês na Tailândia.

Luckas foi para o sudeste asiático no final de 2023 para trabalhar em empresas de jogos de apostas por intermédio de uma agenciadora, com passagem de ida e estadia pagas, em troca de seu trabalho. Um esquema que envolve permanência ilegal para trabalho nesses países, agenciadores de mão de obra barata, exploração, violência e medo.

Seu primeiro destino na Ásia foi as Filipinas, em Cebu, onde fazia serviço de telemarketing de forma clandestina. Em fevereiro, viajou para a Coreia do Sul, onde trabalhou em outro serviço semelhante. Voltou para as Filipinas em abril, como mostram os registros das redes sociais. Em 3 de setembro viajou para a Tailândia, há fotos da chegada no aeroporto. No mesmo dia, postou vídeo falando sobre o trabalho voluntário que faria no hostel (uma pensão de viajantes e estudantes), na capital Bangkok, de onde teria saído no dia 7.

Desde esse dia, o brasileiro ligou para mãe duas vezes: no dia 10, logo depois de sumir, e no domingo, 27 de outubro. Em ambas, falou estar bem e usava um tom pouco comum, segundo a prima – a família acredita que as ligações sejam acompanhadas pelos agenciadores.

"Desde pequeno quis ser artista, fazer as coisas, fazer teatro. Estou acabada Isso é muito difícil para mim. Muito, muito, muito. O meu pai também já tem idade, está todo nervoso, tem 93 ano, está muito difícil. Não desejo nem para o inimigo que eu não tenho. Isso está muito difícil", contou a mãe.

Centro de crime virtual

A história de Luckas narrada pela família e amigos é idêntica a de milhares de brasileiros, vietnamitas, tailandeses, cambojanos, capturados pelas redes de tráfico humano e trabalho forçado. O serviço de telemarketing é um dos oferecidos como oportunidade em convites de redes sociais e aplicativos de conversa. Na prática, eles atendem as chamadas de quem investiu e busca resgatar o dinheiro, que não existe mais, e também novos clientes e divulgadores das plataformas de jogos, de investimentos e relacionamentos, entre outros.

O epicentro do problema no sudeste asiático é Mianmar, um dos países mais pobres da região, que faz divisa com a China. Desde 2021, o país sofre com um golpe militar sangrento e conflitos internos entre milícias.

Bem na divisa da Tailândia e o país, o KK Park – local que a família acredita que ele esteja – concentraria os golpes cibernéticos, as fraudes digitais e o tráfico de pessoas e de órgãos, controlado por mafiosos chineses. É o que mostra um processo penal de 2023, da Justiça Federal, em São Paulo.

O Ministério Público Federal denunciou um cearense, em abril de 2023, por aliciar mão de obra escrava para esses centros no sudeste asiático. Seis brasileiros vítimas foram resgatados em novembro de 2022, em Mianmar, pelo governo brasileiro, depois de um alerta das autoridades dos Estados Unidos, e trazidos de volta. O chefe do esquema foi preso no aeroporto de Guarulhos (SP), ao chegar de uma viagem.

Um dos resgatados contou no processo que o KK Park é "uma cidade artificial", "base das operações para golpistas e mafiosos chineses, voltadas para golpes cibernéticos, golpes de estelionato (scammers) e comércio do mercado negro, como órgão humano e tráfico de pessoas".

"É uma fortaleza para ladrões, assassinos, golpistas e mafiosos. Tudo comandado pelos chineses", P.S.P.L., um das vítimas de tráfico humano em Mianmar, repatriada pelo governo brasileiro, em novembro de 2022

Os relatos são bem parecidos aos da família de Luckas. Contam sobre jornadas de 15 horas de trabalho, passaportes retidos pelos contratantes e agenciadores, violência física e psicológica, dívidas impagáveis e incomunicabilidade. Na decisão do caso, o juiz destaca o "depoimento uníssono" das "diversas testemunhas/vítimas" sobre o local.

Alertas de riscos

O Itamaraty, a ONU e entidades de combate ao tráfico humano têm emitido alertas sobre o problema e os riscos. Autoridades brasileiras têm se deparado com um fluxo considerável de brasileiros migrando para essa região, informou o governo em um alerta oficial do final de 2022 – quando foi lançada uma cartilha sobre Mianmar e região.

Foram 109 registros de brasileiros traficados naquele ano, mostra o Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2021 a 2023. O documento foi lançado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, em parceria com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC) e o governo norte-americano.

Segundo o documento, a "vulnerabilidade socioeconômica aumenta a suscetibilidade" das vítimas. Outro problema, é que "a tecnologia, em especial a internet, mudou radicalmente o modus operandi do tráfico".

"Como efeito da pandemia de Covid-19, fecharam-se cassinos e locais habilitados para jogos, e, paralelamente, o aumento da vulnerabilidade econômica de um grande número de pessoas se constituiu em um terreno fértil para que traficantes atuassem de forma fraudulenta no ambiente digital, seja via jogos de azar ou investimento em criptomoedas, por exemplo", trecho do Relatório Nacional sobre Tráfico de Pessoas: Dados 2021 a 2023, lançado em junho de 2024.

A conclusão é que as "plataformas digitais expandiram significativamente o alcance territorial dos perpetradores em fraudes online", registra o relatório. "O que lhes permitiu recrutar pessoas em diferentes países e de distintos idiomas", afirma.

Investigação e repatriação

Em outubro completou um ano que Luckas Kim saiu do Brasil – via aeroporto de Guarulhos (SP) – para as Filipinas. No seu perfil há registro da viagem, em 26 de outubro de 2023. A família acionou o Itamaraty, a PF e o MPF uma semana depois do contato do dia 7 do mês passado. O SBT News consultou o Itamaraty, que informou em nota que acompanha o caso e presta assistência à família.

"O Ministério das Relações Exteriores, por meio das Embaixadas do Brasil em Bangkok e em Yangon, acompanha o caso, está em contato com as autoridades locais competentes e presta assistência consular aos familiares do brasileiro", informou.

Sobre os andamentos do caso, disse que "o Ministério das Relações Exteriores não fornece informações sobre casos individuais de assistência a cidadãos brasileiros".E tudo. Eu só tenho ele só.

O MPF confirmou que a representação da família foi protocolada, mas disse que está sob "sigilo". "Não há informações que possam ser acessadas no momento." A PF confirmou que foi aberto um procedimento para apurar o caso, mas também disse que não pode comentar, por sigilo do caso.

O Itamaraty destacou ainda que tem alertando sobre o problema de tráfico humano para a região e citou cartilha publicada em novembro de 2022. "A Embaixada do Brasil em Bangkok também divulgou alerta sobre golpes envolvendo ofertas de emprego a brasileiros na Tailândia."

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