Conselheira do CNMP advoga para empresa investigada por fraude na pandemia
Sandra Krieger preside comissão que assinou termo de cooperação para combater corrupção na Saúde
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A presidente da Comissão da Saúde do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Sandra Krieger, trabalha como advogada da empresa investigada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por suspeitas de superfaturar contratos do TeleSUS, firmados com o Ministério da Saúde durante a gestão de Luiz Henrique Mandetta.
Sandra Krieger faz parte do CNMP desde outubro de 2019. Juntou-se a outros 10 integrantes, entre eles o procurador-geral da República, Augusto Aras. Em 15 de outubro deste ano, o colegiado assinou termo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde para ajudar na adoção de medidas de combate à corrupção durante a pandemia de coronavírus.
Nos autos do processo administrativo do TCU, Sandra aparece como advogada de defesa da empresa TopMed Assistência à Saúde Ltda, vencedora de um contrato de R$ 144 milhões para fornecer serviço de atendimento pré-clínico remoto durante a pandemia. Os pacientes são atendidos por uma central operada por profissionais de saúde, sob a supervisão de médicos. O contrato, com duração de 6 meses, e com possibilidade de ser prorrogado, é investigado pelo TCU por suspeitas de superfaturamento desde maio.
Técnicos do tribunal de contas ouvidos pelo SBT News afirmam que a dupla função desempenhada por Sandra configuria conflito de interesse. Eles se baseiam no que diz o próprio termo de cooperação firmado entre o CNMP e o Ministério da Saúde. Segundo o documento, a pasta tem a atribuição de fornecer uma gama de informações -inclusive sigilosas- ao conselho durante a vigência do acordo. Diz o texto, no trecho que lista as atribuições do Ministério da Saúde: "fornecer ao CNMP as informações de que tenha conhecimento quando constatado indício de fraude que diga respeito ao escopo do presente acordo, encaminhando os documentos pertinentes, caso existam".
A avaliação é de que, na prática, Sandra Krieger pode ter acesso a dados que eventualmente possam ajudá-la na defesa da TopMed no processo investigado pelo TCU.
Em nota, o CNMP informou que o regimento interno do colegiado permite que os conselheiros acumulem a função de advogado. "O regimento interno do CNMP autoriza às Conselheiras e Conselheiros indicados pela OAB que exerçam a advocacia judicial e extrajudicial. Quanto à conselheira Sandra Krieger, a atuação como advogada e doutora em Direito de Saúde há mais de 20 anos, com experiência com o Direito Médico, Direito da Saúde Pública e Suplementar, a credencia a presidir a Comissão da Saúde, que é integrada igualmente por dois promotores de Justiça, Dr. Jairo Bisol e Dr. Rafael Meira", diz o texto.
"Os processos do TCU não guardam relação com a atuação do CNMP, suas Comissões e Conselheiros. O âmbito da atuação da Comissão é interna corporis, voltada para dentro do Ministério Público e para o fortalecimento da atuação finalística do MP".
Especialistas ouvidos pelo SBT News têm outro entendimento sobre a dupla atuação em órgãos diferentes, como é o caso de Sandra. "A permissão para advogar não equivale a permissão para advogar independentemente de qualquer outra condição da ética advocatícia. Advogar para clientes que suscitam eventual conflito de interesses, por exemplo, é uma circunstância que faz muita diferença", afirmou o professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP), Conrado Hubner.
Procurada pela reportagem, Sandra negou que sua atuação como advogada e como presidente da comissão do CNMP configure qualquer tipo de conflito de interesse. Ela argumentou que todas as informações a que o conselho eventualmente tenha acesso são públicas e que o colegiado tem natureza de controlar a atuação do Ministério Público brasileiro.
"O CNMP é um órgão de controle sobre a atuação do MP brasileiro. Não há conflito de interesse. Não há manipulação de qualquer informação. Não há acesso de dados. Aliás, o processo do TCU é público. E as informações são apenas objeto no termo de cooperação", disse. "Essas informações são apenas centralizadas para que o Ministério Público seja mais rápido no seu trabalho. Qualquer pessoa, promotor, autoridade ou não autoridade pode acessar esses dados. Eles são públicos".
Ela afirmou também que a comissão que preside é "administrativa" e "científica". "Muitas vezes, precisam de dados sobre se Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) foram entregues. E aí a gente pede. Eu não tenho atribuição, por exemplo, de entrar com ação. Quem tem a opinião de ter conflito de interesse não fez uma análise fria dos fatos", sustentou.
O texto do termo de cooperação, no entanto, diz expressamente que o CNMP poderá ter acesso a informações sigilosas do Ministério da Saúde. "A cessão de informações sigilosas ou pessoais de registros administrativos do Ministério da Saúde deve ser feita em observância às restrições e procedimentos dispostos na legislação", diz o acordo.
Marsico ressalta a discrepância dos preços no texto que apresentou ao TCU e diz que o valor é 70% mais caro do que recebe um clínico geral pelas consultas presenciais que realiza no Sistema Único de Saúde (SUS).
