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Moraes usou órgão do TSE de forma não oficial para investigar bolsonaristas em inquérito das fake news, diz jornal

Gabinete do ministro do Supremo Tribunal Federal afirma que solicitações estão devidamente inscritas no processo; especialistas analisam possível irregularidade

Moraes usou órgão do TSE de forma não oficial para investigar bolsonaristas em inquérito das fake news, diz jornal
O ministro Alexandre de Moraes em Fórum Internacional de Justiça e Inovação em 2023 | Reprodução Alejandro Zambrana/TSE
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O gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), teria ordenado de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral contra bolsonaristas no inquérito das fake news. Os pedidos teriam sido feitos durante a presidência de Moraes no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A reportagem que revelou os pedidos é do jornal Folha de S. Paulo, que teve acesso a trocas de mensagens com integrantes do gabinete. O jornal aponta para uma irregularidade: o uso de uma Corte para abastecer a investigação de outra.

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A representação do ministro Moraes afirma que solicitações estão devidamente inscritas no processo e “foram feitas a inúmeros órgãos, que, no exercício do poder de polícia, tem competência para a realização de relatórios sobre atividades ilícitas, como desinformação, discursos de ódio eleitoral, tentativa de golpe de Estado e atentado à democracia e às Instituições”.

A Folha teria recebido de fontes “dados de um telefone” contendo as mensagens utilizadas para sustentar a acusação. Alega que não decorrem da interceptação ilegal ou acesso via hacker. A reportagem é de autoria do jornalista Fábio Serapião e de Glenn Greenwald, responsável pelo vazamento de mensagens do então juiz Sergio Moro e integrantes da força-tarefa da Lava Jato, em episódio conhecido como “Vaza Jato”.

As mensagens sobre as ordens de Moraes

Trocando mensagens no WhatsApp, o juiz instrutor Airton Vieira, assessor do gabinete de Alexandre de Moraes, solicitava a Eduardo Tagliaferro, perito criminal e, à época, chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação da Corte Eleitoral, relatórios específicos contra aliados de Jair Bolsonaro (PL). Tais documentos serviram de embasamento para os inquéritos das notícias falsas (fake news) e das milícias digitais.

Após monitoramento de Tagliaferro e sua equipe, as constatações de que alvos estavam praticando desinformação em massa sobre o processo eleitoral eram submetidas ao Supremo, de acordo com a reportagem, como se fossem espontâneas do órgão. Com acesso ao relatório elaborado pela equipe, o ministro Moraes embasava suas decisões.

O trâmite persistiu mesmo após a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando bolsonaristas – além do ex-presidente Bolsonaro – contestavam a lisura do processo eleitoral.

“Através de nosso sistema de alertas e monitoramento realizados por parceiros deste Tribunal, recebemos informações de frequentes postagens realizadas [...] no qual informaram existir diversas postagens ofensivas contra as instituições, Supremo Tribunal Federal e Tribunal Superior Eleitoral”, diz um dos relatórios enviados por Tagliaferro.

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Inquérito das Fake News

A investigação foi aberta em março de 2019, logo após a posse de Bolsonaro, por decisão do também ministro do STF Dias Toffoli (presidente da Corte na ocasião). Ele indicou Moraes como relator “que disporá da estrutura material e de pessoal necessária para a condução dos trabalhos”, disse o Supremo em nota à época. O inquérito foi questionado, mas considerado constitucional pelos 11 ministros em decisão em plenário, em 2020. A abertura de inquérito pelo presidente do STF está prevista no artigo 43 e seguintes do Regimento Interno.

O inquérito tem como finalidade “apurar fatos e infrações relativas a notícias fraudulentas (fake news) e ameaças veiculadas na Internet que têm como alvo a Corte, seus ministros e familiares”. Entretanto, desde o início, a ação vem sendo pauta de polêmicas, muito por, na visão de alguns juristas e especialistas do direito, concentrar na mão de uma única pessoa os papéis de vítima, investigador e juiz. No caso, Alexandre de Moraes.

Esta mesma justificativa foi usada pela ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge, que solicitou o arquivamento do caso. Já na gestão de Augusto Aras na PGR, o órgão defendeu que deveria participar do inquérito, que mirar fatos relacionados à garantia da segurança dos integrantes da Corte.

