Lula não desmarcou compromissos da COP30 para impedir suposta delação de Maduro
Em cúpula da CELAC, Lula ressaltou que “democracias não combatem o crime violando o direito internacional”, em meio à crise entre Venezuela e Estados Unidos

Projeto Comprova
Ao contrário do que afirma um vídeo do YouTube, o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não cancelou compromissos na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, para impedir uma suposta delação do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro.
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O homem que fez a publicação mistura uma entrevista do ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, com comentários da jornalista Daniela Lima e opiniões pessoais para fazer alegações sem provas.
Além disso, diferentemente do que o vídeo verificado afirma, Lula não cancelou compromissos na COP30 para ir à 4ª Cúpula da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e da União Europeia, em Santa Marta, na Colômbia, informação também destacada no comunicado da Secom.
De acordo com matéria da Band, a agenda do presidente não previa presença na cúpula, mas ela foi alterada uma semana antes do encontro, conforme noticiado pela CBN e pela Folha de Pernambuco. Ele participaria, na programação original, de um evento ambiental em Fernando de Noronha, nos dias 8 e 9 de novembro. No mesmo dia da CELAC, Lula retornou a Belém, conforme a agenda presidencial.
O vídeo menciona a viagem de Lula em 9 de novembro, durante a COP30, para participar da CELAC. A Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) afirmou, em nota, que a presença do presidente no evento teve como objetivo “reafirmar a prioridade da integração regional na política externa brasileira” e “fortalecer o diálogo na busca por soluções conjuntas globais”.
A pasta também repudiou a “divulgação de boatos falsos, com objetivos políticos, que visam única e exclusivamente desinformar a população, enfraquecer instituições e manipular a opinião pública”.
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Dias antes do evento, Mauro Vieira afirmou, em coletiva de imprensa, que Lula iria destacar “apoio” e “solidariedade regional” à Venezuela em seu discurso na CELAC, em meio à presença militar dos Estados Unidos nos mares do Caribe nos últimos meses.
“O presidente repetidamente já disse, e é a posição da nossa política externa, que a América Latina e, sobretudo, a América do Sul, onde nós estamos, é uma região de paz e cooperação”, afirmou o ministro.
No discurso, Lula não mencionou diretamente o conflito entre a Venezuela e os Estados Unidos, mas disse que “democracias não combatem o crime violando o direito internacional”. “A ameaça de uso da força militar voltou a fazer parte do cotidiano da América Latina e do Caribe. Velhas manobras retóricas são recicladas para justificar intervenções ilegais”, ressaltou.
Já Maduro não participou da cúpula, mas mandou uma carta aos presidentes da região, pedindo que os países instalem mecanismos de defesa coletiva do Caribe, conforme publicou a CNN. Não há evidências de que ele tenha feito uma delação.
Vídeo de jornalista não comprova delação
O vídeo também exibe um comentário da jornalista Daniela Lima, no programa “UOL News”, transmitido no YouTube em 5 de novembro. Ela contestou a decisão de Lula de prestar solidariedade à Venezuela, após o discurso do governo de “manter uma distância regulamentar” da crise entre Maduro e Trump, e afirmou que o posicionamento causou desconforto entre integrantes da comitiva à COP30. No entanto, Daniela não menciona nenhuma delação de Maduro contra Lula.
Entenda o que é a CELAC
A CELAC é um grupo de diálogo composto por 33 países da América Latina e do Caribe. Ele foi criado em 2011 e tem como objetivo promover a cooperação para o desenvolvimento. A organização promove reuniões ministeriais sobre temas de interesse dos países da região, como educação, cultura, transportes, infraestrutura, energia, segurança alimentar e nutricional, agricultura familiar, ciência, tecnologia, entre outros.
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Cronologia do conflito entre Estados Unidos e Venezuela
A escalada da tensão entre Estados Unidos e Venezuela se iniciou em 2 de setembro, quando as forças militares norte-americanas atiraram contra uma embarcação venezuelana no Caribe que, segundo Donald Trump, transportava drogas e era comandada pela gangue Tren de Aragua. Desde então, foram registrados pelo menos 18 ataques a barcos na região, que provocaram a morte de 75 pessoas.
Em 11 de novembro, o maior navio de guerra do mundo, o USS Gerald Ford, dos Estados Unidos, chegou às águas da América Latina. Ele se juntou a outros navios de guerra, a um submarino nuclear e a caças F-35 que estão operando na região nas últimas semanas.
Além dos ataques, em 16 de outubro, Trump autorizou operações da Central Intelligence Agency (CIA), a agência de inteligência norte-americana, na Venezuela, segundo a Reuters. Em agosto, o governo dos Estados Unidos ofereceu uma recompensa de US$ 50 milhões por informações que levem à prisão ou condenação de Maduro por tráfico de drogas.
Quem criou o conteúdo investigado pelo Comprova
O vídeo verificado, que acumula cerca de 534 mil visualizações até a publicação deste texto, foi criado por um youtuber cujo canal tem mais de 1,3 milhão de inscritos, além de quase 230 mil seguidores no Instagram. Ele faz publicações em seu canal sobre acontecimentos políticos, com viés de direita e abordagem crítica a figuras como Lula e Alexandre de Moraes.
O Comprova tentou contato com ele, mas não recebeu retorno.
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Por que as pessoas podem ter acreditado
O título do vídeo verificado é enganoso e induz o espectador a acreditar que Lula saiu da COP30 para impedir uma delação de Maduro, uma insinuação sem evidências. Ele também utiliza a palavra “Urgente”, criando uma sensação de alarmismo, e, em suas falas, mistura opiniões e informações falsas com vídeos de entrevistas e comentários de jornalistas, o que pode conferir credibilidade ao conteúdo.
A recompensa oferecida pelo governo dos Estados Unidos por informações que levem à prisão de Maduro levou desinformadores a criarem teorias da conspiração associando-o a Lula e indicando que o petista teria relação com possíveis crimes cometidos pelo presidente venezuelano, já que ambos se identificam com a esquerda.
O boato de que a Venezuela financia partidos de esquerda de forma ilegal na América do Sul e na Europa foi impulsionado pela delação do ex-general de inteligência venezuelano Hugo Carvajal, feita na Espanha em 2021. As acusações, no entanto, nunca foram comprovadas e o processo acabou arquivado, conforme demonstrado pelo Estadão Verifica.
Fontes que consultamos: Secretaria de Comunicação da Presidência, Governo Federal [1][2], Departamento de Estado dos Estados Unidos, G1, Band, CNN Brasil e Reuters.
Por que o Comprova investigou essa publicação: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e em aplicativos de mensagens sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas, eleições e golpes virtuais e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento







