Registros de óbitos em cartórios confirmam dados da pandemia no Brasil
Texto de corrente de WhatsApp diz que "não há epidemia" e mostra números que seriam do Portal da Transparência. O Comprova verificou, no entanto, que esses números não condizem com os verdadeiros dados disponíveis na plataforma
Uma corrente de Whatsapp utiliza falsos dados de óbitos por covid-19 ? doença causada pelo novo coronavírus ? para contestar a dimensão real da pandemia. O texto diz que os números são do Portal da Transparência, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), mas eles não condizem com os verdadeiros dados disponíveis na plataforma.
Na primeira frase da mensagem falsa, a publicação diz que não há `epidemia`. Tal desinformação é perigosa uma vez que pode corroborar com teorias conspiratórias sobre um `falso alarde` relacionado à doença. A OMS (Organização Mundial da Saúde) declarou em 11 de março que a propagação do novo coronavírus caracteriza uma pandemia, ou seja, que o vírus se alastra mundialmente.
De acordo com o site Worldometer, até as 14:40 de 5 de maio a doença já havia infectado 3.693.797 pessoas no mundo e registrou 255.595 óbitos. A mentira sobre a covid-19 não existir também pode influenciar as pessoas a descumprirem medidas de isolamento social, impostas para tentar frear as infecções do vírus, e saírem de casa, aumentando a propagação da doença.
Por que checamos isto?
O número de mortos pela covid-19 e a quantidade de novos casos são fundamentais para se compreender a progressão da doença. Os dados dão norte às autoridades públicas para adotar medidas de prevenção e combate ao avanço das infecções.
Boatos que questionam sem comprovação os números de mortes divulgados pelo Ministério da Saúde podem levar as pessoas a adotar comportamentos que as coloquem em risco e ajudem a disseminar ainda mais a doença.
Falso para o Comprova é o conteúdo que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.
Como verificamos?
Para escrever esta reportagem o Comprova contatou a assessoria dos Cartórios, consultou o regulamento sobre o procedimento para registrar mortes no Brasil e reportagens sobre a covid-19.
Também conferiu o número de óbitos registrados em 2019 e os comparou com os de 2020, assim como faz a publicação falsa.
O que dizem os dados do Portal da Transparência do Registro Civil
Ao receber o alerta sobre a viralização do texto, o Comprova acessou o Portal da Transparência do Registro Civil para conferir os dados e verificar a autenticidade da plataforma. A ferramenta foi lançada em 2018 para disponibilizar o número de óbitos, nascimentos e casamentos registrados no país. Ela é abastecida diretamente pelos dados da Central de Informações do Registro Civil (CRC), estabelecida em 2015.
O Portal da Transparência elaborou uma página exclusiva com informações sobre a covid-19. Nela, estão disponíveis dados de óbitos com causa suspeita ou confirmada pelo novo coronavírus, insuficiências respiratórias e pneumonia, divididos por data da morte e do registro em cartório.
Os dados podem diferir um pouco dos apresentados pelo Ministério da Saúde por causa dos prazos legais estabelecidos por lei e normas do Poder Judiciário. A família do falecido tem até 24h para registrar o óbito em cartório. Este, por sua vez, deve efetuar o registro em até cinco dias e, dentro de oito dias, enviar o ato feito à Central Nacional de Informações do Registro Civil, que atualiza a plataforma.
A assessoria de comunicação da associação de cartórios disse que os grandes centros atualizam os dados `em tempo próximo do real`. Já municípios menores ou afastados podem demorar mais, mas prestam as informações dentro do prazo legal. Assim, a plataforma é atualizada `à medida que os dados são lançados no portal, inclusive de forma retroativa`. Os números presentes nesta verificação foram consultados às 14h50 de 5 de maio.
Insuficiência respiratória e pneumonia
O Comprova verificou os dados sobre mortes por insuficiência respiratória no período de 1º de janeiro a 21 de abril de 2019 e 2020. Segundo o texto falso compartilhado nas redes sociais, os óbitos registrados teriam sido `mais de 4.600` em 2019, enquanto o número no mesmo período deste ano seria de `cerca de 4.200`. Os número não são verdadeiros e, mesmo que fossem, significariam uma redução de 8,6%, e não de 9,5% como a falsa publicação afirma.
