O que mudou 90 anos depois da conquista do voto feminino?
Confira as vitórias e também os retrocessos que mulheres enfrentam até hoje na política
Fernanda Bastos
Fruto da inconformidade de mulheres pioneiras que lutaram pelo direito de votar e pela presença feminina na política, nesta 5ª feira, 24 de fevereiro, são celebrados os 90 anos da conquista do voto feminino. Instituído pelo Código Eleitoral de 1932, o artigo 2°, que trouxe maior protagonismo feminino, mudou a trajetória das mulheres na política.
Algumas das pioneiras que lutaram pelo aumento da participação feminina na política são: Celina Guimarães, Julia Barbosa, Alzira Soriano, Cândida dos Santos, Clotildes de Oliveira, Josefina de Azevedo, Leolinda Daltro, Edwiges Pereira, Martha de Hollanda, Natércia da Silveira, Alzira Reis, Mietta Santiago, Carlota Queiroz, Bertha Lutz, Almerinda Gama, Antonieta de Barros, Eunice Michiles, Laélia Alcântara e Iolanda Fleming.
No entanto, o marco no direito para as mulheres enquanto cidadãs foi, inicialmente, destinado somente para uma elite de mulheres brancas, como explica Talita Nascimento, do movimento Vamos Juntas:
"Era um direito facultativo, então o voto não era obrigatório para as mulheres e ainda assim elas precisavam da autorização do marido para conseguir votar ou então de um homem da casa. Apenas as mulheres que eram viúvas ou que tinham renda própria podiam votar sem nenhum tipo de autorização."
Mesmo sendo para poucas, a conquista do voto feminino veio de movimentos sociais que começaram muito antes de 1932. Cinco anos antes, em 1927, a professora Celina Guimarães foi a primeira eleitora brasileira, que por meio de uma lei estadual do Rio Grande do Norte conseguiu votar por não ser feita mais a distinção de sexo para o exercício do voto. Ela foi a primeira mulher brasileira a votar e a primeira mulher da América Latina. O estado do Rio Grande do Norte também foi o local onde a primeira mulher foi eleita no país. Alzira Soriano foi eleita prefeita de Lajes (RN), em 1928, com 60% dos votos, e tomou posse em janeiro de 1929.
Além das primeiras candidatas eleitas, um dos principais avanços nos últimos 90 anos foi a conquista do direito ao divórcio ser assegurado em lei pela Constituição de 1988.
Mais recentemente, durante a pandemia, a discussão do auxílio emergencial para mães solo foi assegurado pelas mulheres no poder, como destaca Talita Nascimento: "Foi uma conquista da época da pandemia com um olhar que só foi possível, porque existiam mulheres dentro do Congresso que estavam discutindo essa pauta e levantaram essa bandeira". Talita também traz a discussão sobre pobreza menstrual e dos ganhos de direitos para mulheres trans, como uso do nome social em documentos oficiais, como frutos das conquistas de mulheres na política.
No entanto, 90 anos depois da conquista do voto feminino, as mulheres ainda são minoria na política. Nas Eleições Municipais de 2020, realizadas em 2021, por causa da pandemia, dos 19.352 candidatos -- entre vereadores e prefeitos --, apenas 2602 eram mulheres. Destas, somente 677 foram eleitas. A maioria das mulheres eleitas são brancas (453), seguidas pelas mulheres pardas (205). Foram apenas 10 mulheres pretas e uma mulher indígena eleitas. Confira o gráfico abaixo:
Cenário ainda é desigual
Isabela Rahal, coordenadora de parcerias do movimento Elas no Poder, ressalta que a conquista por espaço na sociedade e a luta por direitos para a população feminina é necessária por haver apenas 15% de mulheres no Parlamento. "A gente tem uma maioria esmagadora de homens brancos que não sentem as dores das mulheres, que não sentem as dores dos negros e que não entendem a nossa realidade para poder legislar", diz.
Para ela, a principal justificativa para a desigualdade de representação das mulheres no poder é um sistema político perpassado por machismo que não favorece a entrada de mulheres. "A gente tem um sistema político que trabalha para não deixar que novas pessoas entrem. Então, as mesmas pessoas estão lá há muitos mandatos nas cabeças dos partidos, trabalhando para perpetuar essas mesmas pessoas no poder e isso é feito de maneiras diversas. Então, a gente não tem um sistema político que permita que mulheres entrem. E aí mesmo depois que elas entram ou quando elas tomam a decisão de entrar ela sofre violência", destaca.
Como foi o caso da deputada estadual Isa Penna (Psol-SP), assediada em plenário da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp). "Então você tem coisas acontecendo assim em plena luz do dia. Imagina o que não acontece nos bastidores ou que não acontece com mulheres que ainda não foram eleitas. Há todo um sistema que não deixa, não permite que elas cheguem ao poder."
Além disso, um outro ponto levantado por Rahal, que muitas vezes não permite a inserção das mulheres na política, é que muitas não se enxergam em uma posição de poder. Confira mais detalhes no trecho da entrevista de Isabela Rahal:
Um dos retrocessos mais recentes, apontado por Isabela Rahal, foi o fato da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid não ter uma cadeira reservada para uma senadora nas 18 vagas disponíveis, entre titulares e suplentes. A Casa conta com 12 senadoras em suas 81 cadeiras. "Isso é um absurdo. Como que a gente vai fazer isso? As mulheres estão na linha de frente da pandemia e foram as mais afetadas economicamente pela pandemia", destaca.
No entanto, por meio de um acordo com a CPI, a bancada feminina conseguiu que senadoras pudessem fazer perguntas aos convidados e convocados durante a apuração das ações e omissões do governo federal durante a pandemia. Confira o pedido de maior isonomia no Congresso feito por uma das senadoras que participaram da CPI, Eliziane Gama (Cidadania-MA), atual líder da bancada feminina no Senado:
Futuro
Isabela Rahal afirma que a pauta feminina agora deve ser a defesa de uma reserva de vagas em diferentes esferas do poder. "Defendemos muito a cota de cadeira. É o que mais funcionou em vários países da América Latina. Garantir a cadeira no Legislativo, na Câmara Municipal, na Assembleia Estadual ou na Câmara Federal, essa cadeira é de uma mulher e ela não pode ser ocupada por nenhum homem", pontua. Segundo Rahal, as tentativas para a consolidação desta cota da cadeira ainda são tímidas e não conseguem apoio político necessário.
Para Rahal, o futuro do país deve contar com um Congresso 50% formado por homens e 50% por mulheres, com todas as raças e etnias, no qual elas possam atuar sem ameaças ou violências e que não precisem se preocupar com a própria segurança ao assumir um cargo político.
Nascimento, do Vamos Juntas, também corrobora com a visão de um Parlamento plural e por mais respeito dentro e fora do Congresso Nacional. "Um futuro em que as mulheres fossem livres para se candidatar, sem esses pesos. Uma vez que elas fossem eleitas, que elas fossem respeitadas de igual para igual. Não só dos colegas dentro do Parlamento, mas também da mídia que contribui para esse tipo de assédio em cima das mulheres e para que elas conseguissem de fato discutir ideias", diz. Veja mais no trecho da entrevista com Talita Nascimento:
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