'PEC das praias' retira propriedade exclusiva da União sobre terrenos no litoral; entenda ponto a ponto
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) apresentou parecer favorável ao texto, que tramita na Comissão de Constituição e Justiça do Senado
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que possibilita que estados, municípios e particulares sejam donos de áreas no litoral brasileiro atualmente pertencentes à União tramita no Senado Federal desde fevereiro de 2022. Aprovada pela Câmara dos Deputados no dia 22 daquele mês, a 'PEC das praias' está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa Alta.
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O relator no colegiado é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que apresentou parecer favorável ao texto em 16 de agosto de 2023. Em seu relatório, Flávio ressalta não ter havido emendas de outros senadores à PEC no prazo regimental. Ele vota pela aprovação da proposta com uma emenda de redação de sua autoria, que muda a ementa; com a nova versão, fica mais claro que a PEC altera a Constituição Federal para dispor sobre os chamados terrenos de marinha.
Terrenos de marinha são áreas com 33 metros de profundidade, medidos horizontalmente, em direção à parte da terra, contados a partir da linha do preamar médio (LPM) de 1831, situadas no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas, até onde se faça sentir a influência das marés, ou que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influência das marés. A LPM de 1831 é a média da maré alta apurada naquele ano.
O que diz a PEC?
Atualmente, todos os terrenos de marinha pertencem à União; o artigo 20 da Constituição de 1988 diz que são bens da União os terrenos de marinha e seus acrescidos, entre outros itens. Os acrescidos são os terrenos que se tiverem formado, natural ou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento nos de marinha.
A PEC em tramitação no Senado revoga inciso do artigo 20 da Constituição e parágrafo do artigo 49 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), para afastar o instituto da enfiteuse sobre os terrenos de marinha e de transferir para a própria Proposta de Emenda à Constituição as regras sobre o domínio público desses tipos de terrenos e de seus acrescidos.
Enfiteuse é o direito que um proprietário possui de atribuir a utilização de uma propriedade mediante o pagamento de uma taxa; o parágrafo que a PEC revoga diz que "a enfiteuse continuará sendo aplicada aos terrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurança de cem metros de largura, a partir da orla marítima".
O artigo 1º da Proposta de Emenda à Constituição pontua que as áreas definidas como terrenos de marinha e seus acrescidos passam a ter sua propriedade estabelecida da seguinte forma:
- continuam sob o domínio da União as áreas afetadas ao serviço público federal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos e a unidades ambientais federais, e as áreas não ocupadas;
- passam ao domínio pleno dos respectivos Estados e Municípios as áreas afetadas ao serviço público estadual e municipal, inclusive as destinadas à utilização por concessionárias e permissionárias de serviços públicos;
- passam ao domínio pleno dos foreiros e dos ocupantes regularmente inscritos no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação desta Emenda Constitucional;
- passam ao domínio dos ocupantes não inscritos, desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos 5 (cinco) anos antes da data de publicação desta Emenda Constitucional e seja formalmente comprovada a boa-fé;
- passam aos cessionários as áreas que lhes foram cedidas pela União.
Foreiro, citado no antepenúltimo ponto, é a pessoa que recebe os direitos de um imóvel do proprietário desse imóvel. No caso, se refere especificamente ao indivíduo que recebeu os direitos do terreno de marinha ou acrescido da União, a proprietária. Já cessionário, citado no último, é o que recebe algo em uma situação de cessão, ou seja, em que um indivíduo cede algo a outro. No caso, é a pessoa para a qual a União cedeu o terreno ou acrescido.
A PEC diz que a transferência dos terrenos de marinha e acrescidos, sobre a qual fala o artigo 1º, será feita de forma:
- gratuita, no caso das áreas ocupadas por habitação de interesse social e das áreas de que trata o inciso II do caput deste artigo;
- onerosa, nos demais casos, conforme procedimento adotado pela União nos termos do art. 3º desta Emenda Constitucional.
Isso significa que, no caso das áreas ocupadas por habitação de interesse social e daquelas afetadas ao serviço público estadual e municipal, a transferência seria uma doação. Estados e municípios receberiam as áreas por doação, por exemplo.
Nos demais casos, como nos de particulares, seria preciso comprar a terra da União.
Terrenos de marinha e acrescidos não ocupados requeridos para o fim de expansão do perímetro urbano seriam transferidas ao município, desde que atendidos requisitos.
O artigo 2º da PEC veda a cobrança de foro e de taxa de ocupação dos terrenos de marinha e seus acrescidos, bem como de laudêmio sobre as transferências de domínio, a partir da data de publicação da Emenda Constitucional. Laudêmio é uma valor que, atualmente, deve ser pago ao proprietário do terreno quando se vende ou transfere imóvel localizado em terrenos de marinha.
Já o artigo 3º diz que a União adotará as providências necessárias para que, no prazo de até dois anos, sejam efetivadas as transferências de terrenos de marinha e acrescidos.
Nas transferências de que trata o terceiro ponto do artigo 1º, isto é, nas transferências para os foreiros e os ocupantes regularmente inscritos no órgão de gestão do patrimônio da União, seriam deduzidos os valores pagos a título de foros ou de taxas de ocupação nos últimos cinco anos, corrigidos pela taxa do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic).
A Emenda Constitucional entraria em vigor na data de sua publicação no Diário Oficial da União (DOU).
O que diz Flávio Bolsonaro
Em seu relatório, Flávio Bolsonaro afirma não haver dúvidas das virtudes da PEC. "O fato é que o instituto terreno de marinha, da forma que atualmente é disciplinado pelo nosso ordenamento, causa inúmeras inseguranças jurídicas quanto à propriedade de edificações", pontua.
"É imperioso enfrentar esse tema e conferir soluções mais adequadas para a população que vive sob os influxos das marés".
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Ele prossegue: "Para solucionar esse grave problema, a PEC aqui analisada traz regramento adequado e equilibrado para os terrenos de marinha. A Proposta apresenta critérios claros sobre a propriedade desses bens, conferindo segurança jurídica às partes envolvidas".
Para ativista Rodrigo Thomé, porém, um dos fundadores da ONG Euceano, a PEC vem como "desculpa de modernizar e desburocratizar, facilitando acesso e uso" dos terrenos de marinha. Thomé aponta possíveis riscos ambientais de privatizar essas faixas, "fundamentais para manter estruturas biológicas daquele ambiente intactas e preservadas".
Ainda não há data prevista para votação do relatório de Flávio Bolsonaro na CCJ do Senado.