O Portal da Transparência registra 45.468 casos de insuficiência respiratória entre 1º de janeiro e 21 de abril de 2019 e 46.440 no mesmo período deste ano ? aumento de 2,1%.
Os números de óbitos registrados com causa de pneumonia também estão errados no texto falso. Enquanto o texto compartilhado nas redes sociais inclui a enfermidade entre os óbitos computados dentro da categoria `insuficiência respiratória`, o Portal da Transparência classifica esta causa de morte de forma separada e aponta aumento de 0,7% no período de 1º de janeiro a 21 de abril de 2020 com relação ao mesmo período no ano passado (variação de 59.618 para 60.038).
Covid-19
O texto que viralizou nas redes sociais também traz dados equivocados sobre o número de mortes pela covid-19. Ele afirma que `o pior dia da pandemia` teria sido 20 de abril, quando teriam morrido `mais de 300` pessoas com a doença, ao passo que nos cartórios constaria o registro de apenas 21 mortes.
Os dados oficiais disponíveis no portal da covid-19 do Ministério da Saúde mostram que entre 19 e 21 de abril foram confirmadas 279 mortes. Já os dados do portal dos cartórios mostra que em 20 de abril foram 302 mortos confirmados ou com suspeita da covid-19 como causa. Enquanto os dados do Ministério da Saúde apontam óbitos com causa confirmada no período de 24 horas, os cartórios disponibilizam os números pela data da morte.
A corrente do Whatsapp segue com a falsa informação que os cartórios registraram `um único óbito como suspeito de covid-19` no Estado de São Paulo e acusa a imprensa de `alardear a existência de uma mortandade avassaladora no estado`. Na verdade, o portal dos cartórios mostra 102 mortes em São Paulo no mesmo dia.
Quanto a Manaus, o texto compartilhado nas redes sociais diz que `enquanto a televisão anunciava 136 sepultamentos somente em 21 de abril, os cartórios registraram apenas oito óbitos`. Este número aponta o total de sepultamentos, não apenas os confirmados ou com suspeita de covid-19. Consulta ao Portal da Transparência mostra que, na verdade, as mortes com suspeita ou confirmação de coronavírus foram 17. Caso se leve em consideração a data do registro das mortes, foram nove em 21 de abril.
Manaus é uma das cidades mais prejudicadas pela covid-19 no Brasil. O Amazonas foi o primeiro estado brasileiro a ter colapso no sistema de saúde. Atualmente, contabiliza 6.683 casos da covid-19, de acordo com o Ministério da Saúde.
Contexto
Os dados sobre as mortes de covid-19 tornaram-se alvo de desinformação para questionar a dimensão da pandemia e a real necessidade do fechamento do comércio e estabelecimentos e da restrição da circulação de pessoas.
Este tipo de dado sofre diferentes formas de ataques. O Projeto Comprova já verificou, por exemplo, que uma foto antiga foi tirada de contexto para dizer que governos estariam enterrando caixões vazios para aumentar o número de sepultamentos e instigar pânico na população. Outro boato acusava o governador da Bahia, Rui Costa (PT), de solicitar a prefeitos que mentissem com relação aos números.
Alcance
A corrente do Whatsapp chegou a ser repercutida pelo blog RVCHUDO nesse sábado, 2. O texto foi postado no Facebook e recebeu mais de 10 mil compartilhamentos e 172 mil visualizações.
Investigação e verificação
Estadão e Poder 360 participaram desta investigação e a sua verificação, pelo processo de crosscheck, foi realizada pelos veículos SBT, Sistema Jornal do Commercio e BandNews FM.Projeto Comprova
Esta reportagem foi elaborada por jornalistas do Projeto Comprova, grupo formado por 24 veículos de imprensa brasileiros, para combater a desinformação. Em 2018, o Comprova monitorou e desmentiu boatos e rumores relacionados à eleição presidencial. A edição de 2019 foi dedicada a combater a desinformação sobre políticas públicas. Neste ano, os veículos se dedicam a monitorar redes sociais e aplicativos de mensagens em busca de informações duvidosas sobre o novo coronavírus. O SBT faz parte dessa aliança.
Desconfiou da informação recebida? Envie sua denúncia, dúvida ou boato pelo WhatsApp 11 97795 0022.