STF inicia análise de recurso que contesta condenação de Bolsonaro; entenda o que pode acontecer
Julgamento no plenário virtual seguirá até 14 de novembro; etapa é a última antes do cumprimento da pena



Rafael Porfírio
Paola Cuenca
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) inicia nesta sexta-feira (7) o julgamento virtual do embargo de declaração apresentado pela defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O recurso contesta a condenação de 27 anos e 3 meses de prisão por crimes contra a democracia, no contexto da tentativa de golpe de Estado.
O processo, relatado pelo ministro Alexandre de Moraes, seguirá até 14 de novembro. O resultado será divulgado até às 23h59 do último dia de votação. Bolsonaro cumpre prisão domiciliar desde o dia 4 de agosto. Este é o último recurso antes de a condenação transitar em julgado e o ex-presidente começar a cumprir a pena em regime fechado.
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O que será analisado?
A defesa de Jair Bolsonaro apresentou um último recurso, conhecido como embargo de declaração, em 27 de outubro. Esse tipo de pedido serve para apontar possíveis falhas na decisão, como contradições, omissões ou trechos considerados confusos.
Na prática, os embargos de declaração raramente alteram o resultado do julgamento. No entanto, é comum que as defesas formulem o recurso de modo que, caso o Supremo acate os argumentos apresentados, o resultado possa ser revisto.
Essa brecha que, em tese, pode levar à mudança do placar é conhecida como "efeito infringente" ou efeito modificativo.
Além de Bolsonaro, o STF vai analisar os recursos de outros seis réus condenados, que foram apontados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como parte do “núcleo crucial” da tentativa de golpe: Alexandre Ramagem, Anderson Torres, Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira, Almir Garnier e Braga Netto.
De acordo com a investigação, o grupo tinha a missão de liderar o plano para reverter o resultado das eleições de 2022, elaborar a chamada “minuta do golpe”, tentar apoio das Forças Armadas e espalhar desconfiança sobre o sistema eleitoral e as instituições democráticas.
Quem vai votar?
No plenário virtual, os ministros votam eletronicamente, sem debate presencial. O relator publica seu voto e relatório, e os demais integrantes têm até o final da sessão para acompanhar, divergir ou pedir destaque, o que pode levar o caso ao plenário físico.
A Primeira Turma é composta por Flávio Dino (presidente), Alexandre de Moraes (relator), Cármen Lúcia e Cristiano Zanin. Com a saída de Luiz Fux para a Segunda Turma, o colegiado funciona atualmente com quatro ministros.
A dúvida é se Fux vai participar desse julgamento. Ele pediu transferência pra Segunda Turma do STF, depois de ficar isolado no caso do golpe ao ser o único voto divergente. Mesmo assim, deixou claro que queria continuar votando nesses processos.
Só que não há regra clara pra isso e quem vai decidir é o presidente do Supremo, ministro Edson Fachin.
O advogado constitucionalista, Gustavo Sampaio, acrescenta que o atual cenário é de flexibilidade interpretativa.
“Esse é o momento atual do entendimento da jurisprudência, mas aguardemos, porquanto o Supremo Tribunal tem sido muito criativo na firmação de novas e surpreendentes posições”, destacou Sampaio. “Aguardemos, mas até o início da sessão me parece que a presidência do colegiado precisará decidir sobre para quais juízes a plataforma de votação estará aberta”, finalizou.
A defesa de Bolsonaro aposta suas fichas no voto do ministro Luiz Fux, o único que defendeu absolver todos os réus do caso.
Fux disse que Bolsonaro não poderia ser condenado por apenas “cogitar” um golpe, e que, mesmo que tenha pensado nisso, acabou desistindo.
Argumentos da defesa
Os advogados de Bolsonaro tentam reduzir a pena e pedem que o STF reconheça uma “desistência voluntária” da tentativa de golpe. Alegam ainda que a defesa não teve tempo suficiente para analisar todo o material da investigação, mais de 70 terabytes de provas reunidas pela Polícia Federal (PF).
A defesa também questiona o depoimento de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens e delator premiado, dizendo que ele é “contraditório e sem provas diretas”. Cid não recorreu e cumpre pena de dois anos em regime aberto.
Durante o depoimento ao STF, em junho, Jair Bolsonaro admitiu ter discutido possíveis “alternativas” após a derrota nas eleições de 2022, mas negou qualquer envolvimento em tentativa de golpe. O ex-presidente afirmou que as propostas não seguiram adiante porque, segundo ele, não havia "clima" político, nem "oportunidade", "nem base sólida para levar qualquer plano adiante”.
