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Ucrânia: Putin pode ser punido apenas quando não for mais presidente

Ex-juíza de Haia explica como funciona a investigação de possíveis crimes de guerra praticados pela Rússia

Ucrânia: Putin pode ser punido apenas quando não for mais presidente
Presidente russo, Vladimir Putin | Reprodução/Flickr
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As denúncias feitas pelo governo ucraniano sobre as ações do exército russo no país continuam repercutindo internacionalmente e gerando revolta em grande parte dos países. Acusados de bombardear áreas residenciais e assassinar centenas de civis durante a ocupação de cidades, como Bucha, comandantes e soldados do Kremlin podem ser investigados por crimes de guerra e, até mesmo, contra a humanidade, assim como o líder da ofensiva, o presidente Vladimir Putin. Neste caso, a entidade responsável pelo processo é o Tribunal Penal Internacional.

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De acordo com Sylvia Steiner, ex-juíza da Corte, para que a denúncia do governo da Ucrânia seja levada adiante é preciso que as imagens divulgadas dos corpos espalhados por Bucha, nos arredores de Kiev, e outras cidades, como Kramatorsk e Mariupol, sejam analisadas e comprovadas. Posteriormente, deve haver uma apuração para identificar um número razoável de vítimas e, consequentemente, uma perícia para detectar a data e causa da morte do grupo de civis. Com os dados, um laudo cadavérico deve ser desenvolvido, mostrando se houve tortura e se a munição disparada contra o indivíduo ocorreu depois ou antes da morte.

"Nós vimos as imagens do que se alega ser um massacre, e pessoas mortas pelas ruas, muitas delas com as mãos amarradas nas costas, com sinais de tortura, com tiros dados por trás da cabeça, o que é típico de execução. Essas imagens são o que nós chamamos, no processo penal, de início de prova, que tem que ser corroborada agora pelas provas documentais, provas testemunhais e, principalmente, neste caso, por provas periciais. Caso forem confirmadas, isso confira, sem dúvida, em crime de guerra e até mesmo contra a humanidade", explica Sylvia

Na definição do Direito Internacional Humanitário, um crime de guerra acontece quando civis não são distinguidos das tropas militares, quando os danos à população não são minimizados e quando ocorre uma destruição desnecessária com sofrimento prolongado. No entanto, diferente dos crimes contra a humanidade, que acontecem somente contra civis, os crimes de guerra também podem ocorrer contra militares, quando há casos de tortura, sequestros, prisão ou experimentos na ordem biológica.

"Se por uma hipótese, ao final das investigações, o procurador pedir a expedição de mandados de prisão contra o grande escalão russo, a ação penal propriamente dita só poderá começar quando essas pessoas foram presas e entregues à Corte. Enquanto isso, enquanto eles não forem presos e nem entregues, a ação penal fica suspensa", diz Sylvia. "Então, há, sim, uma possibilidade da denúncia contra Putin, mas falar em penalização é um pouco precipitado, porque temos que ver, primeiro, contra quem o mandado será expedido e, segundo, quem vai prender e entregar os acusados ao Tribunal para que eles possam ser devidamente julgados."

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Para que isso aconteça, a ex-juíza esclarece que todos os Estados que ratificaram o Estatuto de Roma - tratado que estabeleceu a Corte Penal Internacional - têm a obrigação de cooperar com as investigações e exigências da Corte. Para exemplificar, Sylvia cita o caso do ex-presidente do Sudão, Omar al-Bashir, que foi acusado pelo Tribunal por crimes de guerra e crimes contra a humanidade em 2009, devido ao conflito na região de Darfur. O combate, que acontece até hoje entre grupos milicianos e povos não árabes, já deixou mais de 400 mil mortos, segundo estimativas.

"É muito difícil você prender um presidente de Estado e de um Estado em exercício. Então, o que normalmente se tem que fazer é aguardar que essa pessoa não esteja mais no poder para que possa ser presa e entregue ao Tribunal. Por outro lado, como no caso de al-Bashir, ele ficou praticamente sem poder sair do Sudão, porque a maior parte dos países africanos são signatários do Estatuto de Roma. Então, se ele pusesse os pés num país signatário do Estatuto ou na Europa, ele seria preso e entregue à Corte. Isso faz com que o presidente fique bastante restringido nos seus movimentos, na sua capacidade de ir e vir e de se relacionar com outros chefes de Estado", conta.

Ao fim de um processo penal, os membros do Tribunal expedem duas decisões, sendo uma sobre a condenação e aplicação da pena, que, às vezes, é separada da condenação, e uma sobre a reparação das vítimas - fazendo com que a Corte tenha dupla função. Em grande parte dos casos, o condenado afirma não ter como reparar as vítimas. Para que a pena prevista seja realizada, o Tribunal pode pedir a apreensão de bens e congelamento de contas. Se ao final ainda não houver o valor estipulado, a Corte pode utilizar de um fundo no qual todos os signatários depositam valores destinados à reparação das vítimas. O recurso, que compõe uma espécie de indenização, também pode ser destinado para a reconstrução de cidades, reabilitação de pessoas feridas e projetos de habitação.

Desde o início da ofensiva russa na Ucrânia, em 24 de fevereiro, 41 dos 122 Estados signatários do Estatuto de Roma solicitaram a abertura de uma investigação sobre os ataques realizados contra civis. Apesar de não ser signatário, assim como a Rússia, quando houve a anexação da Crimeia (2014), a Ucrânia depositou uma declaração aceitando voluntariamente à jurisdição do Tribunal. Com isso, quaisquer crime de guerra ou crimes contra a humanidade que aconteçam no território podem ser investigados pela Corte.

Com a recente invasão à Ucrânia, a Rússia passou a ser alvo de dois processos no Tribunal Penal Internacional por crimes praticados no território vizinho, sendo um em relação a Criméia, que, conforme balanço da Organização das Nações Unidas (ONU), deixaram mais de 9 mil mortos, e outro por conta dos recentes desdobramentos do cerco russo e o número ainda incontável de vítimas civis.

Confira essa e outras notícias sobre a guerra na Ucrânia na edição semanal do Mapa Mundi:

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