Oruam mediou chamadas de vídeo entre chefes de facções rivais: "agente articulador", diz polícia
Imagens em que o cantor aparece ao lado do traficante "Doca" estão em relatório obtido com exclusividade pelo SBT

Emanuelle Menezes
Bruno Assunção
O rapper Oruam, preso na terça-feira (22) após impedir a apreensão de um adolescente procurado por tráfico de drogas e roubo, mantém vínculos com lideranças de facções criminosas e atuou na mediação de conversas entre o chefe do Comando Vermelho (CV), o Doca, e rivais do Terceiro Comando Puro (TCP), segundo a Polícia Civil. As informações estão no relatório de inteligência da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) e foram obtidas com exclusividade pelo repórter Bruno Assunção, do SBT Rio. A partir dele, o artista foi indiciado por sete crimes (saiba mais abaixo).
"A importância dessa informação é de grau elevadíssimo, na medida em que revela, com clareza incomum, a existência de um canal direto de comunicação entre o investigado e os principais líderes do narcotráfico fluminense", diz o documento.
+ Oruam falou com o SBT antes de prisão: "Não sou bandido"
Para a polícia, Oruam "exerce função de destaque, com acesso privilegiado e respeitabilidade dentro do universo criminoso, seja como financiador, intermediador, símbolo de status ou mesmo como agente operacional" do tráfico. O artista é chamado de "agente articulador" do tráfico no relatório que embasou o pedido de prisão.
Dias antes da confusão ocorrida na frente da mansão do rapper, no Joá, zona oeste do Rio de Janeiro, prints de chamadas de vídeo em que Oruam aparece ao lado de Doca, conversando com "Cocão" e "Coelhão", chefes do tráfico da comunidade da Serrinha, em Madureira, vazaram. A favela é comandada pelo Terceiro Comando Puro (TCP), facção rival do Comando Vermelho. Outras imagens de conversas com o traficante "Rabicó", chefe do Complexo do Salgueiro, também vieram à tona.