"Tamanha a incoerência nos cálculos para chegar ao valor final, como relatado nesta peça, que o gasto por pessoa (R$ 21,33), por um atendimento remoto realizado, na maioria dos casos, por um técnico em enfermagem, resultou 70% mais custoso do que recebe um médico clínico geral por consulta pela tabela do Sistema Único de Saúde (R$ 12,00)", sustentou o procurador. "Ainda a título de exemplo, e apenas para situar o gasto dentro de uma realidade, o valor total do contrato de seis meses (R$ 144.009.900,00) é superior ao que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) emprestou, pela linha de financiamento ProCopa, para a reforma do Estádio Joaquim Américo Guimarães, conhecido como Arena da Baixada, em Curitiba (R$ 131,1 milhões)".
Onze dias após a representação, os auditores do TCU começaram a investigar o contrato. A apuração apontou indícios de irregularidades, como dispensa de licitação e suspeitas sobre a formação dos preços sugeridos pela TopMed.
Além de indicar para possível sobrepreço no contrato, a auditoria ainda sustenta que a empresa não tem capacidade operacional para realizar um milhão de atendimentos mensais a que se propôs ao Ministério da Saúde. Segundo a auditoria do TCU, a TopMed aplicou valores 38,54% maiores daqueles que tinham sido contratados. O TCU sugere que a companhia não fez pesquisas de preços de mercado.
Em 5 de agosto, o relator do processo, ministro Benjamin Zymler, determinou que o Ministério da Saúde aplicasse o valor de R$ 15,40 pelas consultas do TeleSUS e calcule o quanto pagou a mais entre março até agora. Zymler mandou também que a pasta e a TopMed prestem esclarecimentos sobre o sobrepreço.
No âmbito do processo do TCU, a TopMed informou que apresentou cotações de preços adequadas ao que estava sendo contratado, "tendo mantido valores coerentes desde o início da negociação".
O Ministério da Saúde comunicou que o serviço do TeleSUS foi encerrado em 2 de setembro. "O Ministério da Saúde informa que atualizou as orientações aos brasileiros com suspeita ou confirmação de Covid-19, com o objetivo de evitar evoluções graves da doença e salvar vidas. A recomendação, agora, é buscar atendimento médico logo nos primeiros sintomas. Os serviços do TeleSUS foram pensados e criados para monitoramento de casos quando a orientação era buscar atendimento presencial apenas em situações graves. Desta forma, o serviço - disponível de 2 de abril a 2 de setembro - foi descontinuado", diz o texto.
De acordo com a pasta, de abril a setembro, o TeleSUS realizou um total de 78,1 milhões de atendimentos.
Sandra Krieger faz parte do CNMP desde outubro de 2019. Juntou-se a outros 10 integrantes, entre eles o procurador-geral da República, Augusto Aras. Em 15 de outubro deste ano, o colegiado assinou termo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde para ajudar na adoção de medidas de combate à corrupção durante a pandemia de coronavírus.
Nos autos do processo administrativo do TCU, Sandra aparece como advogada de defesa da empresa TopMed Assistência à Saúde Ltda, vencedora de um contrato de R$ 144 milhões para fornecer serviço de atendimento pré-clínico remoto durante a pandemia. Os pacientes são atendidos por uma central operada por profissionais de saúde, sob a supervisão de médicos. O contrato, com duração de 6 meses, e com possibilidade de ser prorrogado, é investigado pelo TCU por suspeitas de superfaturamento desde maio.
Técnicos do tribunal de contas ouvidos pelo SBT News afirmam que a dupla função desempenhada por Sandra configuria conflito de interesse. Eles se baseiam no que diz o próprio termo de cooperação firmado entre o CNMP e o Ministério da Saúde. Segundo o documento, a pasta tem a atribuição de fornecer uma gama de informações -inclusive sigilosas- ao conselho durante a vigência do acordo. Diz o texto, no trecho que lista as atribuições do Ministério da Saúde: "fornecer ao CNMP as informações de que tenha conhecimento quando constatado indício de fraude que diga respeito ao escopo do presente acordo, encaminhando os documentos pertinentes, caso existam".
A avaliação é de que, na prática, Sandra Krieger pode ter acesso a dados que eventualmente possam ajudá-la na defesa da TopMed no processo investigado pelo TCU.
Em nota, o CNMP informou que o regimento interno do colegiado permite que os conselheiros acumulem a função de advogado. "O regimento interno do CNMP autoriza às Conselheiras e Conselheiros indicados pela OAB que exerçam a advocacia judicial e extrajudicial. Quanto à conselheira Sandra Krieger, a atuação como advogada e doutora em Direito de Saúde há mais de 20 anos, com experiência com o Direito Médico, Direito da Saúde Pública e Suplementar, a credencia a presidir a Comissão da Saúde, que é integrada igualmente por dois promotores de Justiça, Dr. Jairo Bisol e Dr. Rafael Meira", diz o texto.
"Os processos do TCU não guardam relação com a atuação do CNMP, suas Comissões e Conselheiros. O âmbito da atuação da Comissão é interna corporis, voltada para dentro do Ministério Público e para o fortalecimento da atuação finalística do MP".