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O que diz o gabinete de Moraes?

Após acusações de irregularidades levantadas por reportagem da Folha, o gabinete de Alexandre de Moraes afirmou que “nos termos regimentais, diversas determinações, requisições e solicitações foram feitas a inúmeros órgãos” e que “os relatórios simplesmente descreviam as postagens ilícitas realizadas nas redes sociais, de maneira objetiva, em virtude de estarem diretamente ligadas às investigações de milícias digitais." A nota também diz que "vários desses relatórios foram juntados nessas investigações e em outras conexas e enviadas à Polícia Federal para a continuidade das diligências necessárias, sempre com ciência à Procuradoria Geral da República. Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria Geral da República”.

O que trocas de mensagens podem configurar?

O SBT News entrou em contato com três professores do direito constitucional e um advogado da área para averiguar quais os impactos da acusação da Folha. Todos foram enfáticos em apontar que a reportagem não aponta necessariamente crime algum. Uma vez que os próprios reforçam não saberem provar se as solicitações vieram do ministro Moraes.

Os especialistas afirmaram à reportagem que o contato via WhatsApp não é um rito oficial, mas acontece, como anteriormente aconteceria via telefone. O que define ou não a irregularidade seria se estes pedidos não fossem depois expressos — o que Moraes afirma ter acontecido.

Entretanto, como explica o advogado e professor em direito público Augusto Moutella, a questão “é complexa e envolve diversos aspectos jurídicos”. O uso do meio informal é uma atitude que "pode ser questionada sob a perspectiva da formalidade e da transparência". "Caso seja comprovado que a solicitação foi feita fora dos canais oficiais, isso pode ser interpretado como uma irregularidade administrativa ou processual. Essa questão poderia levantar dúvidas sobre a validade e a integridade dos documentos obtidos e, por extensão, sobre a própria decisão judicial que se baseou nesses documentos”.

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“No entanto, o impacto real dependerá de vários fatores, incluindo a gravidade da irregularidade, a relação entre a irregularidade e o conteúdo das decisões tomadas, e a capacidade das partes envolvidas de demonstrar como a irregularidade afetou o caso [...] O impacto concreto dependerá da avaliação do contexto específico e da análise do impacto sobre o processo judicial”, afirmou Moutella.

Já o advogado criminalista, professor e doutor em direito penal Victor Minervino Quintiere aponta que é preciso, antes de falar em ato irregular por parte do gabinete, averiguar a veracidade das mensagens e, se reais, seus contextos – para saber se de fato foram ordens do ministro. Como apontado pelos especialistas de direito constitucional, citados inicialmente, no dia a dia é comum responsabilizar o ministro na tentativa de agilizar procedimentos.

“É importantíssimo confirmarmos se o gabinete respeitou no âmbito das investigações os procedimentos formais. Lembrando: trata-se aqui de uma investigação complexa, com diversas determinações, solicitações, requisições a órgãos dos mais diversos, que foram sendo noticiados, inclusive ao longo dos anos, ao Tribunal Superior Eleitoral. Então, é importante cotejar, primeiro, a veracidade dessas conversas de WhatsApp, o contexto no qual estavam inseridas e se havia determinações expressas neste aspecto. Para que a gente não tente, com base em uma parte do que foi levado a público, fazer juízos equivocados e precipitados de valor”, reforça Quintiere, titular do Centro Universitário de Brasília (CEUB)

Somente depois de verificada irregularidade de procedimento poderá ocorrer prejuízo à respectiva apuração. “É importantíssimo que toda e qualquer instância respeite os procedimentos de comunicação e principalmente os papéis desempenhados por cada membro dos atos processuais. Não poderia um julgador ocupar, ao mesmo tempo, a posição de acusador, por exemplo. Então, a produção de indícios tem que respeitar, repito, os procedimentos legais e regimentais previstos. Por isso que é fundamental o cotejo entre as mensagens e o que existia de ofício de requisição, a confirmação dessas diligências”, explicou o advogado criminalista.

Até o momento da publicação dessa reportagem, a PGR não se manifestou a respeito do caso O SBT News informa que o espaço segue aberto e este material pode ser atualizado.

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