Segundo o relatório, Oruam intermediava nessas conversas "a formação de uma aliança estratégica para cessar os confrontos armados" entre o CV e o TCP. Para a Polícia Civil, o enfrentamento entre as facções têm causado perdas relevantes para as organizações criminosas.
"A reunião virtual, mediada por figuras de relevância no tráfico de drogas, teria como propósito reduzir os danos decorrentes dos conflitos internos, que têm atraído forte reação do aparato estatal, especialmente da Polícia Civil", diz o documento.
A Polícia Civil sustenta que o rapper usa do "rótulo de artista" para "encobrir sua real identidade e atuação no submundo do crime".
"Essa dupla identidade, combinando a visibilidade pública do meio artístico com articulações no ambiente criminal, torna a atuação de Oruam ainda mais perigosa, pois permite que ele transite livremente entre mundos distintos, com aparência de legalidade, ao mesmo tempo em que contribui para o fortalecimento de estruturas ilícitas", diz o relatório.
Indiciado por 7 crimes
Oruam foi indiciado por 7 crimes: desacato, resistência, ameaça, dano, lesão corporal, tráfico de drogas e associação para o tráfico. Após a Justiça do Rio decretar a prisão preventiva do rapper, ele se apresentou voluntariamente ao sub-secretário da Polícia Civil, Carlos Alberto de Oliveira, em um posto de gasolina na Avenida Brasil.
O artista passou por audiência de custódia na tarde de quarta-feira (23). A juíza Rachel Assad da Cunha manteve a prisão preventiva e ele foi levado para a Penitenciária Dr. Serrano Neves, no Complexo de Gericinó, em Bangu, onde está em uma cela individual e separado dos demais detentos.
"Não sou bandido", diz rapper
Em entrevista exclusiva ao SBT, antes de se apresentar à polícia, Oruam negou qualquer envolvimento com o crime organizado e comentou a confusão ocorrida em frente à sua casa.
"Não sou bandido, tudo o que eles querem é que eu fique aqui, mas eu não sou bandido, então vou me entregar", afirmou.
O artista, junto de um grupo de amigos, xingou e atirou pedras em agentes – incluindo o delegado Moysés Santana, da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) – que foram ao local para apreender o adolescente "Menor Piu", de 17 anos. Contra o jovem, havia um mandado de busca e apreensão por atos infracionais análogos ao tráfico de drogas e crimes patrimoniais, expedido pela Vara da Infância e Juventude. O cantor pediu desculpas ao delegado e alegou que não sabia do que se tratava a ação policial.
"Eu tava saindo de casa, do nada vi um carro saindo muito voado e saiu falando: 'Perdeu, perdeu', totalmente descaracterizado. Eu não entendia o que tava acontecendo", disse o rapper ao relembrar o momento.
Mansão virou "refúgio de criminosos"
O Ministério Público do Rio de Janeiro afirmou na terça-feira (22), em representação pela prisão do rapper, que a casa dele se tornou um refúgio "de criminosos foragidos". O parecer do órgão foi acolhido pela juíza Ane Cristine Scheele Santos, do Plantão Judiciário do Tribunal de Justiça, que decretou a prisão preventiva do artista.
"A vinculação orgânica do representado [Oruam] com a organização criminosa Comando Vermelho, evidenciada pela reiterada utilização de sua residência como local de acoitamento de criminosos foragidos e pela ostentação pública de sua filiação à facção, demonstra que sua liberdade representa risco concreto e atual à segurança da coletividade", diz o MPRJ.
Essa é a segunda vez que um foragido da Justiça é encontrado no interior da residência do cantor. Em fevereiro, agentes cumpriam dois mandados de busca e apreensão em endereços ligados a ele quando encontraram o traficante Yuri Pereira Gonçalves, procurado pelo crime de organização criminosa, na mansão do Joá. Com o suspeito, conhecido como "Batata", foram encontradas uma pistola 9mm com kit rajada, de uso restrito e com numeração raspada, além de munições.
Ao anunciar o indiciamento de Oruam para a imprensa, na manhã desta terça, o secretário de Polícia Civil, delegado Felipe Curi, afirmou que ele era "um marginal, bandido, delinquente, criminoso e associado para o tráfico. Um bandido da pior espécie".
"Se alguém tinha alguma dúvida de que o Oruam é um artista periférico ou um marginal, hoje nós temos a certeza de que se trata de um bandido da pior espécie, associado à facção criminosa Comando Vermelho, da qual o pai dele [Marcinho VP] é o chefe e controla a distância, de fora do estado, mesmo estando acautelado em presídio federal", disse Curi.
Quem é Oruam

O rapper Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, conhecido como Oruam, é filho de Marcinho VP, um dos chefes do Comando Vermelho, condenado a 44 anos de prisão por crimes, como homicídio, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Aos 24 anos, o músico se destaca pelo estilo de vida ostentador e tem mais de 10 milhões de ouvintes mensais no Spotify.
Apesar do laço familiar, o cantor nega ligações com o crime organizado e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. "Tudo o que eu conquistei foi com minha música", disse Oruam em vídeo publicado nesta madrugada.
Ativo nas redes sociais, ele tem mais de 2,1 milhões de seguidores em sua conta reserva no Instagram. O perfil principal foi derrubado. Seus fãs, a "Tropa do Oruam", são fiéis e o acompanham para todo canto – incluindo na delegacia. Em fevereiro, quando foi levado para a Cidade da Polícia, saiu do local sob gritos e aplausos dos admiradores.
O artista vem se envolvendo em polêmicas desde 2024, quando pediu a liberdade do pai durante uma apresentação no festival de música Lollapalooza. À época, ele foi duramente criticado, mas se explicou dizendo que havia feito apenas um "desabafo".
"Meu pai errou, mas está pagando pelos seus erros e com sobra. Não tentem tirar de uma pessoa o direito de reivindicar condições melhores para o seu pai, e nem de querer vê-lo em liberdade", disse o músico na época.
Neste ano, uma vereadora de São Paulo protocolou um Projeto de Lei para impedir que a prefeitura da cidade contrate shows de artistas que fazem supostamente apologia às drogas e ao crime organizado. O projeto, conhecido como "Lei anti-Oruam", também acabou protocolado na Câmara Municipal do Rio de Janeiro.