PGR vai avaliar federalização do caso Dom e Bruno
Augusto Aras aguarda relatório da PF e processo pode ir ao STJ ou ao TJ, em Manaus, longe da tríplice fronteira com Peru e Colômbia
Ricardo Brandt
A Procuradoria-Geral da República (PGR) vai analisar se pede a federalização do processo dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, ou o desaforamento do caso, com envio para a Justiça, em Manaus (AM). Três pessoas estão presas e cinco são investigadas por participação no crime, em 5 de junho, no extremo oeste do Amazonas - região da tríplice fronteira do Brasil com o Peru e a Colômbia.
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A falta de condições operacionais, para aprofundamento da investigação, para a instrução processual e o julgamento dos acusados, e de segurança, para autoridades e membros convocados para o Tribunal do Júri, em Tabatinga (AM), podem levar a PGR a decidir pela remoção do caso.
Na 10ª Sessão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), desta 4ª-feira (28.jun), o procurador-geral da República, Augusto Aras, fez um balanço da visita que fez à região dos assassinatos, das medidas adotadas e adiantou os caminhos possíveis para as investigações e para o processo: pode ser "desaforado" do interior para a capital, Manaus, ou "deslocado" do Amazonas para Brasília.
No colegiado do MP, Aras afirmou que nos últimos dias se reuniu com "autoridades locais que são as responsáveis pela investigação e, evidentemente, que também julgarão o caso, se houver condição para tanto".
"Se não houver (condições para o julgamento), o caso poderá ser de deslocamento, poderá ser até de desaforamento, se for o caso", disse Augusto Aras, que depois disse não querer se antecipar sobre o tema da "competência para as investigações e apuração", no caso, se da Justiça Estadual ou Federal.
Inquérito. Dois inquéritos estão abertos sobre o crime. O primeiro, aberto pela Polícia Civil, que tem competência legal para investigar assassinatos. A apuração é do delegado Alex Perez, de Atalaia do Norte. O promotor estadual Elanderson Lima Duarte acompanha e deve denunciar criminalmente os envolvidos. O segundo inquérito foi aberto pela Polícia Federal, é conduzido pelo delegado Sávio Domingos Sávio Pinzon.
As polícias ouviram pelo menos 20 pessoas: três presos e mais 17 suspeitos e testemunhas. Foi feita perícia nas embarcações, nos restos mortais e nos últimos dias foram feitas reconstituições dos assassinatos - o que deve voltar a acontecer, para afastar as contradições nos depoimentos.
"Oficiei a PF mostrando a necessidade de aprofundamento das investigações, o que foi acolhido. Na hora certa os trabalhos serão apresentados", afirmou Aras. "Espero que nos próximos 20 dias, a Polícia Federal conclua o seu relatório."
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As conclusões, esperadas para julho ainda na PGR, devem focar na execução do crime e seus autores, com indiciamento dos presos, os irmãos Amarildo Oliveira, o Pelado, e Oseney Oliveira, o "Dos Santos", e Jefferson Lima, o Pelado da Dinha, e os partícipes. Mas sem indicação de mandante ou de ligação direta com o crime organizado, seja do narcotráfico ou ligado ao garimpo e ao desmatamento ilegais.
Pereira e Philips teriam sido assassinados em reação à atuação do indigenista, que atrapalhava o trabalho de pesca e caça clandestinas de Pelado, e outros pescadores da área. No dia anterior ao crime, Bruno e Dom viram o acusado em uma lancha e o seguiram, com nove membros da Vigilância Indígena, e houve abordagem tensa. No início do ano, Pelado também havia sido interceptado e reprimido pelo indigenista e pelo grupo de índios.
Área de risco. A PF deve prosseguir apurando se há elo da ação de Pelado com o crime organizado e a caracterização de crime contra as terras indígenas e seus povos e contra os direitos humanos. A área do crime, na região de Atalaia do Norte, é dominada por traficantes, facções, piratas do rio, contrabandistas e desprovida de forças de segurança suficientes.
"Todas as instituições do Estado brasileirio estão empenhadas na elucidação do crime. Não somente em ter encontrado os restos humanos, mas também não só encontrar os executores materiais do crime, mas eventualmente até encontrar eventual organização que esteja por trás desse quadro", afirmou Aras.
O SBT News apurou que a federalização é defendida por entidades, como a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), mas é o caminho de menor possibilidade para o prosseguimento das investigações e do processo.
Chamado de Incidente de Deslocamento de Competência (IDC), o instituto jurídico tem que ser pedido pela PGR e serve para crimes sem solução eficaz, que envolvam grave violação dos direitos humanos, risco internacional ao Brasil e incapacidade das autoridades estaduais na investigação. Passando a ser processado pela PGR, no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
"Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal",
artigo 109, §5º, da Constituição Federal
A Corte tem exigido três requesitos para a federalização: grave violação de direitos humanos, risco de responsabilização internacional por descumprimento de tratados jurídicos e incapacidade de instâncias e autoridades estaduais em oferecer respostas efetivas. São raros os casos de federalização. No processo do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), no Rio, em 2018, ele foi negado. No assassinato da missionária Dorothy Stang, em 2005, no Pará, também.
A federalização será pedida, caso o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal, no Amazonas, entrem em acordo sobre um assassinato relacionado ao trabalho desenvolvido por Bruno na proteção da terra indigena e seus povos e inserindo em um contexto ampliado, de riscos aos direitos humanos e de contorno internacional.
O caminho mais viável até agora, segundo fontes ouvidas pelo SBT News, é de que os assassinatos fiquem na Justiça do Amazonas, com julgamento na capital. O desaforamento do processo, mencionado por Aras, manteria o julgamento dos homicídios na primeira instância estadual, mas afastaria as apurações e julgadores da região das mortes, considerada de risco e sob forte influência do crime organizado.
"Nesse momento temos que confiar nas instituições que lá estão presentes e estão correspondendo às expectativas das investigações e aprofundamento de todas as circunstâncias envolvendo a morte de dois cidadãos dedicados à causa da defesa da Amazônia."