Setembro Amarelo: Como os pais podem conversar com os filhos sobre saúde mental?
Taxa de suicídio e autolesão entre jovens de 10 a 25 anos no Brasil é a que mais cresce ano a ano em uma década; veja sinais de atenção
Wagner Lauria Jr.
Alerta: tema sensível
No Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, lembrado nesta terça-feira (10), uma atenção especial para o contexto vivido por jovens de 10 a 25 anos no Brasil. A taxa de pessoas que tiraram a própria nessa faixa-etária cresceu 6% por ano no país entre 2011 a 2022, quase o dobro do observado na população em geral (3,7%). É o que mostram os dados do Ministério da Saúde e de um estudo feito pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
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Além disso, o número de atendimentos ambulatoriais por automutilação é 1925% maior em 2023, na comparação com 2014, quando considerada a faixa-etária de 7 até 19 anos. Os dados foram compilados pelo Ministério da Saúde a pedido do SBT News.
Para entender como os pais podem conversar com seus filhos, é importante entender o que pode estar por trás desse aumento anual constante.
Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e coordenador nacional da campanha Setembro Amarelo Antônio Geraldo da Silva, as altas expectativas em relação ao desempenho escolar, a exposição constante a padrões de perfeição e comparações nas redes sociais, baixa autoestima, conflitos familiares, experiências traumáticas, como violência, abuso ou bullying (veja mais detalhes abaixo) são alguns dos fatores que ajudam a explicar, de forma geral, o aumento da taxa de automutilação e suicídio.
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No entanto, há também diferenças entre as causas mais frequentes de suicídio entre homens e mulheres, segundo ele.
No caso de pessoas do sexo feminino, os motivos mais prevalentes são transtornos alimentares, transtorno bipolar e estresse pós-traumático, violência em relacionamentos, depressão, problemas de relacionamento interpessoal e aborto.
Já entre jovens do sexo masculino, estão os transtornos de comportamento, sentimentos de desesperança, separação parental, comportamentos suicidas dos pares e acesso fácil a meios letais, como armas.
Luci Pfeiffer, presidente do Departamento Científico de Prevenção e Enfrentamento das Causas Externas na Infância e Adolescência da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), aponta que a automutilação precisa ser levada a sério, já que pode ser o primeiro passo para atentar contra a própria vida. Segundo ela, alguns fatores contemporâneos podem contribuir com o aumento nas taxas e é preciso reconhecer as razões que podem levar à "gota d'água", ou seja, a fazer com que as pessoas dessa faixa etária se cortem.
Como abordar questões de saúde mental com adolescentes?
Antônio Geraldo ressalta que é importante explicar que as doenças mentais são como doenças físicas, só que ao contrário da hipertensão, que afeta sua saúde cardiovascular, elas afetam nossos pensamentos e sentimentos também.
"É importante estar atento a mudanças bruscas no comportamento da criança e do adolescente. Se ela está se sentindo triste, se está muito calada, se isolando, preferindo fazer as refeições no quarto, se não quer ir pra escola, se não está fazendo atividades que antes eram prazerosas", ressalta.
Para poder estabelecer conversas com os filhos, os pais devem construir uma relação de diálogo respeitoso, com carinho desde cedo e promover momentos de qualidade em família, avalia Gabriela Crenzel, que é membro do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP)
"Dessa forma, portas serão abertas para conversar sobre os mais variados temas, inclusive questões da saúde mental. À medida em que há uma comunicação aberta, eles começam a falar. Mas isso precisa vir naturalmente e sem julgamentos, respeitando a privacidade para que eles não se sintam inibidos de falar", ressalta.
Ela destaca que falar sobre esses assuntos não aumenta a incidência de autoagressão ou suicídio, e, sim, pode ter um efeito contrário. O diálogo, segundo ela, ajuda os adolescentes a nomear questões que, algumas vezes são triviais para os adultos, mas que para eles ainda são novidade.
No entanto, ela alerta que a família precisa de outros aliados para abordar essas questões com os filhos.
"Dificilmente, a família conseguirá ajudar sozinha seus filhos e precisará de uma rede de apoio, no âmbito da educação e de saúde, como psicoterapia", afirma.
Os sinais de alerta para adolescentes são isolamento, piora do rendimento escolar, desatenção exacerbada "o que era alegria, vira apatia, perde o sentido" e excesso de apetite.
"O que precisa ser medido são duas coisas: a persistência dos sintomas e os prejuízos que estão sendo trazidos para a vida do adolescente".
Saiba mais sobre os fatores de atenção
Bullying e altas expectativas em relação ao desempenho escolar
O sentimento de culpa, que está por trás de comportamentos autodestrutivos pode estar relacionado a uma percepção de fracasso nos relacionamentos, seja com os pais ou com os amigos. O bullying e a sensação de não conseguir dar conta de múltiplas atividades também podem ser fatores importantes. Por isso, Luci ressalta que o primeiro passo para prevenir uma piora pode ser entender de onde vem esse sentimento que levaria a uma necessidade de autopunição. Isso pode ser feito numa conversa dos pais com os filhos ou em terapia.
Luci, que é pediatra e psicanalista, vem observando em seu consultório um crescimento das queixas de cansaço nessa faixa etária. Ela ressalta que a cobrança excessiva de desempenho vem, inclusive, gerando diagnósticos "distorcidos" de TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) e Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ela diz que, em muitos casos, "é apenas o tempo da infância que não está sendo respeitado".
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"Temos que pensar no que estamos oferecendo a crianças e adolescentes. Muitos são mini-executivos aos seus 4, 5 anos de vida. Se perdeu muito da liberdade da infância, que é poder criar, imaginar, fantasiar, de forma livre, sem estar sempre comandados por demandas, cobranças dos pais, aulas extras, uso de tecnologia descontrolado", alerta
Um dos motivos para os sentimentos de insatisfação e culpa, segundo ela, pode vir da tentativa da criança e do adolescente de conseguir satisfazer os pais e, com isso, conquistar o amor deles.
"É importante demonstrar afeto para a criança, com palavras de amor e gestos carinhosos. Afirmar o quanto é bom que ela tenha nascido, que é um prazer estar ao lado dela", ressalta.
O importante, segundo a especialista, é que as demonstrações de amor não sejam atreladas à execução de alguma tarefa ou à obtenção de algum resultado.
Conflitos familiares
Outro fator que pode influenciar na saúde mental da faixa etária são as separações entre casais em que a criança é privada do contato com um dos pais por causa de conflitos entre os adultos. A única exceção é se houver algum desvio de comportamento e risco de violência por parte do pai, da mãe ou do familiar responsável.
"A criança nunca pode deixar de amar aquela outra pessoa que não é mais amada em uma relação romântica, isso afeta seu desenvolvimento", diz
Uso de tecnologia
Segundo a especialista, o uso de tecnologia nessa faixa etária "invade" o período da infância e adolescência e devia ser regulado pelo Estado, com uma legislação que proponha limites do que poderia ou não ser consumido.
"Hoje, qualquer um que tenha acesso a tela, a uma possibilidade de teclar, pode ter acesso a qualquer meio de autoagressão — até sobre suicídio", pontua
Ela ressalta que alguns conteúdos virtuais, apresentados como "desafios" e "brincadeiras perigosas", podem incentivar as crianças a se machucarem e, em alguns casos, podem levar à morte. Isso pode acontecer também na escola, onde a criança, na expectativa de pertencer a algum grupo, acaba se submetendo a desafios que podem ser nocivos para sua saúde mental e física.
Os pais devem tomar cuidado redobrado com o conteúdo e as interações de crianças e adolescentes nas redes sociais. Uma das maiores dificuldades com a internet, segundo a especialista, é a identificação de agressores em potencial, já que muitos se escondem atrás do anonimato no mundo virtual.
Ela elenca outros efeitos prejudiciais da tecnologia:
- Desfavorece o diálogo;
- Dificulta a capacidade de leitura de textos mais longos;
- Aumenta a probabilidade de comportamentos violentos pelos conteúdos assistidos;
- Prejudica o desenvolvimento da visão. Toda a criança e adolescente precisa ter contato com a luz natural pelo menos duas horas, diariamente;
- Atrapalha o horário do sono, já que algumas crianças passam madrugadas na frente da tela e a luz artificial dificulta dormir.
Controlar tempo e conteúdo das telas pode ajudar
Sobre o uso de tecnologia, a recomendação da SBP é de que até os dois anos de idade a criança não deva entrar em contato com telas. Depois dos dois até os cinco anos, o limite é uma hora por dia, com supervisão parental. Na adolescência, o ideal é no máximo duas horas, também sob monitoramento e nunca à noite, antes de dormir. "A tela excita, estimula vários tipos de atividades cerebrais e, com certeza, vai causar um sono agitado e pesadelos".
"O ideal é que as telas nunca substituam completamente ou parcialmente o lazer natural, como correr, brincar, trocar abraços, conversar e se divertir ao ar livre", finaliza
Onde procurar ajuda?
CVV (Centro de Valorização à Vida) - Atendimento por ligação gratuita, 24 horas por dia, pelo número 188. Há também as opções de atendimento físico, chat e e-mail.
Pode falar - Canal de atendimento da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) criado para ajudar pessoas de 13 a 24 anos a lidarem com questões de saúde mental.
Além disso, pela rede pública, o atendimento para questões de saúde mental pode começar via atendimento pelas UBSs (Unidade Básica de Saúde) ou pelos Caps (Centros de Atenção Psicossocial) Infanto-Juvenil espalhados pelo Brasil.