"Imposto do pecado": cobrança sobre bets "tende a incentivar mercado ilegal", diz associação
"Medida pode tornar ineficaz o processo de regulamentação do setor", avalia ANJL; deputados já manifestaram interesse em incluir ponto na reforma tributária
Carlos Catelan
A Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) divulgou nota em que "manifesta preocupação" em relação à possibilidade da implementação do Imposto Seletivo (IS), apelidado de "imposto do pecado", para o mercado de apostas esportivas e jogos on-line (as bets), "como tem sido cogitado por políticos e técnicos que integram o processo de regulamentação da reforma tributária".
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Nessa segunda (1°), deputados que integram o grupo de trabalho (GT) da pauta na Câmara sinalizaram que as apostas esportivas devem estar no rol de serviços com incidência do IS.
Segundo analisa a ANJL, "a medida pode tornar ineficaz todo o processo de regulamentação do setor, uma vez que tende a incentivar o mercado ilegal". O mesmo discurso foi usado para derrubar a cobrança pré-estipulada quando os congressistas ainda discutiam a liberação dos jogos.
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"A ANJL demonstrou, por estudos e dados, que uma carga tributária pesada (a proposta original previa 18%) só afastaria as casas de apostas sérias e que desejam atuar no país de forma regulamentada e, ao mesmo tempo, faria com que os sites ilegais se proliferam ainda mais no país", argumentou a entidade.
Quando regularizadas na Lei nº 14.790 de 2023, as apostas on-line foram alocadas em uma alíquota tributária de 12% sobre o Gross Gaming Revenue (GGR, ou seja: a diferença entre o volume total de apostas e o valor dos prêmios pagos). Atualmente, os sites de apostas esportivas no Brasil já são regulamentados. Paralelamente, o Senado discute um projeto de lei para legalizar cassinos, bingos e jogos de azar.
"Imposto do pecado"
Também presente na reforma tributária aprovada pelo Congresso e agora regulamentado pelo Ministério da Fazenda, o Imposto Seletivo visa aumentar os tributos sobre produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Isso inclui bebidas alcoólicas, veículos que emitem grandes quantidades de CO₂, cigarros, bebidas açucaradas e bens minerais extraídos. O objetivo é desencorajar o consumo desses produtos, tornando-os mais caros. A taxa do IS será definida por produto através de uma lei ordinária ainda em desenvolvimento.
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"Nesse cenário, a instituição de um 'imposto do pecado', sob o argumento de que se trata de uma atividade nociva à sociedade, provocará exatamente o inverso do desejado: a abstenção das empresas que recolheriam impostos de atuarem no Brasil e o avanço de sites atuando sob a completa ilegalidade. Sem recolherem tributo algum, essas empresas vão atrair jogadores e não reverterão quaisquer recursos ao Estado que poderiam ser usados exatamente em ações e ferramentas de prevenção à ludopatia (vício em jogos)", afirmou a ANJL.
Deputados do GT da reforma querem incluir mais itens no guarda-chuva do IS, para evitar a elevação da alíquota padrão, prevista inicialmente em 26,5%. Outra proposta é incluir alimentos ultraprocessados.
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Se, além das cobranças propostas pelo governo, o Imposto Seletivo for ampliado para incluir uma taxa de 20% sobre alimentos processados e ultraprocessados e de 10% sobre combustíveis, em uma aprovação hipotètica, a alíquota de referência do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA) pode cair dos 26,5% estimados para 25,1%. Ou, se a taxa sobre combustíveis for ampliada para 20% ou 30%, a alíquota do padrão pode cair para 24,4% e 23,6%, respectivamente. Um IS mais amplo poderia, assim, aliviar a carga sobre produtos que não causam danos à saúde e ao meio ambiente.
Os parlamentares esperam apresentar proposta nesta quarta (3) ou quinta (4) e votar a regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados antes do recesso do meio de ano.
O que é IVA?
Trata-se do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), composto por Contribuição Sobre Bens Serviços (CBS) e Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), em que se aplica a taxação do valor no consumidor, não mais na cadeia de produção. Aplica-se, assim, o princípio da "neutralidade" da tributação, ou seja, um menor impacto dos impostos nas decisões de produção e consumo.
+ Imposto sobre Bens e Serviços (IBS): aglutina os impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e Serviços (ISS). É gerenciado por estados e municípios;
+ Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS): unifica o Programa de Integração Social (PIS), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Administrado pelo governo federal.
O secretário extraordinário da reforma tributária, Bernard Appy, disse em abril que a estimativa sobre as alíquotas, considerando as definições constantes da Lei Geral das taxações, será de 8,8% ao CBS e 17,7% ao IBS. O padrão dos novos tributos deve somar, então, uma média de 26,5% para a alíquota padrão (a que é aplicada em situações em que não há regimes diferenciados ou específicos, como no caso onde o IS é aplicado).