Caso Rafael: comunidade de Planalto tenta superar tragédia após condenação
Alexandra Dougokenski foi condenada a mais de 30 anos de prisão pelo assassinato do filho
Ingrid Oliveira
Nesta quinta-feira (19), a cidade de Planalto, com cerca de 10 mil habitantes no norte do Rio Grande do Sul, amanheceu tranquila. Bem diferente do clima dos últimos três dias, quando autoridades, imprensa e forças de segurança mobilizaram a cidade em função do julgamento de Alexandra Dougokenski.
A casa em que Alexandra morava com Rafael e com o filho mais velho na época do crime está ocupada por novos locatários. A residência foi reformada e teve toda a fachada pintada de amarelo.
Na casa ao lado, onde o corpo de Rafael Winques, de 11 anos, foi encontrado dentro de uma caixa, a sensação também é de que a vida seguiu. Para o atual morador, que prefere não ser identificado, o sentimento é de que "agora acabou". Ele contou à reportagem do SBT News que nunca pensou em se mudar dali, porque não teve relação com o crime.
Por mais que a comunidade tente seguir em frente, as lembranças de Rafael estão em diversos pontos da cidade. Uma pintura do menino usando óculos e com asas de anjo estampa a parede do Conselho Tutelar, onde a mãe foi comunicar o suposto desaparecimento do filho, de 11 anos, no dia 15 de maio de 2020.
No túmulo do menino, no Cemitério Municipal, estão gravadas na lápide as palavras "Anjo Rafael". Dois porta-retratos expõem fotos de Rafael Winques ao lado de Bernardo Boldrini, um menino de 11 anos assassinado pela madrasta, Graciele Ugulini, em 2014, em Três Passos - cidade a cerca de 120 quilômetros de Planalto.
A sentença
Às 23h40 de quarta-feira (18), a juíza Marilene Campagna proferiu a sentença, condenando Alexandra a 30 anos e 2 meses de reclusão e 6 meses de detenção pela morte do filho. A pena de reclusão é aplicada a casos de condenações mais severas e pode começar a ser cumprida em regime fechado. A detenção é uma medida aplicada para condenações mais leves. Nesse caso, o início do cumprimento não pode ser no regime fechado.
A maior pena aplicada a Alexandra foi para o crime de homicídio quadruplamente qualificado: 28 anos de reclusão. Pelo crime de ocultação de cadáver, Alexandra foi condenada a 1 ano e 2 meses de reclusão. Por falsidade ideológica, a 1 ano de reclusão. Ela também cumprirá medida pelo crime de fraude processual: 6 meses de detenção. A magistrada manteve a prisão preventiva da ré, que está detida desde a localização do corpo do menino, no dia 25 de maio de 2020.
O advogado Jean Severo, da defesa de Alexandra, afirmou que vai recorrer da decisão e pedir anulação do julgamento.
Repercussão
Os moradores de Planalto acompanharam a leitura da sentença pelo celular, em frente ao Fórum. Quando saiu a pena de mais de 30 anos, a comunidade se sentiu aliviada. "A vida do Rafael não volta, mas a Justiça foi feita", disse a professora Adriana Fátima Taniga.
Os promotores deixaram o Fórum sob aplausos. Até as crianças presentes os abraçaram e agradeceram por terem dado justiça a Rafael. Para o promotor Diogo Taborda, a sociedade, representada pelos jurados, foi exemplar. "Deu a pena máxima à ré Alexandra pelo homicídio cruel que praticou contra o próprio filho. Fica o sentimento, a vitória da vida contra a morte", disse.
A promotora Michele Kufner comentou sobre o pedido de anulação da defesa. "É papel dela buscar os recursos. Isso é do processo e a gente respeita e entende, mas não acreditamos em uma anulação", declarou.
Tristeza
O advogado Daniel Tonetto, que participou dos trabalhos como assistente de acusação, também comentou o resultado. "Em um júri dessa magnitude ninguém ganha, porque é muita tristeza. Entretanto, essa comunidade, que há muito tempo tinha a dor da perda, não vai ter também a dor da injustiça", avaliou.
O pai de Rafael, Rodrigo Winques, foi acusado pela defesa de Alexandra de ter matado o filho. Os advogados também o acusaram de racismo, violência doméstica e sexual. "Nunca abusei de ninguém e não tenho nada contra ninguém, contra preto, branco, pra mim são pessoas iguais", declarou.
Perguntado sobre o que diria para Alexandra se pudesse falar com ela, respondeu:
"Não precisava ser desse jeito. Ela tá lá porque ela quis. Cada um escolhe o caminho que quer. Quando a pessoa escolhe o caminho errado, não adianta querer empurrar os outros na fogueira. Fez errado, paga ela. Não precisa botar os outros no meio."
Investigação
Durante o julgamento, alguns depoimentos mencionaram a morte do ex-marido de Alexandra, que inicialmente foi tratada como suicídio, mas que agora chama a atenção devido à semelhança com o assassinato de Rafael Winques.
José Dougokenski, pai do filho mais velho de Alexandra, foi encontrado morto dentro de casa, em 2007, em Farroupilha, na serra gaúcha. O enforcamento que, na época, foi tratado como suicídio, nunca convenceu a família. Para eles, Alexandra matou o homem.
A Justiça determinou a reabertura da investigação, com a oitiva de 15 testemunhas e a realização da reconstituição da morte de José.
As semelhanças com a morte de Rafael são diversas. O menino foi dopado, José estava embriagado; a corda de varal foi usada nos dois casos; e Alexandra tinha se mostrado fria à época, assim como na morte do filho.