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Funai: o que mudou desde os assassinatos de Bruno e Dom?

Em dois anos, fundação mudou de Ministério, de comando e de perfil, mas ainda sofre com orçamento limitado

Funai: o que mudou desde os assassinatos de Bruno e Dom?
Em 2024, indígenas de várias etnias participaram do Acampamento Terra Livre | Reprodução Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
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Ao ser anunciada como futura ministra dos Povos Indígenas, a então deputada Sonia Guajajara (PSol-SP) afirmou à imprensa que pretendia “desmilitarizar” a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Uma mudança de direcionamento político não só da fundação, mas do Executivo nacional, com a saída da gestão de Jair Bolsonaro e o início do governo Lula.

"São novos tempos. Esses cargos serão ocupados por indígenas ou por pessoas não indígenas indicadas pelos indígenas", afirmou em dezembro de 2023.

A proporção de militares na chefia era de 58,3% em 2021 nos nove estados da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Estado do Maranhão). Nas demais regiões do país, 26,7% eram militares.

A Funai informou ao SBT News, que até 31 de dezembro de 2022, fim da gestão Bolsonaro, eram 24 militares em exercício na fundação. Dos quais, 23 tiveram seus vínculos encerrados. Eram:

  • 14 coordenadores regionais (10 atuando em estados da Amazônia Legal);
  • 5 eram chefes de coordenação técnica local (4 deles no Tocantins);
  • 1 coordenador, 1 auditor-chefe e 1 ouvidor no Distrito Federal;
  • 1 diretor no Rio de Janeiro;
  • 1 chefe de divisão no Amazonas.

O presidente da Funai à época Bolsonaro, Marcelo Xavier, ex-delegado da Polícia Federal (PF), fez uma administração marcada por supostas perseguições a indigenistas e favorecimento da “linhagem militar". Três meses depois de assumir o comando, ele fez uma demissão generalizada, retirando inclusive Bruno Pereira da coordenação geral de Índios Isolados.

Fora da Fundação, Bruno acabaria sendo assassinado em 2022, junto do jornalista britânico Dom Phillips. Neste sábado (15), completam-se dois anos do dia em que os corpos dos dois foram encontrados, 10 dias após o desaparecimento.

Ainda durante sua gestão, em julho de 2022, Xavier foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) por ter usado um inquérito policial para perseguir e acusar falsamente servidores. Ele é suspeito de ter solicitado à Agência Brasileira de Inteligência (Abin) uma investigação contra indígenas e seus defensores.

Os assassinatos de Bruno e Dom

Bruno Pereira e Dom Phillips foram mortos a tiros após desaparecerem em 5 de junho de 2022, em Atalaia do Norte (AM). Dom planejava entrevistar lideranças indígenas e ribeirinhos para um livro chamado "Como Salvar a Amazônia". Bruno, um indigenista experiente, havia deixado a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2020, e, desde então, trabalhava como consultor técnico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). Era o trabalho de Bruno guiar o jornalista britânico. Os corpos foram encontrados em 15 de junho, após a detenção de cinco suspeitos.

Em julho, o Ministério Público Federal denunciou Amarildo da Costa Oliveira ("Pelado"), Oseney da Costa de Oliveira ("Dos Santos") e Jefferson da Silva Lima ("Pelado da Dinha") por duplo homicídio qualificado e ocultação de corpos. Ruben Dário da Silva Villar ("Colômbia") também foi indiciado por envolvimento no caso.

O processo está em andamento, mas ainda não há data para o julgamento dos principais acusados.

Com a ampla cobertura do crime, inclusive pela imprensa internacional, servidores da Funai entram em greve em 23 de junho, denunciando “descaso sistemático”. Um dossiê chegou a ser produzido pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e pela associação Indigenistas Associados (INA), que reúne servidores da fundação, mostrando como o órgão teria adotado uma política “anti-indigenista”. Em manifesto, indigenistas pediam a exoneração de Marcelo Xavier da presidência da Funai.