O que esperar
Especialistas afirmam que os embargos de declaração têm baixo potencial de reverter decisões, servindo principalmente para esclarecer pontos do acórdão. Caso algum item seja aceito, parte da pena pode ser ajustada, mas não anulada.
A expectativa é que, após o julgamento dos primeiros recursos, os réus ainda possam apresentar novos questionamentos.
O advogado e professor da PUC-Paraná, Rafael Soares, explica que “pela tradição do que o Supremo tem feito, o cumprimento da pena se iniciaria somente após o novo recurso. Haveria publicação da decisão, prazo para as defesas e, depois disso, o início do cumprimento da pena. Esse é o prognóstico, como já ocorreu no caso do ex-presidente Collor.”
Mesmo que os recursos sejam atendidos ou rejeitados, a tendência é que o processo siga para uma segunda etapa de recursos antes da definição final.
E a prisão?
Com o encerramento do julgamento, caberá ao relator, Alexandre de Moraes, determinar o local de cumprimento das penas. Nos bastidores, aliados de Bolsonaro acreditam que o STF poderá determinar o envio do ex-presidente ao Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, já nas próximas semanas.
O local, formado por um presídio federal de segurança máxima e outro de nível estadual, já recebeu diversos políticos. Entre eles estão Valdemar Costa Neto, José Dirceu, José Genoino e Geddel Vieira Lima. Na ala federal, também esteve preso Marcos Herbas Camacho, o Marcola, um dos líderes do PCC.
Apesar de ser ex-presidente da República, Bolsonaro não teria, por lei, direito a uma instalação diferenciada dentro da Papuda. Segundo especialistas, problemas de saúde e idade avançada podem ser argumentos utilizados pela defesa para tentar uma transferência para o regime domiciliar.
O advogado e professor da PUC-Paraná, Rafael Soares, explica que essa medida não é automática.
“O simples fato de ter 70 anos ou uma doença não gera uma prisão domiciliar automática. Haverá um cuidado, seja pelo Estado ou pela defesa, de demonstrar que o ambiente não é capaz de atender às especificidades da pessoa custodiada”, disse.
Segundo o advogado criminalista e professor da PUC-Rio Grande do Sul, Aury Lopes Junior, o mais provável é que Bolsonaro vá para o sistema prisional comum.
“A tendência é que ele seja preso. Só depois, se houver motivo comprovado, pode haver pedido de domiciliar. O sistema prisional tem hospital e estrutura para cuidar dos presos.”
O ministro Alexandre de Moraes negou o pedido do governo do Distrito Federal (GDF) para submeter o ex-presidente Jair Bolsonaro a uma avaliação médica antes da definição de sua pena. O magistrado defende falta de pertinência com o momento processual.
Em outro momento, quando Jair Bolsonaro passar para a fase de execução penal, o governo do DF pode fazer o pedido novamente e ter uma resposta definitiva de Moraes. No momento, ele determinou a retirada do pedido da ação penal do chamado núcleo 1 da tentativa de golpe.
A expectativa é de que, após o julgamento dos primeiros recursos, os réus ainda possam questionar o STF mais uma vez. O especialista Rafael Soares explica como deve ser o procedimento.
“Pela tradição do que o Supremo tem feito, eventual cumprimento de pena se iniciaria somente após o novo recurso. Haveria publicação dessa decisão, prazo para as defesas e, daí, o exame desses recursos e, eventualmente, o início do cumprimento de pena. Esse é o prognóstico. Fazendo uma comparação com os julgamentos anteriores, até o caso do ex-presidente Collor foi assim que ocorreu”, afirma o advogado.
Movimentação política
Parlamentares da oposição tentam acelerar na Câmara a votação do projeto de lei da anistia, que perdoa condenados por envolvimento na tentativa de golpe e nas invasões de 8 de janeiro. A proposta já teve a urgência reconhecida e aguarda inclusão na pauta pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (RJ), afirmou que as negociações estão avançadas.
“Já temos conversas muito avançadas. O deputado Paulinho da Força tem dialogado com o presidente Hugo. Estamos otimistas de votar o relatório até o fim da semana,” destacou.
O relator do projeto, deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), aposta em aprovação ampla, mas defende um texto que reduza penas, em vez de conceder perdão total. Por isso, rebatizou a proposta de "PL da Dosimetria".
“Conto com apoio dos partidos de centro e da direita, o que daria cerca de 350 votos. Essa medida pode pacificar o país, soltando os condenados de 8 de janeiro e reduzindo as penas dos principais líderes.”








