Bolsonaro 'leu, alterou e manteve apenas prisão de Moraes e novas eleições', disse Mauro Cid à PF sobre decreto golpista
Delator tem novo depoimento nesta quinta-feira; veja trecho da delação que incriminou ex-presidente, reuniões no Alvorada e pressão em generais
Ricardo Brandt
O ex-braço-direito de Jair Bolsonaro e hoje delator Mauro Cesar Barbosa Cid contou à Polícia Federal, que o ex-presidente "recebeu o documento" considerado o esboço do decreto golpista que anulava a Eleição 2022 e "prendia todo mundo", no Palácio do Alvorada.
Bolsonaro, segundo o delator, "leu e alterou as ordens mantendo apenas a prisão do ministro Alexandre de Moraes e a realização de novas eleições devido a fraude no pleito".
Relator dos processos contra Bolsonaro e aliados no Supremo Tribunal Federal, Moraes era o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em 2022. Mauro Cid era o então ajudante de ordens do presidente e um dos principais articuladores da trama golpista, segundo a PF.
Novo depoimento
Nesta quinta-feira (5), o tenente-coronel presta mais um depoimento para a polícia, em Brasília. Cid foi preso duas vezes, por ordem de Moraes. Uma delas, por quebrar as regras do acordo e as medidas impostas pelo STF.
Em sua delação, Cid contou que Bolsonaro recebeu depois o documento alterado no Alvorada e "concordou com os termos ajustados e em seguida mandou chamar no mesmo dia os generais comandantes das Forças".
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Em relatório da PF sobre as descobertas da Operação Tempus Veritatis, deflagrada em fevereiro deste ano, os policiais cruzaram análises de mensagens encontradas em celulares dos alvos, quebras de sigilos e outros dados dos inquéritos com os termos da delação de Mauro Cid.
As conclusões são que em 19 de novembro de 2022 foi apresentado o documento a Bolsonaro e depois, nos dias 7 e 9 de dezembro, aos militares.
Prisão de Moraes
19 de novembro de 2022. Foi a data em que o documento foi apresentado no Alvorada, pelo assessor especial da Presidência, Filipe Martins, e por um advogado ao ex-presidente. Segundo Cid, recebeu a concordância, com pedido de ajustes.
"Mauro Cid afirmou que o presidente Jair Bolsonaro leu o documento e anuiu apenas com a prisão do ministro Alexandre de Moraes e a convocação de novas eleições. O documento teria sido corrigido por Felipe Martins e apresentado novamente a Jair Bolsonaro em uma nova reunião", trecho do relatório de análise da PF.
Cid revelou que era "um documento que tinha várias páginas de 'considerandos', que retratava as interferências do Poder Judiciário no Poder Executivo e final era um decreto que determinava diversas de ordens que prendia digital todo mundo".
A delação cita que, além de Moraes, o documento previa a prisão de Gilmar Mendes e outros" ministros do Supremo.
+ Procuradoria analisa provas contra Bolsonaro e aliados por tentativa de golpe
"Determinava também a prisão do então do presidente do Senado Rodrigo Pacheco e de outras autoridades que de alguma forma se opunham ideologicamente ao ex-presidente", registra a delação. Partes dos documentos haviam sido revelado em março, pela revista Veja.
Incriminadora
A confissão de Mauro Cid é considerada incriminadora de Bolsonaro pela PF. A partir dela, os policiais buscaram provas nos materiais levantados nas investigações para comprovar.
O ex-assessor Filipe Martins é peça-chave nessa frente das investigações, que trata sobre o decreto presidencial que fecharia o TSE e anularia a vitória do presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, a chamada minuta do golpe.
Além de apresentar o documento, com ajuda de um advogado e um pastor, Martins corrigiu o decreto, a pedido de Bolsonaro, e o ajudou a apresentar aos comandantes das Forças Armadas, de forma incompleta, segundo o relatório.
"Contextualizando os fatos e corroborando as informações prestadas pelo colaborador Mauro Cid, no dia 7 de dezembro de 2022, o então Presidente Jair Bolsonaro, com auxílio de Filipe Martins, apresentou a minuta do decreto de golpe de Estado ao general Freire Gomes, ao almirante Almir Garnier Santos e ao ministro da Defesa, o general Paulo Sérgio Nogueira de Olivera", trecho de relatório de análise da PF.
Bolsonaro e outros 36 aliados foram indiciados pela PF por tentativa de golpe e atentando violento à democracia e organização criminosa. Filipe Martins também está na lista. Laudo da PF comprovou sua vinculação com a criação do documento.
A Procuradoria Geral da República recebeu todo material da PF e analisa se pede mais apurações.
7 de dezembro de 2022. A primeira reunião com os generais das Forças Armadas em que foi apresentação da versão editada no Palácio da Alvorada. Estavam presentes: Jair Bolsonaro, Freire Gomes, Garnier, Paulo Sérgio, Mauro Cid e Filipe Martins.
"Na sequência, o ex-presidente teria apresentado apenas os 'considerandos' (fundamentos) do documento aos Comandantes das Forças Armadas, sem mostrar o ato final, que seria a prisão do ministro Alexandre de Moraes e a decretação de uma nova eleição", trecho do relatório de análise da PF.
A PF reuniu dados de registro de entrada no Alvorada de Filipe Martins, depois Garnier, Freire Gomes e Paulo Sérgio. Na entrada, não consta o nome do advogado que assessorou a proposta. Mas com base nas análises de localização de uso do celular dele, os policiais apontaram que ele esteve na mesma região da residencial presidencial, no mesmo horário da reunião.
9 de dezembro de 2022 - Nova apresentação do documento, com alterações aos comandantes e reunião com comandante Forças Terrestres (COTER) general Theóphilo, no Alvorada.
O delator contou que participaram ao Garnier, Freire Gomes e Batista Júnior da Aeronáutica. "Felipe Martins foi explicando cada item."
Segundo ele, o "ex-presidente queria pressionar as Forças Armadas para saber o que estavam achando da conjuntura; que queria mostrar a conjuntura do país".
O general Freire Gomes, que se recusou a aderir ao golpe segundo as investigações, confirmou em depoimento que foi ao Alvorada para reunião a pedido de Bolsonaro e que nela tomou conhecimento do decreto de intervenção.