"Nunca antes a estrutura do principal órgão indigenista do país se transformou tanto em advogada de interesses alheios, inclusive opostos aos dos povos indígenas. Hoje em dia, a estrutura da Funai foi capturada por uma política anti-indígena, que é muito diferente dos problemas em governos anteriores, incluindo os militares", afirmou Leila Saraiva, assessora política do Inesc e uma das autoras do dossiê, à época.

O MPF manifestou, em julho de 2022, o entendimento de que o “desmonte” da instituição teve papel decisivo nas mortes do indigenista e do jornalista. A conclusão está em uma petição judicial assinada pelo procurador da República no Amazonas, Fernando Merloto Soave, em conjunto com a Defensoria Pública da União. Neste momento, a Justiça de Atalaia do Norte (AM) decidiu remeter o caso à Justiça Federal. O motivo foi o reconhecimento de que as mortes têm relação com os direitos indígenas, tema de competência federal.

Tentando contornar a crise institucional, foi publicada uma portaria conjunta com Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) estabelecendo medidas para proteger os indígenas isolados. A portaria diz respeito àqueles agrupamentos que não possuem contato direto com o restante da população do país – a especialidade de Bruno.

O movimento não reduziu a pressão. Em dezembro de 2022, Bolsonaro exonerou Marcelo Augusto Xavier da Silva do cargo.

Joênia Wapichana e "Nova Funai"

Com a virada de ano e a troca na Presidência da República, Lula anunciou a deputada Joenia Wapichana (Rede-RR) como a primeira presidente de origem indígena na Fundação. Ela foi a primeira mulher indígena advogada e deputada federal no Brasil e anunciou uma gestão para garantir e fortalecer os direitos dos povos originários.

A presidente da Funai, Joênia Wapichana | Reprodução Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil
A presidente da Funai, Joênia Wapichana | Reprodução Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Tratava-se de um reposicionamento da Funai após a gestão Xavier e a crise humanitária no território Yanomami. No governo Lula, a Fundação também passa a compor o inédito Ministério dos Povos Indígenas, deixando a estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública. Em abril de 2023, o novo governo anunciou uma força-tarefa para reforçar exclusivamente a segurança na Terra Indígena Vale do Javari.

"Pela primeira vez, finalmente teremos a Funai presidida por uma mulher indígena, dentro da estrutura do Ministério dos Povos Indígenas. Novos tempos para o Brasil!", publicou Lula no Twitter ao anunciar Joenia para o comando da Funai.

Orçamento

Os gastos com a Fundação, reduzidos durante a gestão Bolsonaro, tiveram um aumento no primeiro ano da gestão Lula. A previsão para 2024 é de um gasto de RF$ 1 bilhão. Desse valor, R$ 618,92 milhões referem-se a despesas já empenhadas (reservadas, mas não descontadas), outros R$ 228,79 milhões são de despesas quitadas (pagas). O restante entra como "o esperado", ou seja as previsões orçamentárias que o governo tem de gastar com a Fundação ainda em 2024. Os gastos com a Previdência Social somam o maior montante, seguidos dos gastos com "direitos da cidadania".

Planos de Carreira

Com objetivo de renovar o órgão, Lula editou uma Medida Provisória (nº 1.203 de 2023) que criou o Plano o Especial de Cargos da Fundação Nacional dos Povos Indígenas. A medida consolida um plano de carreira para funcionários da instituição, definindo remunerações e gratificações. A MP também institui as carreiras de Especialista em Indigenismo e Técnico em Indigenismo, reivindicações históricas do setor.

"A reestruturação da carreira, a criação do PCI e as novas regras de remuneração refletem um esforço para fortalecer a atuação da Funai de maneira especializada e eficaz. Estamos vivendo um novo capítulo da política indigenista no país”, ressaltou Wapichana, na ocasião.

A remuneração dos cargos abrange a Gratificação de Apoio à Execução da Política Indigenista (Gapin). Essa bonificação, vinculada a diferentes localidades, incentiva o trabalho em regiões estratégicas para a política indigenista. Como áreas de mata profunda e difícil acesso.

O texto estabelece critérios claros para a incorporação da Gapin aos proventos de aposentadoria, assegurando reconhecimento financeiro contínuo para aqueles que dedicaram sua carreira à política indigenista.

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