Especialistas ouvidos pelo SBT News têm outro entendimento sobre a dupla atuação em órgãos diferentes, como é o caso de Sandra. "A permissão para advogar não equivale a permissão para advogar independentemente de qualquer outra condição da ética advocatícia. Advogar para clientes que suscitam eventual conflito de interesses, por exemplo, é uma circunstância que faz muita diferença", afirmou o professor de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP), Conrado Hubner.
Procurada pela reportagem, Sandra negou que sua atuação como advogada e como presidente da comissão do CNMP configure qualquer tipo de conflito de interesse. Ela argumentou que todas as informações a que o conselho eventualmente tenha acesso são públicas e que o colegiado tem natureza de controlar a atuação do Ministério Público brasileiro.
"O CNMP é um órgão de controle sobre a atuação do MP brasileiro. Não há conflito de interesse. Não há manipulação de qualquer informação. Não há acesso de dados. Aliás, o processo do TCU é público. E as informações são apenas objeto no termo de cooperação", disse. "Essas informações são apenas centralizadas para que o Ministério Público seja mais rápido no seu trabalho. Qualquer pessoa, promotor, autoridade ou não autoridade pode acessar esses dados. Eles são públicos".
Ela afirmou também que a comissão que preside é "administrativa" e "científica". "Muitas vezes, precisam de dados sobre se Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) foram entregues. E aí a gente pede. Eu não tenho atribuição, por exemplo, de entrar com ação. Quem tem a opinião de ter conflito de interesse não fez uma análise fria dos fatos", sustentou.
O texto do termo de cooperação, no entanto, diz expressamente que o CNMP poderá ter acesso a informações sigilosas do Ministério da Saúde. "A cessão de informações sigilosas ou pessoais de registros administrativos do Ministério da Saúde deve ser feita em observância às restrições e procedimentos dispostos na legislação", diz o acordo.
Superfaturamento
Na representação apresentada pelo Ministério Público em maio, o procurador Marinus Eduardo De Vries Marsico assinala "fortes indícios de irregularidades" no contrato "por parte de agentes públicos e agentes políticos do Ministério da Saúde". No começo, a TopMed previa atendimento de telemedicina pelo preço de R$ 5,80 cada um, em um contrato de R$ 26 milhões. Depois, o valor de cada consulta subiu para R$ 20, elevando o contrato para R$ 144 milhões.Marsico ressalta a discrepância dos preços no texto que apresentou ao TCU e diz que o valor é 70% mais caro do que recebe um clínico geral pelas consultas presenciais que realiza no Sistema Único de Saúde (SUS).
"Tamanha a incoerência nos cálculos para chegar ao valor final, como relatado nesta peça, que o gasto por pessoa (R$ 21,33), por um atendimento remoto realizado, na maioria dos casos, por um técnico em enfermagem, resultou 70% mais custoso do que recebe um médico clínico geral por consulta pela tabela do Sistema Único de Saúde (R$ 12,00)", sustentou o procurador. "Ainda a título de exemplo, e apenas para situar o gasto dentro de uma realidade, o valor total do contrato de seis meses (R$ 144.009.900,00) é superior ao que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) emprestou, pela linha de financiamento ProCopa, para a reforma do Estádio Joaquim Américo Guimarães, conhecido como Arena da Baixada, em Curitiba (R$ 131,1 milhões)".
Onze dias após a representação, os auditores do TCU começaram a investigar o contrato. A apuração apontou indícios de irregularidades, como dispensa de licitação e suspeitas sobre a formação dos preços sugeridos pela TopMed.
Além de indicar para possível sobrepreço no contrato, a auditoria ainda sustenta que a empresa não tem capacidade operacional para realizar um milhão de atendimentos mensais a que se propôs ao Ministério da Saúde. Segundo a auditoria do TCU, a TopMed aplicou valores 38,54% maiores daqueles que tinham sido contratados. O TCU sugere que a companhia não fez pesquisas de preços de mercado.
Em 5 de agosto, o relator do processo, ministro Benjamin Zymler, determinou que o Ministério da Saúde aplicasse o valor de R$ 15,40 pelas consultas do TeleSUS e calcule o quanto pagou a mais entre março até agora. Zymler mandou também que a pasta e a TopMed prestem esclarecimentos sobre o sobrepreço.
No âmbito do processo do TCU, a TopMed informou que apresentou cotações de preços adequadas ao que estava sendo contratado, "tendo mantido valores coerentes desde o início da negociação".
O Ministério da Saúde comunicou que o serviço do TeleSUS foi encerrado em 2 de setembro. "O Ministério da Saúde informa que atualizou as orientações aos brasileiros com suspeita ou confirmação de Covid-19, com o objetivo de evitar evoluções graves da doença e salvar vidas. A recomendação, agora, é buscar atendimento médico logo nos primeiros sintomas. Os serviços do TeleSUS foram pensados e criados para monitoramento de casos quando a orientação era buscar atendimento presencial apenas em situações graves. Desta forma, o serviço - disponível de 2 de abril a 2 de setembro - foi descontinuado", diz o texto.
De acordo com a pasta, de abril a setembro, o TeleSUS realizou um total de 78,1 milhões de atendimentos.
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