Exclusivo: afastamento de policiais militares por problemas de saúde mental aumenta 40% em São Paulo
Levantamento revela falta de especialistas no atendimento à saúde mental dos policiais, agravando a situação

Flavia Travassos
Celso Costa Jr.
Victor Ferreira
Um levantamento exclusivo do SBT Brasil, com base nos dados da Lei de Acesso à Informação, mostrou um cenário preocupante: nos últimos quatro anos, o número de policiais militares afastados por problemas de saúde mental no estado de São Paulo subiu quase 40%. Pressão constante, humilhações e negligência dos batalhões podem ser fatores que contribuem para essa alta.
Um policial militar, que preferiu não ser identificado, compartilhou sua experiência de 15 anos na corporação. Segundo ele, a depressão é tratada como "frescura" dentro da instituição:
"Hoje, a depressão dentro da instituição, sim, é frescura. 'Ele não tem nada', 'ele está fingindo'".
Esse tipo de reação piorou quando ele passou a ter sintomas mais graves. "Comecei a perder meu sono noturno, perder o apetite e vinham pensamentos constantes de suicídio", conta.
Diante disso, ele precisou se afastar por quase um ano e meio para tratar a depressão. Porém, segundo ele, a perseguição dentro da corporação só piorou após o diagnóstico. "Quando percebem que a pessoa tem esse tipo de problema, aí começa a perseguição, começa a piorar", diz.
Falta de atendimento especializado
O levantamento do SBT revelou que o número de PMs afastados por problemas de saúde mental subiu de 1.203 para 1.667 entre 2019 e 2023, um aumento de 38,5%. A Associação de Direitos Humanos dos Agentes de Segurança Pública alerta para a falta de especialistas no atendimento desses policiais.
Marcos Manteiga, presidente da associação, critica a ausência de psiquiatras no Hospital da Polícia Militar. "O médico da Polícia Militar precisa ser oficial da PM, mas não temos psiquiatra no hospital. Ele é atendido por oftalmologista, ginecologista, fazendo o papel de psiquiatra", afirma.
Sem profissionais habilitados, os policiais enfrentam dificuldades para receber o tratamento adequado. Quando o soldado mencionado anteriormente expôs suas queixas, a resposta que recebeu foi ainda mais desmotivadora: "Não adianta você ficar chorando, esse choro seu não me convence mais. Se não está contente, pede pra sair, vai embora", ele contou.
Pressão dentro da corporação
Para Alexandrina Meleiro, doutora em psiquiatria pela USP (Universidade de São Paulo), a cultura da corporação agrava o problema. Segundo ela, muitos policiais são obrigados a aparentar força, mesmo quando estão no limite. "Dentro da própria corporação, criou-se uma dinâmica de que todo mundo tem que ser forte. Mas não é assim que se deve lidar com essas dificuldades", diz.
A rotina de um policial militar é marcada por situações de conflito, trabalho excessivo e baixa remuneração, fatores que prejudicam a saúde mental. Alexandrina destaca ainda que a exposição constante à violência sem apoio psicológico adequado agrava o quadro:
"Lidam direto com agressividade, risco de vida, violência severa. Sem uma válvula de escape, o adoecimento é inevitável", afirma a psiquiatra.
Por fim, o soldado afirma que depende de remédios fortes para conseguir dormir e aliviar os sintomas da depressão. "Faço uso de remédios para dormir, antidepressivos", conta.
A falta de tratamento adequado pode levar o policial ao limite, como será detalhado na reportagem de amanhã. Segundo o depoimento final do soldado, "atrás daquela farda, existe um sentimento, uma cabeça, uma família. Ele chora, ele sangra, ele perde a vida. E não adianta".
O que diz a Secretaria da Segurança Pública
A Polícia Militar tem ampliado as iniciativas já existentes de suporte ao bem-estar e atendimento psicológico aos policiais militares da ativa por meio do seu Sistema de Saúde Mental (SISMen), que disponibiliza atendimento psicossocial no Centro de Atenção Psicológica e Social (CAPS), na capital, e também em 41 Núcleos de Atenção Psicossocial em todas as regiões do estado. Além disso, há o serviço de telepsicologia, com atendimento psicoemocional de policiais da ativa ou da reserva com agendamento e consultas online.
A Corporação também fornece suporte psicológico a todos os policiais envolvidos em casos de maior gravidade, como confrontos armados. Os PMs envolvidos nessas ocorrências passam por avaliação com psicólogos em, no mínimo, dois momentos para o devido monitoramento. O tempo de afastamento é determinado de acordo com cada caso, atendendo às necessidades individuais de cada paciente.
Somada a essas iniciativas, a SSP realiza periodicamente seminários, palestras e aulas, e disponibiliza cartilhas nas academias que buscam levar aos profissionais informações de caráter preventivo. Especificamente na PM, cartilhas de prevenção são disponibilizadas ao efetivo e estão disponíveis na página do Centro de Atenção Psicológica e Social (CAPS), na intranet da Instituição. Desta forma, o acesso é livre e fácil, podendo ser consultado por todos os policiais a qualquer momento. Além da cartilha, o Sistema de Saúde Mental (SISMen) conta com diversas outras iniciativas voltadas ao acolhimento e orientação dos militares para prevenir e combater suicídios. Essas medidas são continuamente realizadas e aperfeiçoadas pela instituição, a fim de garantir a saúde mental e o bem-estar dos policiais.
Saiba como obter ajuda
Caso você ou alguém próximo precise de ajuda, procure o Centro de Valorização da Vida (CVV), no telefone 188 ou no site www.cvv.org.br. Você pode encontrar apoio também em serviços de saúde como o CAPS e Unidades Básicas de Saúde (Saúde da família, Postos e Centros de Saúde).









