Padre Júlio sobre CPI: "Devemos deixar dependentes químicos morrerem de fome?"
Vereador de SP tenta instaurar comissão para investigar trabalho do religioso com pessoas em situação de rua e dependentes químicas
O padre Júlio Lancellotti, alvo de um pedido de instauração de CPI na Câmara de Vereadores de São Paulo, questionou nesta quinta-feira (4.jan) a tentativa de investigá-lo por seu trabalho social de distribuição de alimentos para a população de rua do centro da capital paulista. "A gente deve deixar as pessoas dependentes químicas morrerem de fome? Seria uma forma de resolver o problema matá-los de fome, privados de alimentação?", perguntou o religioso.
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Em entrevista ao Primeiro Impacto, do SBT, o coordenador da Pastoral do Povo de Rua disse que considera o requerimento protocolado pelo vereador Rubinho Nunes (União) em 6 de dezembro "um pedido legítimo". "Faz parte dos instrumentos da Câmara Municipal instalar CPIs", destacou.
Chamada de CPI das ONGs, a comissão parlamentar de inquérito pretende investigar a atuação dessas instituições na região central da capital paulista, em especial na Cracolândia. Segundo o requerimento, assinado por 21 vereadores, as Organizações Não Governamentais "fornecem alimentos, utensílios para uso de substâncias ilícitas e tratamento dos dependentes químicos que frequentam a região da Cracolândia".
O documento não cita o padre Júlio em sua justificativa, nem mesmo o nome das organizações a serem investigadas. Em entrevista ao SBT News na quarta-feira (03), Rubinho Nunes tentou associar o religioso ao que chamou de "máfia da miséria". Questionado sobre o padre não pertencer a nenhuma ONG, o vereador rebateu:
"O padre não consta no quadro diretivo de nenhuma, mas ele atua como 'frente' dessas ONGs. Na verdade, é aquela velha história: ele utiliza de 'testas' para se ocultar dentro delas, mas ele responde enquanto figura individual, pessoa física, e vai ser chamado para prestar esclarecimentos", disse.
Júlio Lancellotti negou qualquer relação com instituições que atuam na região da Cracolândia. "Eu não sou nenhuma ONG, não existe uma ONG Padre Júlio Lancellotti. Não pertenço a nenhuma dessas ONGs e também não recebo nenhum dinheiro público", disse.
Há mais de 40 anos lutando pelos direitos dos mais pobres e necessitados, o sacerdote acredita que existem outras perguntas a serem feitas. Para ele, é mais importante saber como se dão as políticas públicas para as pessoas em situação de rua e dependentes químicas.
"Eu estou desde ontem tentando conseguir vagas de internamento para pessoas que estão solicitando e não estou conseguindo. Muitas vezes se fala até de internações forçadas ou compulsórias, mas não se consegue nem daqueles que querem voluntariamente. É importante refletir sobre tudo isso e não ficarmos nos efeitos, irmos para as causas do problema", afirmou.
Por fim, o padre se mostrou sereno. "Quem está do lado dos rejeitados, vai ser rejeitado. Quem está do lado dos desprezados vai ser desprezado também. Eu sei disso, sei dessa lógica e sou seguidor de um crucificado ressuscitado", disse ele.
Arquidiocese se diz perplexa
Ainda na quarta, a Arquidiocese de São Paulo afirmou que acompanha "com perplexidade" a notícia de uma possível instauração de CPI para investigar o padre.
No pronunciamento do Vicariato Episcopal para Comunicação, eles questionam os motivos para a abertura de "uma CPI contra um sacerdote que trabalha com os pobres, justamente no início de um ano eleitoral".
Padre Júlio, ainda segundo a nota, "exerce o importante trabalho de coordenação, articulação e animação dos vários serviços pastorais voltados ao atendimento, acolhida e cuidado das pessoas em situação de rua na cidade".
Abertura de CPI precisa ser votada em plenário da Câmara Municipal
Por enquanto, o vereador do União Brasil deu apenas o primeiro passo para a instauração de uma CPI: protocolou o pedido com a assinatura de mais de um terço dos parlamentares da Câmara Municipal. Ele precisava de pelo menos 18 assinaturas e conseguiu 21.
Agora, segundo o regimento interno da Câmara de Vereadores, ele precisa de aprovação em plenário pela maioria absoluta (mais de 50%) dos parlamentares para instaurar a Comissão: 28 das 55 cadeiras.
Isso porque, segundo o documento que rege a atuação dos vereadores, cinco CPIs podem ser instauradas ao mesmo tempo, mas após a abertura das duas primeiras as outras três só podem ser instaladas em caráter excepcional. Para isso, precisam passar pela votação no plenário da Casa. Outros 44 pedidos já estão na fila para serem apreciados pelos parlamentares.
Atualmente, três Comissões já estão em atividade na Casa: a dos Furtos de Fios e Cabos, a da Enel e a da Violência e Assédio Sexual Contra Mulheres.
O vereador afirma que conseguiu o apoio de 30 parlamentares – mais do que os 28 necessários – e que teria um acordo com a mesa diretora para que uma "votação simbólica" acontecesse em fevereiro, no retorno do recesso. O presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União), não confirma a informação. "Para ser criada, esta CPI, assim como todas as outras, precisa passar por aprovação no plenário da Câmara", afirmou.
Veja abaixo a entrevista completa: