Procedimentos estéticos respondem por mais de 50% das queixas de serviços de saúde
Nos últimos 12 anos, foram registrados cerca de dez mil boletins de ocorrência e processos judiciais motivados pelo crime de exercício ilegal da profissão
Quanto vale arriscar a própria vida em nome de procedimentos médicos invasivos, realizados por pessoas que não são profissionais da medicina? Muitas vezes, a busca pela beleza pode custar caro.
A representante comercial Érika Secco passou por uma lipoaspiração na papada, que foi realizada por uma dentista, em São Paulo. "Eu falei: eu vou rapidinho lá, dizem que a lipo dura de uma a duas horas. Mas foram dez horas de procedimento, comigo anestesiada. Então, eu tomei anestesia de dentista por dez horas”, conta ela, que só descobriu que o procedimento não saiu como esperado quando tirou o curativo e se deparou com várias cicatrizes no rosto.
“Foram dados 32 pontos, dez atrás de cada orelha e mais 12 no meio. Porém, no processo de cicatrização ela falou que ia formar uma feridinha e eu acreditei. Mas o ferimento não cicatrizava e começou a abrir. Fui parar no hospital, e me deram 30 dias de antibiótico para tomar”, revela.
A representante comercial conheceu a clínica nas redes sociais. As fotos dos resultados do procedimento a fizeram confiar na profissional. Além disso, o valor era atrativo. “O preço é muito irresistível, é muito barato, eu paguei 3500 reais. Em um cirurgião plástico, custaria 30 mil para tirar graminhas de gordura”, afirma ela, que decidiu procurar a Justiça e moveu contra a clínica uma ação de indenização - além de danos morais e físicos.
“A legislação é clara em relação à impossibilidade de que profissionais que não são médicos exerçam nenhum procedimento invasivo”, afirma o advogado Elton Fernandes.
Denúncias de erros em procedimentos estéticos aumentaram no Brasil
Denúncias sobre complicações decorrentes de erros em procedimentos estéticos têm aumentado no país nos últimos anos. O levantamento mais recente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2022) mostra que das 10 categorias de serviços de saúde analisadas pelo órgão, a de estética e embelezamento responde por mais de 50% (54,5%) das queixas.
Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), nos últimos 12 anos, foram registrados no país cerca de dez mil boletins de ocorrência e processos judiciais motivados pelo crime de exercício ilegal da profissão.
"Um médico faz seis anos de faculdade, cinco anos de residência médica, para que ele tenha o conhecimento, fazer o diagnóstico, fazer a terapêutica e tratar os efeitos adversos. Caso houvesse um evento adverso, o médico teria os aparatos necessários na sua clínica e teria conhecimento técnico para fazer o tratamento pré-hospitalar de primeiros socorros para não deixar aquele paciente perder a sua vida”, diz Rosylane Rocha, vice-presidente do CFM.
Foi o que não aconteceu no dia três de junho na clínica de Natalia Becker, em São Paulo, onde o empresário Henrique Chagas, de 27 anos, morreu após passar por um peeling de fenol. O procedimento foi feito pela própria influenciadora e dona do estabelecimento, que afirmou ter aprendido a técnica de aplicação do produto num curso online, ministrado pela farmacêutica Daniele Stuart.
"Se não há competência técnica e legal para a realização do procedimento, também não há competência técnica e legal para ministrar cursos. Está na lei que cursos voltados para os médicos precisam ser coordenados pelos médicos, então é mais uma prova de que está havendo exercício ilegal da medicina”, diz Rosylane Rocha, vice-presidente do CFM.
Rebeca Villa Real também passou por apuros ao realizar um procedimento no nariz. A operação foi feita por uma colega de profissão dela, que teria ido além do que está legalmente habilitada a fazer.
"Corri muitos riscos, como o de ter problemas na minha visão, porque a necrose foi subindo e já estava chegando perto do meu nervo ocular, tive que tomar remédio para vista, tive perda de função respiratória adequada, então não foi fácil, foi um período da minha vida bem difícil”, conta a dentista. "Não se pode fazer cortes, se pode remodelar o nariz, mas sem cortes, e quando foi feita essa incisão, acabou tendo todo esse problema”, complementa ela, que para se livrar da infecção e reconstruir o nariz, recorreu a médicos.
"Tem uma resolução muito bem elencada do que um cirurgião pode fazer dentro da estética, isso está muito bem discriminado na própria resolução do Conselho Federal de Odontologia. Rinoplastia, lifting facial, blefaroplastia. Isso não pode ser feito por cirurgiões dentistas”, afirma Alexandre Kataoka, conselheiro do Conselho de Medicina de São Paulo (Cremesp).
Para o cirurgião plástico, o Brasil vive uma epidemia de procedimentos estéticos. "É uma busca desenfreada pela beleza, pelo belo, por padrões de beleza que não existem. E a gente vê que as mídias sociais têm um fator muito importante nisso, que as pessoas têm padrões, e que não existe padrão de beleza, a gente deixa isso claro, cabe ao profissional fazer essa análise: se o paciente tem ou não a indicação daquele procedimento estético, isso é muito importante”, finaliza.