Câncer no pênis ainda é realidade na América Latina: prevenção salva vidas
Raro em países ricos, esse tumor segue frequente e devastador onde há baixa escolaridade, saneamento precário e pouca informação


Brazil Health
Pouca gente fala sobre o câncer no pênis. O assunto é cercado de vergonha, tabu e desconhecimento — e, justamente por isso, continua causando sofrimento a muitos homens e famílias. Embora raro nos países desenvolvidos, ainda é um problema importante na América Latina. No Brasil, por exemplo, pode chegar a representar até 10% dos tumores malignos em homens nas regiões mais pobres.
O mais triste é que grande parte desses casos poderia ser evitada com medidas simples, como higiene adequada, circuncisão na infância e vacinação contra o HPV. Em lugares com saneamento básico e informação acessível, esse tipo de câncer praticamente desapareceu.
Desigualdade e falta de informação
Nos últimos anos, percebemos que o câncer no pênis está fortemente ligado às condições sociais. Homens com pouca instrução, sem acesso à água tratada e sem acompanhamento médico regular são os mais afetados. É também uma doença que carrega um peso emocional enorme: muitos pacientes demoram a buscar ajuda por vergonha ou medo e acabam chegando ao médico quando o tumor já está avançado.
A infecção pelo HPV está presente em até metade dos casos, mas a vacinação de meninos segue baixa em toda a América Latina. Essa é uma das razões pelas quais precisamos falar mais sobre prevenção e quebrar o silêncio que ainda envolve o tema.
Trabalho coletivo pela mudança
Nos últimos três anos, tenho coordenado um grupo chamado Penile Cancer Collaborative Coalition – Latin America (PECCC-LA), formado por mais de 300 especialistas e 30 centros de referência em 13 países. Nosso objetivo é criar o primeiro guia latino-americano sobre o câncer no pênis, reunindo dados regionais, experiências clínicas e recomendações práticas que orientem médicos de todo o continente.
Esse trabalho envolve muito mais do que ciência. É um esforço de integração e solidariedade entre países que enfrentam realidades parecidas. Estamos montando um banco de dados com mais de 1.500 casos, organizando cursos de capacitação e desenvolvendo materiais que vão de atlas cirúrgicos a programas de formação médica à distância.
Educação, tecnologia e esperança
Uma das iniciativas que mais me motiva é a criação da Escola Latino-Americana de Câncer de Pênis, voltada ao treinamento de profissionais e ao uso de tecnologias como telementoria e inteligência artificial no diagnóstico e no acompanhamento de pacientes. Queremos garantir que um homem do interior do Maranhão, do Paraguai ou da Bolívia receba o mesmo padrão de atendimento oferecido por um grande centro urbano.
Novas técnicas cirúrgicas também vêm transformando o tratamento, permitindo preservar parte do pênis e, com isso, manter a autoestima e a qualidade de vida dos pacientes. Trata-se de uma mudança profunda: deixamos de apenas tratar a doença para cuidar do homem em sua totalidade — física e emocional.
Um tema que precisa sair do silêncio
Falar sobre câncer no pênis é desconfortável, mas necessário. Quanto mais informação circula, mais vidas podem ser salvas. É uma doença com prevenção, diagnóstico precoce e tratamento eficaz quando identificada a tempo. O que falta, na maioria das vezes, é acesso e coragem para buscar ajuda.
Nosso papel, como médicos, é enfrentar o tabu, ampliar o conhecimento e combater as desigualdades que fazem com que esse tipo de câncer ainda seja tão frequente em nossa região. Nos últimos anos, a Sociedade Brasileira de Urologia tem feito campanhas educativas, estimulando a limpeza diária do pênis, realizando mutirões de cirurgias em locais de maior risco e promovendo lives e debates nas redes sociais. O primeiro guia latino-americano é um passo nessa direção — e espero que seja o início de uma nova história para a saúde do homem na América Latina.
* Marcos Tobias Machado é urologista, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) e membro da Brazil Health









