MP vai investigar hospital de SP que se recusou a colocar DIU em paciente por motivos religiosos
Promotoria deu 15 dias para São Camilo se manifestar sobre investigação; relato de paciente viralizou nas redes sociais
O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) abriu um inquérito para investigar a conduta do Hospital São Camilo, que se recusa a realizar procedimentos contraceptivos em mulheres e homens, como a inserção do DIU (dispositivo intrauterino) e a vasectomia, por causa de valores religiosos.
+ Recusa de hospital de SP de colocar DIU em paciente fere Constituição, diz advogada
O SBT News publicou, na última quarta-feira (24), o relato de Leonor Macedo, que foi informada pela ginecologista da unidade da Pompeia, na zona oeste da capital paulista, que o procedimento não poderia ser realizado por causa das diretrizes do hospital, que é confessional católico. A paciente, de 41 anos, desabafou sobre a consulta em um post no X (antigo Twitter) e a história viralizou.
O inquérito foi aberto a partir de um pedido da deputada estadual Andréa Werner (PSB), que tomou conhecimento do caso. "Saúde suplementar opera por concessão, portanto, seus critérios precisam ser constitucionais, e não facultativos. O hospital não pode escolher o que quer atender", disse a parlamentar.
Segundo a portaria de instauração de inquérito civil, assinada pela Promotoria de Justiça do Consumidor da Capital, a recusa em realizar procedimentos contraceptivos pode "afrontar dispositivos constitucionais e legais e, por isso, é necessária a investigação dos fatos pelo Ministério Público".
O documento cita, ainda, o direito ao planejamento familiar, garantido pela Constituição Federal. "Além disso, a negativa de realização de procedimentos contraceptivos pode representar ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana e pode acentuar indevidas exclusões sociais, na medida em que não assegura o direito à saúde e ao planejamento familiar", diz.
O alvo da investigação será a Sociedade Beneficente São Camilo, mantenedora de três hospitais particulares em São Paulo, mas com diversas unidades em todo o país e com um plano de saúde próprio. A rede de hospitais terá o prazo de 15 dias para se manifestar e fornecer informações ao MP.
+ Número de laqueaduras feitas pelo SUS subiu quase 68% em seis anos
Recusa do hospital e post viralizado
"Fiquei em choque", disse a paciente em um desabafo no X (antigo Twitter). O relato da comunicadora Leonor Macedo, que se surpreendeu ao ser informada pela ginecologista do Hospital São Camilo que não poderia fazer o procedimento de inserção do DIU ali, por causa dos valores religiosos da instituição, viralizou.
Após o post alcançar milhares de visualizações, o perfil do hospital respondeu à publicação, confirmando que "por diretriz institucional de uma instituição católica, não há a realização de procedimentos contraceptivos, seja em homens e mulheres". O hospital também afirmou que orienta o paciente a buscar a rede referenciada do plano de saúde para conseguir realizar a inserção do DIU ou a cirurgia de vasectomia.
Em entrevista ao SBT News, Leonor contou mais sobre o ocorrido. Ela passava por uma consulta de rotina na unidade da Pompeia, zona oeste de São Paulo, quando questionou à ginecologista sobre o método contraceptivo. A médica explicou o funcionamento do DIU, sanou todas as dúvidas, mas afirmou que não poderia fazer o procedimento por causa das diretrizes do hospital.
"Ela disse que podia fazer, no consultório particular dela, e eu pedir o reembolso para o meu plano ou procurar um outro médico referenciado, que colocasse fora do ambiente do Hospital São Camilo", disse a paciente.
Mais casos de recusa de DIU
O SBT News encontrou pelo menos três histórias parecidas na internet. Em uma das publicações, também no X, uma mulher conta que a ginecologista que a consultou no Hospital São Camilo disse que não fazia a inserção do DIU por ele ser abortivo – o que está incorreto. Dependente do pai no plano de saúde, a paciente afirma que ele foi procurado pela instituição – o que pode ser considerado quebra do sigilo médico.
Outras duas mulheres fizeram reclamações do hospital no site Reclame Aqui, em 2020 e 2021. "[O médico] me olhou e disse 'não vou solicitar o seu DIU, pois aqui não colocamos por ser uma entidade católica', só que em nenhum momento lá atrás ele me informou isso", conta uma delas.
A segunda diz que a médica chegou a fazer a solicitação, mas que, ao entregar o documento para uma enfermeira, ela riu. "A enfermeira riu e falou que o procedimento deveria ser aceito pela diretoria da instituição, pois a mesma era católica e não realizava procedimentos contraceptivos", escreve a paciente.
+ Planos terão que explicar autorização de marido para inserção de DIU
Posicionamento do hospital
Procurada, a rede de hospitais São Camilo afirmou que mantém o mesmo posicionamento da semana passada, quando o caso de Leonor veio à tona.
"Informamos que em todas as unidades a diretriz é não realizar procedimentos contraceptivos em homens ou mulheres, exceto em casos de risco à saúde, em alinhamento ao que é preconizado às instituições confessionais católicas", diz a nota.