Moraes diz que Freire Gomes mentiu para a polícia ou mentiu no depoimento ao STF
Ministro acusa general de versões conflitantes; réu nega e diz ter apenas alertado Bolsonaro sobre ilegalidades

Ellen Travassos
Paola Cuenca
Durante depoimento no Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira (19), o ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, foi advertido pelo ministro Alexandre de Moraes após divergências entre seu testemunho na Polícia Federal (PF) e as declarações prestadas à Corte sobre a trama golpista.
Moraes afirmou que o general na condição de testemunha, não pode apresentar versões contraditórias sobre os fatos e alertou sobre as consequências de mentir no depoimento. O ministro foi enfático: "Se mentiu na polícia, tem que dizer que mentiu na polícia. Agora não pode dizer perante o STF que não lembra, não sabe, estava focado somente no que ele sabe."
+Éder Balbino diz que Bolsonaro não participou de reuniões de investigação das urnas
O ministro lembrou que Freire Gomes, como ex-comandante do Exército, "está preparado para lidar com tensão" e destacou trechos do depoimento na PF que o militar teria afirmado que o general Baptista Júnior era contrário a determinadas ações, enquanto o almirante Garnier teria se colocado "à disposição do presidente".
"Então, ou o senhor estava mentindo na Polícia Federal ou mentiu aqui", questionou Moraes.
Em resposta, Freire Gomes negou ter mentido ao STF e afirmou: "Eu nunca mentiria aqui. O que eu quis dizer é que eu e o brigadeiro Baptista Júnior nos colocamos contrários ao assunto. Não me recordo da postura do ministro da Defesa, e o almirante Garnier tomou a postura de ficar ao lado do presidente, mas eu não posso inquirir o que ele quis dizer com 'estar com o presidente'. A intenção com o que ele disse não me cabe."
+ Trama golpista: Bolsonaro e Braga Netto pedem que STF suspenda audiências de testemunhas
Moraes lembrou que, em depoimento à PF, o ex-comandante do Exército afirmou ter participado de uma reunião no final de 2022 na qual o então presidente Jair Bolsonaro discutia a possibilidade de um golpe de Estado. Na ocasião, Freire Gomes teria dito a Bolsonaro que, caso a medida fosse adiantada, ele seria obrigado a prendê-lo.
No entanto, perante o STF, o general suavizou sua fala, afirmando que apenas alertou Bolsonaro sobre os riscos de agir fora da lei. "A mídia até disse que eu dei voz de prisão ao presidente, e isso não aconteceu", declarou.
"Meu alerta foi bem cordial. Apontei a necessidade de apoios nacionais e internacionais, o aval do Congresso e as consequências jurídicas". E enfatizou: "Deixei claro que o Exército não participaria de algo fora de nossa função constitucional". Sobre a reação do então presidente: "Ele concordou e não falou mais no assunto".
Freire Gomes explicou que, em conversas com outros comandantes militares, deixou claro que qualquer medida contra o processo eleitoral seria ilegal. A diferença entre as duas versões chamou a atenção do ministro, que destacou a obrigação da testemunha de manter coerência em seus depoimentos.
Ele revelou detalhes importantes sobre essas reuniões, especialmente a de 7 de dezembro de 2022, quando foram convocados sem pauta prévia: "Fomos chamados pelo ministro da Defesa por ordem do presidente. Não sabíamos do assunto que seria tratado". Na ocasião, um assessor apresentou um documento com "considerandos" sobre possíveis medidas excepcionais.
Questionado sobre um suposto "inimigo" mencionado por Nogueira em reunião de 5 de julho, Freire Gomes explicou: "É um termo corriqueiro no meio militar, talvez usado em momento inadequado". Quando instado sobre se referia a adversários, respondeu: "Eu diria que foi uma expressão inadequada".
Documento mencionava prisão de Moraes
Em meio às tensões do depoimento, Freire Gomes revelou detalhes preocupantes sobre a reunião de 14 de dezembro, convocada pelo então ministro da Defesa Paulo Sérgio. O general confirmou ter tido acesso a uma minuta que mencionava explicitamente "questão de prisão de autoridade", sugerindo tratar-se do ministro Alexandre de Moraes, embora o nome não estivesse expresso no documento. Essa reunião crucial ocorrida dias antes dos ataques às instituições ganhou novos contornos com o relato do militar.
Os questionamentos se estenderam para o encontro entre Bolsonaro e o general Theophilo, comandante do Coter, em 9 de dezembro. Freire Gomes explicou que o presidente, sentindo-se isolado, solicitou através de seu ajudante de ordens a presença do general Theophilo.
O ex-comandante do Exército admitiu ter ficado desconfortável com a situação, não apenas pela forma incomum do convite, mas principalmente pelo contexto das reuniões anteriores e pelas pressões que Bolsonaro sofria.
"Eu sabia que ele vinha entendendo que não tinha mais o que fazer sobre as eleições", afirmou, acrescentando que acreditava ser uma tentativa de acalmar o presidente diante das pressões de grupos externos.
Questionado sobre a importância estratégica do Comando de Operações Terrestrer (Coter), Freire Gomes foi enfático ao esclarecer que se trata de um órgão de planejamento e preparo de tropas, sem comando direto sobre efetivos. Essa explicação buscava desfazer qualquer interpretação de que o encontro com Theophilo pudesse significar um movimento operacional. O general manteve a tese de que sua preocupação maior era com o estado emocional do presidente, já que "havia grupos de fora que queriam que o presidente tomasse outra atitude", embora não soubesse especificar qual seria essa ação.