Política

Venezuela, Estados Unidos e tarifaço: o que está em jogo na viagem de Lula à Colômbia

Tom do presidente brasileiro indicará até que ponto ele está disposto a enfrentar Trump sobre mais um tema sensível em meio às negociações sobre o tarifaço

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Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, Sessão de abertura do IV Fórum CELAC-China. China National Convention Center II, Pequim - China |

Foto - Ricardo Stuckert / PR
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Enviado especial à Colômbia — O Mar do Caribe em que barcos venezuelanos foram atacados pelos Estados Unidos é o mesmo que banha a cidade de Santa Marta, na Colômbia. Uma extensão de águas tropicais que une, sem fronteiras visíveis, as costas dos dois países latino-americanos.

E é nessa cidade costeira, de cerca de 600 mil habitantes, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca neste domingo (9) para participar da cúpula da Celac (Comunidade dos Estados Latino-Americanos), em um momento de alta tensão entre Washington e Caracas e de incerteza na região.

A confirmação da presença de Lula foi decidida de última hora, após semanas de escalada militar dos Estados Unidos no Caribe e de aumento da repressão interna na Venezuela. O encontro, que deveria discutir cooperação entre América Latina e Europa, ganhou contornos estratégicos e diplomáticos.

Lula chega à Colômbia em meio a uma virada positiva nas delicadas negociações com o governo americano sobre o tarifaço, o pacote de sobretaxas anunciado por Donald Trump sobre produtos brasileiros. O desafio, então, é defender a paz e a soberania regional sem comprometer as tratativas econômicas com Washington.

Somado a isso, a cúpula acontece em clima de divisão. Poucos países da Celac enviarão chefes de Estado, e muitos governos optaram por representações técnicas para evitar declarações que possam tensionar a relação com os Estados Unidos.

A presença de Lula, solicitada pelo governo do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, é arriscada e busca dar peso político à posição sul-americana de defesa da paz, mas, se for seguido o planejamento inicial, o discurso buscará evitar um alinhamento a Nicolás Maduro.

A fala do presidente brasileiro tende a mencionar a defesa da paz na América Latina e no Caribe, mas pretende excluir referências à “solidariedade à Venezuela”. A retirada do termo reflete a tentativa do governo de se distanciar de uma retórica que possa ser interpretada como apoio direto ao regime venezuelano, num momento em que as atenções estão voltadas para a escalada militar e diplomática dos Estados Unidos.

O termo “solidariedade”, inclusive, foi usado em entrevista pelo chanceler de Lula, Mauro Vieira, que posteriormente foi alertado por integrantes do próprio governo.

Apesar do contexto sensível e das negociações em curso com Washington sobre o tarifaço, fato é que Lula decidiu manter a viagem e o discurso.

Segundo fontes do governo, o presidente está convencido de que o Brasil não pode se omitir diante da escalada militar no Caribe e deve reafirmar o princípio da não intervenção.

Uma delas resume o espírito da missão e diz que Lula prefere correr o risco político a “trocar a paz da região por alguns trocados”.

A frase reflete a decisão de sustentar uma posição independente, mesmo que isso cause desconforto em um momento de reaproximação com os Estados Unidos.

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Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião restrita com o Presidente da República da Colômbia, Gustavo Petro, na Casa de Nariño – Bogotá, Colômbia | Foto: Ricardo Stuckert / PR
Presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, durante reunião restrita com o Presidente da República da Colômbia, Gustavo Petro, na Casa de Nariño – Bogotá, Colômbia | Foto: Ricardo Stuckert / PR

O temor de Lula

O envio de navios de guerra americanos ao Caribe reacendeu temores de um colapso político em Caracas, com possíveis impactos migratórios e econômicos sobre países vizinhos.

Para o Palácio do Planalto, uma crise desse tipo aumentaria a pressão sobre as fronteiras do Norte e colocaria à prova a capacidade do país de mediar conflitos regionais.

A avaliação é de que não há justificativa para o uso da força e que qualquer solução deve passar pelo diálogo multilateral.

Enquanto o Brasil tenta moderar o tom, Maduro reforça o controle interno.

Segundo a imprensa estrangeira, o governo venezuelano intensificou as prisões de dissidentes, enviou grupos paramilitares conhecidos como coletivos para bairros populares e ampliou o controle social sobre a população civil.

Numerosas, mas enfraquecidas, as tropas venezuelanas contam com cerca de 150 mil soldados e uma milícia civil estimada em até 1 milhão de integrantes, equipada com mísseis russos, drones iranianos e veículos blindados chineses.

Segundo o jornal New York Times, os caças Sukhoi de fabricação russa formam a espinha dorsal da defesa aérea venezuelana, mas boa parte do equipamento está obsoleta ou mal conservada.

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Jogada arriscada

O tarifaço de Trump, que elevou tarifas sobre produtos brasileiros, também paira sobre a reunião. O governo brasileiro tenta negociar compensações e enxerga a medida como parte de um contexto mais amplo de pressão econômica sobre economias emergentes. A diplomacia busca adotar um tom moderado, condenando a escalada militar sem romper o diálogo comercial com Washington.

O documento final da cúpula será redigido pelos presidentes da Colômbia, Gustavo Petro, e do Conselho Europeu, António Costa, e deve incluir referência aos ataques a embarcações no Caribe sob o argumento de combate ao narcotráfico.

Mesmo sem expectativa de consenso, a presença de Lula evita o fracasso total da reunião e refuta o isolamento da América do Sul, além de recolocar o Brasil no centro do debate sobre segurança e soberania no hemisfério.

Em contrapartida, no contexto interno, mexe com um vespeiro: o antipopular aceno à Venezuela.

Entre tarifas, navios e desconfianças políticas, a reunião de Santa Marta simboliza o impasse atual da região: o esforço de equilibrar pragmatismo econômico e defesa da paz em meio à disputa de poder entre Caracas e Washington.

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