Recusa de hospital de SP de colocar DIU em paciente fere Constituição, diz advogada
Comunicadora expôs caso nas redes sociais; instituição alegou não realizar procedimentos contraceptivos por ser católica
A comunicadora Leonor Macedo, de 41 anos, se surpreendeu ao ser informada pela ginecologista do Hospital São Camilo, em São Paulo, que não poderia fazer o procedimento de inserção do DIU (dispositivo intrauterino) ali por causa dos valores religiosos da instituição.
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"Fiquei em choque", disse a paciente em um desabafo no X (antigo Twitter). O relato de Leonor, até o início da tarde desta quarta-feira (24), já foi visualizado por mais de 1,7 milhão de pessoas.
Após sua postagem viralizar, o perfil do hospital respondeu à publicação, confirmando que "por diretriz institucional de uma instituição católica, não há a realização de procedimentos contraceptivos, seja em homens e mulheres". O hospital também afirmou que orienta o paciente a buscar a rede referenciada do plano de saúde para conseguir realizar a inserção do DIU ou a cirurgia de vasectomia.
A repercussão foi tanta, que o hospital procurou Leonor por telefone para explicar o posicionamento da médica. Segundo ela, eles afirmaram que seguem os preceitos da Igreja Católica e do Vaticano e só colocam o DIU para tratamento de casos graves de endometriose, não como método contraceptivo.
Em entrevista ao SBT News, Leonor contou mais sobre o ocorrido. Ela passava por uma consulta de rotina na unidade da Pompeia, zona oeste de São Paulo, quando questionou à ginecologista sobre o método contraceptivo. A médica explicou o funcionamento do DIU, sanou todas as dúvidas, mas afirmou que não poderia fazer o procedimento por causa das diretrizes do hospital.
"Ela disse que podia fazer, no consultório particular dela, e eu pedir o reembolso para o meu plano ou procurar um outro médico referenciado, que colocasse fora do ambiente do Hospital São Camilo", disse a paciente.
Leonor, que não é religiosa, diz que se preocupou com o direito da mulher de decidir engravidar ou não. "Tudo isso me faz pensar se realmente esse é um direito sólido, o direito de você não querer engravidar, de prevenir uma gravidez, de ter um planejamento familiar", refletiu.
Quais os direitos do hospital? E da mulher?
Segundo a presidente da comissão de Direito Médico da OAB-SP, Juliana Hasse, os hospitais privados – mesmo os que recebem recursos públicos – podem criar sua política institucional pautada em princípios religiosos, já que a Constituição Federal garante a liberdade de crença. Mas, para ela, há nessa situação um conflito entre a autonomia da instituição e os direitos individuais dos pacientes.
A recusa em fazer a inserção do DIU pode ser considerada inconstitucional, já que o direito ao planejamento familiar faz parte do direito à saúde, considerado fundamental pela Constituição de 1988.
"A negativa de um hospital em colocar um dispositivo intrauterino em uma mulher, baseando-se unicamente em motivo religioso, pode sim entrar em conflito com princípios da Constituição Federal, porque ela, em seu artigo 5º, assegura direitos como a liberdade de crença e a proibição de discriminação ao mesmo tempo, bem como garante a inviolabilidade do direito à saúde", diz Hasse. Segundo ela, o Poder Judiciário pode ser acionado nesses casos.
Para a especialista, a orientação do Hospital São Camilo entra em conflito com o Código de Ética Médica, que estabelece a autonomia do médico, mas prevê compromisso com o melhor tratamento para o paciente. "A recusa em realizar um procedimento como a colocação do DIU tem sempre que ser justificada com base em critérios médicos e científicos, não puramente em crenças pessoais. É importante lembrar isso e acomodar os direitos fundamentais entre si, de maneira equilibrada", afirma a advogada. Ela diz que é preciso haver, até mesmo, um protocolo interno no qual o paciente receba todas as orientações necessárias para seguir o tratamento com outro profissional, caso a instituição não realize o procedimento de colocação do método contraceptivo.
Procurado, o Ministério da Saúde destacou que "o acesso aos métodos contraceptivos pelo sistema de saúde é direito de todas brasileiras". O Conselho Federal de Medicina (CFM) se abstém de fazer comentários sobre casos concretos, que podem ser investigados pelo Conselho Regional de Medicina (CRM). Em geral, o CFM é uma instância de recurso para pacientes que discordarem da decisão do CRM.
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Mais casos de recusa de DIU
O SBT News encontrou pelo menos três histórias parecidas na internet. Em uma das publicações, também no X, uma mulher conta que a ginecologista que a consultou no Hospital São Camilo disse que não fazia a inserção do DIU por ele ser abortivo – o que está incorreto. Dependente do pai no plano de saúde, a paciente afirma que ele foi procurado pela instituição – o que pode ser considerado quebra do sigilo médico.
Outras duas mulheres fizeram reclamações do hospital no site Reclame Aqui, em 2020 e 2021. "[O médico] me olhou e disse 'não vou solicitar o seu DIU, pois aqui não colocamos por ser uma entidade católica', só que em nenhum momento lá atrás ele me informou isso", conta uma delas.
A segunda diz que a médica chegou a fazer a solicitação, mas que, ao entregar o documento para uma enfermeira, ela riu. "A enfermeira riu e falou que o procedimento deveria ser aceito pela diretoria da instituição, pois a mesma era católica e não realizava procedimentos contraceptivos", escreve a paciente.
Posicionamento do hospital
Em nota, o Hospital São Camilo – que tem 33 unidades pelo país e conta com um plano de saúde próprio – informou que procedimentos contraceptivos só são realizados pela instituição em casos "que envolvam riscos à manutenção da vida". Veja posicionamento na íntegra:
A Rede de Hospitais São Camilo - SP informa que, por ser uma instituição confessional católica, tem como diretriz não realizar procedimentos contraceptivos, em homens ou mulheres.
Tais procedimentos são realizados apenas em casos que envolvam riscos à manutenção da vida.
Os pacientes que procuram pela Rede de Hospitais São Camilo - SP, e que não apresentam riscos à saúde, são orientados a buscar na rede referenciada do seu plano de saúde hospitais que tenham esse procedimento contratualizado.