Relatora no Conselho de Ética da Câmara vota pela cassação de mandato do deputado Chiquinho Brazão
Parlamentar é acusado de ser um dos mandantes do atentado que resultou na morte da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes
A relatora da representação do Psol contra o deputado federal Chiquinho Brazão (sem partido-RJ) no Conselho de Ética da Câmara, Jack Rocha (PT-ES), votou pela cassação do mandato do congressista, por quebra do decoro parlamentar por supostamente ele ser um dos mandantes do atentado que resultou na morte da vereadora Marielle Franco, do Rio de Janeiro, e do motorista Anderson Gomes, em 2018, e ter cometido outras irregularidades. Jack leu seu voto em sessão do colegiado nesta quarta-feira (28).
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"As provas coletadas tanto por esse colegiado quanto no curso do processo criminal são aptas a demonstrar que o representado tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo", afirmou a deputada.
No voto, a relatora ressaltou que a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) de envolvimento do parlamentar no plano de execução da vereadora aponta que os irmãos Chiquinho e Domingos Brazão mantinham vínculos com milicianos e usavam cargos políticos para consolidar essas relações.
"A denúncia também inclui acusações de homicídio, mencionando que o representado e seus irmãos, em conluio com outros membros de organização criminosa, foram responsáveis pela morte de Marielle Franco e Anderson Gomes", pontuou Jack.
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"O crime foi motivado pela oposição de Marielle às atividades ilegais dos Brazão e suas propostas de políticas urbanísticas habitacionais que contrariavam os interesses do grupo criminoso."
Segundo a relatora, a PGR detalhou como Domingos e Chiquinho "utilizavam suas influências políticas para nomear comparsas em cargos estratégicos, facilitando a execução de suas operações ilícitas".
Ela prosseguiu: "Esses vínculos foram essenciais para a perpetuação do controle territorial, a exploração econômica das áreas sob influência dos Brazão, mostrando uma clara integração entre as atividades de grilagem, milícia, para consolidar e expandir seu poder e patrimônio".
O que diz a defesa
A relatora leu voto após Chiquinho e advogado Cleber Lopes falarem na sessão. Novamente, o deputado, preso desde de março pelo suposto envolvimento no caso Marielle, se disse inocente.
"A vereadora Marielle era minha amiga", afirmou. Segundo ele, não teria qualquer motivo para se envolver na execução, porque sempre foram "parceiros" e 90% da votação dele coincide com a dela na Câmara Municipal.
"Sobre a votação onde eles acusam até sobre o fato inclusive de milícia, isso e aquilo, são as comunidades que eu sempre frequentei, que eu fui criado praticamente", declarou.
Ele disse ainda que é acusado de participação em milícia porque leva obras para comunidades controladas por milicianos, mas que fez isso porque era aliado do Executivo.
"Todos que me conhecem sabem que eu sempre andei sozinho, no máximo com motorista. Eu sempre andei sozinho. E dentro da Câmara, o pouco tempo que nós ficamos juntos, a Marielle, se pegar as filmagens, como tem aí diversas, ela falando de mim, falando bem", pontuou.
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Conforme Chiquinho, com exceção do assassino confesso Ronnie Lessa, não há qualquer outra testemunha de acusação. "Não tem uma testemunha que fala de mim. Então é uma aversão minha e do meu irmão totalmente descabível, porque a gente sempre andou sozinho. E o voto é produto do trabalho que você desempenha".
De acordo com o deputado, ele e o irmão sempre fizeram "campanha onde tinha área de milícia ou de tráfico". O parlamentar se apresentou como defensor do debate.
"Eu sempre defendi que um debate tem que ser feito, e assim o próprio assessor da Marielle fala que eu sempre defendi o debate. Palavras dele", falou.
"Eu sempre defendi que a esquerda pudesse ter o debate. Eu fui o vereador que mais assinou, tirando o pessoal da esquerda, para a esquerda ter direito a poder fazer o debate no plenário."
Atos anteriores ao mandato
Jack rebateu argumento da defesa de Chiquinho de que ele não poderia ser punido pelo Conselho de Ética nesse caso porque a acusação é de crime ocorrido antes de ele assumir o cargo de deputado federal.
Segundo a relatora, a Câmara tem precedente, obtido a partir do julgamento do caso em que a representada era Jaqueline Roriz, no sentido de que congressistas podem ser punidos por atos praticados antes do mandato, "desde que o fato ilícito à época em que cometido tenha ficado desconhecido do Parlamento e seja capaz, quando descoberto, de atingir a honra e a imagem da Câmara dos Deputados".
Nas palavras de Jack, "a assunção de um mandato parlamentar não pode em hipótese alguma ser tratada como uma espécie de perdão automático de condenáveis e erros cometidos no passado".
Ela pontuou que, ao relegar ao esquecimento as ações que ferem o decoro parlamentar, os deputados permitem que a honra do Legislativo "seja manchada, comprometendo a confiança pública naqueles que deveriam ser exemplo de probidade e respeito às leis". "Não podemos permitir que a eleição se torne um instrumento para assegurar a impunidade".
Jack também salientou que os processos no Conselho de Ética têm natureza político-administrativa, diferentemente das ações penais e civis. "As decisões penais e civis não influenciam as deliberações do Conselho, conforme o entendimento do próprio STF, que já se posicionou no sentido de que um parlamentar pode ser absolvido criminalmente e ainda assim ter o seu mandato cassado por fato de decoro".
Morte de Marielle
O assassinato de Marielle Franco, pontuou a deputada, representou um ato de brutalidade e um "exemplo devastador de violência política de gênero". Segundo Jack, o caso é "emblemático ao destacar a intersecção entre a violência de gênero e a violência política, onde a sua atuação como mulher na política foi alvo de ataques mortais".
A relatora afirmou que o assassinato foi premeditado e praticado em "contexto que visava a silenciar uma voz poderosa contra as desigualdades e a violência estatal, demonstrando características de um crime hediondo, sob o escopo da legislação brasileira".
Para Jack, a morte da vereadora foi um ataque pessoal e uma tentativa de "silenciar uma mulher que estava quebrando barreiras e desafiando as estruturas de poder profundamente enraizadas".
Evidências significativas
A relatora afirmou que a análise dos fatos e evidências sugere que Chiquinho "mantinha uma relação com as milícias do Rio de Janeiro". Segundo ela, a oposição de Marielle às atividades ilegais das milícias e suas propostas de políticas públicas contrárias aos interesses de Domingos e Chiquinho Brazão "fornecem uma motivação clara para o assassinato". "Portanto, a imputação de que o representado é um dos mandantes da morte de Marielle Franco é verossímil e sustentada por evidências significativas", acrescenta.
Agora, membros do Conselho de Ética discutem o parecer da relatora. A votação deve acontecer ainda nesta quarta.