"Promover o direito" dos indígenas e "amparar" fazendeiros, diz defensor público da União
Leonardo Magalhães diz que o órgão atua como observado em caso do Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal
Durante a entrevista ao programa Perspectivas do SBT News, o defensor público-geral federal, Leonardo Magalhães disse que, apesar de a missão da Defensoria Pública da União (DPU) ser “promover o direito das comunidades indígenas, e o direito ao território é o direito que a Constituição de 88 assegura”, espera ser possível que “os agricultores, essas pessoas que hoje estão ocupando territórios indígenas, também possam ser amparados pelo Estado”.
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O doutor em direitos humanos ponderou à jornalista Paola Cuenca sobre a possibilidade de conciliação entre agentes políticos acerca do Marco Temporal. Os poderes divergem sobre a tese, que defende que só poderão ser consideradas Terras Indígenas (TI) aquelas já ocupadas ou disputadas em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição. O Legislativo aprovou a tese em lei; o Judiciário julga sua constitucionalidade; e o Executivo, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem discursos mais assistencialista.
“Entendemos essa situação [conflito entre agricultores e comunidades originárias] também como situação que merece ser analisada e amparada pelo Estado. Então, nós não podemos também desamparar pessoas, mas, no âmbito da Defensoria da União, a nossa missão é promover o direito das comunidades indígenas e o direito ao território é o direito que a Constituição de 88 assegura. Claro, esperamos que seja possível que os agricultores, essas pessoas que hoje estão ocupando territórios indígenas, também possam ser amparados pelo Estado. Para que nenhuma das pessoas também seja prejudicada, porque nós estamos falando de famílias que têm usado a terra também para a sua subsistência”, disse Magalhães.
Conflitos armados no MT
Na segunda-feira (5), o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou a primeira audiência de conciliação sobre o tema. A reunião ocorreu em meio a um conflito que deixou dez guaranis kaiowás feridos em Douradina (MS) no final de semana anterior. O confronto acirrou os ânimos. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) pediu a suspensão provisória da lei que criou o Marco Temporal, por considerar que o texto justifica violências como as do sábado e domingo em Mato Grosso.
Sobre o ocorrido, o defensor explicou que, apesar de ter solicitado ao Ministério da Justiça a “ampliação do efetivo da Força Nacional na região de Douradina”, a DPU atua na situação como conciliadora. “Nós estamos como Defensoria Pública da União, diligentes, atentos, acompanhando a conciliação”, explicou sobre as ações no Supremo.
“A Defensoria Pública da União não está atuando efetivamente na conciliação, exatamente porque o papel processual admitido neste processo é de observadores, mas sem prejuízo, claro, de manifestações processuais no tempo processual adequado. Nós estamos falando de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e a Defensoria já foi admitida como terceiro interessado, como amicus curiae [‘amigo da corte', instituição que tem por finalidade fornecer subsídios às decisões dos tribunais]”, narrou Leonardo Magalhães.
Mas, afinal, o que é o Marco Temporal?
- É uma tese jurídica segundo a qual os povos indígenas têm direito de ocupar apenas as terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição;
- A tese surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União sobre a demarcação da reserva Raposa-Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado;
- Em janeiro de 2024, o Congresso Nacional transformou a ideia em lei, mesmo após os vetos do presidente. Após a derrubada dos vetos, PT, PC do B, PV, Psol e Rede Sustentabilidade recorreram ao STF pedindo a nulidade de vários trechos da legislação. Julgamento segue paralizado e tem o ministro Gilmar Mendes como relator;
- Em 2003, foi criada a Terra Indígena Ibirama-Laklãnõ, mas uma parte dela, ocupada pelos indígenas Xokleng e disputada por agricultores, está sendo requerida pelo governo de Santa Catarina no STF. O argumento é que essa área não estava ocupada em 5 de outubro de 1988. Os Xokleng, por sua vez, argumentam que a terra estava desocupada na ocasião porque eles haviam sido expulsos de lá;
- A decisão sobre o caso de Santa Catarina firmará o entendimento do STF para a validade ou não do marco temporal em todo o País, afetando mais de 80 casos semelhantes e mais de 300 processos de demarcação de terras indígenas que estão pendentes.