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Saúde

Cannabis medicinal e autismo: o que a ciência já sabe e os desafios que existem

Debate sobre cannabis no tratamento de autismo cresce, refletindo avanços científicos, relatos de pacientes e desafios na prática clínica

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Dia mundial de conscientização do autismo é comemora nesta terça (2)
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Nos últimos anos, o uso medicinal da cannabis deixou de ser um assunto restrito a especialistas e passou a fazer parte de conversas em famílias, consultórios e debates públicos.

Histórias sobre melhora do sono, redução de crises de agressividade e maior engajamento social circulam nas redes, despertando curiosidade e esperança.

Mas, diante dos relatos pessoais e expectativas, fica a pergunta: o que a ciência realmente já sabe e até onde é seguro avançar?

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O papel do sistema endocanabinoide no autismo

O interesse em entender como os extratos da cannabis atuam no tratamento de diferentes condições, incluindo o autismo, trouxe mais atenção ao sistema endocanabinoide — um mecanismo presente em todo o corpo, fundamental para regular humor, sono, memória, apetite, resposta ao estresse e processos inflamatórios.

Esse sistema funciona por meio de receptores: o CB1, mais concentrado no cérebro e ligado a memória, comportamento e emoções, e o CB2, mais presente no sistema imunológico e ligado à regulação de inflamações. Ele também envolve os endocanabinoides produzidos naturalmente pelo corpo, como a anandamida, e as enzimas que controlam sua produção e degradação.

Um estudo da Universidade de Stanford identificou que pessoas no espectro autista apresentam níveis reduzidos de anandamida e sinais de disfunção nos receptores CB1. Os achados, semelhantes aos de pesquisas em animais, reforçam a hipótese de que alterações nesse sistema estejam relacionadas ao autismo. Isso abre a possibilidade de que compostos da cannabis, ao modularem esse sistema, possam ajudar a aliviar alguns sintomas.

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Variedades da cannabis e experiências clínicas

A cannabis tem cerca de cem canabinoides conhecidos, mas menos de dez foram estudados com foco medicinal.

O CBD (canabidiol) é o mais pesquisado. Não é psicoativo e já tem efeitos comprovados como ansiolítico, anti-inflamatório e anticonvulsivante.

O THC (tetra-hidrocanabinol) é o componente psicoativo mais conhecido. Em altas doses, pode causar prejuízos cognitivos, alterações de humor e maior risco de surtos psicóticos, especialmente em jovens. Ainda assim, quando usado em doses controladas e com acompanhamento médico, pode ajudar no manejo de sintomas difíceis, permitindo até reduzir o uso de outros medicamentos com efeitos colaterais importantes.

Outros canabinoides também estão sendo estudados:

  • CBG (cannabigerol): pode melhorar foco e atenção.
  • CBN (canabinol): tem efeito sedativo, útil para distúrbios do sono.

Médicos que utilizam a cannabis no tratamento do autismo relatam bons resultados quando o uso é bem indicado e monitorado.

Um exemplo é o de um adolescente com autismo severo, que se mordia de forma grave e corria risco de infecção. Ele tomava três medicamentos (ansiolítico, antidepressivo e antipsicótico), mas tinha pouco controle das crises e vivia apático.

Com a introdução de um extrato full spectrum, combinando CBD e THC em dose personalizada, foi possível reduzir para apenas um medicamento em baixa dose. O quadro clínico evoluiu com cicatrização das lesões, mais interação social, melhora no sono e estabilização do peso. Casos semelhantes têm sido documentados em diferentes contextos.

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Desafios, regulamentação e perspectivas

No Brasil, a Anvisa autoriza a prescrição de produtos à base de cannabis mediante receita médica especial. Esses produtos podem ser comprados em farmácias autorizadas ou importados com autorização prévia.

Não existem protocolos específicos para o autismo, o que torna indispensável a avaliação individualizada — levando em conta histórico clínico, segurança e expectativa de benefício.

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Apesar dos resultados clínicos positivos, ainda há lacunas importantes: definir a dose ideal, padronizar formulações, garantir qualidade entre lotes e identificar os perfis de pacientes que respondem melhor. Essas questões só podem ser respondidas com mais estudos rigorosos e de longo prazo.

Enquanto a ciência avança, o uso da cannabis no autismo precisa ser feito com prudência, acompanhamento médico e individualização do tratamento. A esperança é real, mas precisa caminhar junto com a responsabilidade, para que os avanços sejam sólidos, seguros e baseados em evidências.

Fabiana Feijão Nogueira – CRM 161.516, RQE 131.447 - Pediatra especializada em desenvolvimento infantil

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