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Política

Nelson Jobim: "Introduziu-se na política o viés do ódio"

Jurista reflete sobre os 35 anos da Constituição de 88, fala de política e dos bastidores da constituinte

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Jobim reflete sobre os 35 anos da CF 88 e garante: 'Não precisamos de uma nova Constituição'
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Ele testemunhou como poucos os bastidores do processo legislativo para a construção da Constituição Federal de 1988. Transitou com maestria pelos Três Poderes da República. Foi deputado federal constituinte, ministro da Justiça, ministro e presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e ministro da Defesa. Aplicado, de personalidade forte, o jurista não foge de embates e é movido por desafios.

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Em quase quatro décadas de vida pública, no dia do aniversário dos 35 anos da Constituição Federal de 88, nesta 5ª, 5 de outubro de 2023, Nelson Jobim reflete sobre os desafios do país, fala de política, bastidores da Constituinte, legados e embates entre os Poderes e políticos. "Hoje você não tem adversários políticos, tem inimigos políticos", avalia. 

Em mais de quarenta minutos de conversa com a equipe do SBT, Jobim se debruçou sobre a Carta de 88, mas não fugiu de temas sensíveis. Afirmou que a política hoje traçou uma nova linha de atuação: a política do ódio.

"A política mudou completamente a sua situação. Hoje introduziu-se na política um novo viés, que é o viés do ódio. Você não tem mais adversários políticos como a gente tinha na época, você tem inimigos políticos", afirma. 

Jobim se recorda dos embates "combinados" entre os políticos na época da constituinte e até o início dos anos 2000. E atribui ao novo modelo uma nova geração de políticos que não tiveram experiência na política estudantil. "Ao passo que os políticos de ontem, todos, grande parte, veio da política estudantil", frisa.

"Nós brigávamos no plenário da Constituinte e depois íamos jantar todos juntos. Era debate, e podiam ser acalorados ou não, e grande parte deles eram combinados antes (risos)."

Na conversa descontraída, o jurista, que é uma das mais ativas testemunhas da redação da atual Constituição, contou que antes de assumir uma vaga no parlamento, em 1987, dava aulas de Filosofia Analítica e Lógica Matemática -- matérias que, segundo ex-assessores, nunca deixou de estudar. Jobim lembrou de episódios polêmicos, do método de trabalho e do bom trânsito da caserna à toga, passando do parlamento ao Planalto. 

A Constituição pelo constituinte

Deputado federal constituinte de primeiro mandato, em 1987 o advogado gaúcho de 41 anos à época logo alçou o posto de protagonista. A atuação é atribuída ao empenho e à capacidade de organização. Jobim participou do processo de elaboração do Regimento da Assembleia Nacional Constituinte e foi sub-relator da Comissão de Sistematização. Coube a ele criar os temas para as 24 subcomissões e 8 comissões temáticas em que os parlamentares se dividiram para deliberar sobre assuntos variados. 

"Eu tive algum destaque na Constituinte não por ter poder político, mas foi o fato de que eu me preparei para aquilo. Ou seja, quando eu me elegi em 86 eu resolvi estudar todos os regimentos internos das constituintes brasileiras e também os regimentos das constituições dos Estados dominados pela União Soviética, e também as Constituições posteriores aos regimentos autoritários. E aí eu estudei tudo aqui, como fizeram, como deixaram de fazer e etc.", afirma Jobim. 

O jurista, que foi braço direito de Ulysses Guimarães, conta que logo chamou atenção do presidente da Assembleia Nacional Constituinte pelo conhecimento das constituições portuguesas, espanholas e de outras cartas externas, e por conta da organização no trabalho. 

"O Dr. Ulysses estava com a cabeça sobre como fazer o regimento. E começou a falar sobre o regimento, e eu fiz algumas interrupções. Mas esse modelo é o modelo que foi adotado em tal ano, em tal país. Aí ele ficou olhando, 'mas o senhor conhece isso aí'? E aí o que ia ser um hora de conversa, trinta minutos, virava duas horas", se recorda. 

Suas fichas de arquivo carregavam o mapeamento de partidos, propostas e nomes, em uma época em que a tecnologia não era aliada. O estudo de como os parlamentares se comportariam para elaborar o regimento interno da Lei Maior do País foi um dos maiores desafios, segundo Jobim. "Sem computador, as pessoas se confundiam. Eu organizei tudo, eu tinha toda a árvore, as discussões, e aí ajudei bastante. Mas veja, não tinha autoridade política", faz questão de frisar. 

Peça fundamental na Constituinte, o ex-ministro repetiu em alguns momentos na entrevista que não exercia poder decisório. "Eu participava de todas as reuniões com o Dr. Ulysses, que era do processo decisório, mas eu não participava da decisão em si. Eu era indispensável para o debate, não para decidir. Eu examinava, por exemplo, as posições que cada um tinha, e dizia: olha, esse aqui tem inconveniente aqui, tem inconveniente lá. Quem decidia eram eles", garante.

Nelson Jobim em reunião com lideranças do Congresso durante a Assembleia Constituinte | Reprodução/SBT

Da toga à tanga 

Jobim repercutiu a importância da participação popular e reiterou que a expressão pode ser substituída por participação de "segmentos do povo brasileiro". 

"Dizia um amigo, que era o professor Miguel Reale Júnior, ele usava uma expressão curiosa: Na Constituinte, estavam da toga à tanga. Porque tinha tudo, tinha juízes, tinham indígenas, movimento negro, etc e tal. Isso foi muito bom  porque era um período pra gente conseguir ajustar os entendimentos. Quando você diz que houve uma participação popular, nós devemos dizer, usar outra expressão, acho que a expressão mais correta é participação de segmentos do povo brasileiro".

Assista à entrevista completa com o jurista Nelson Jobim:

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