Família cobra justiça pela morte de jovem de 17 anos e denuncia impunidade no país
Assassinato de Igor Donizete, na zona sul de São Paulo, continua sem solução após oito meses, refletindo a baixa taxa de elucidação de homicídios no Brasil
Flavia Travassos
Natalia Vieira
Um jovem alegre, com um futuro inteiro pela frente. Igor Donizete Abrile de Lona tinha 17 anos quando foi morto na porta de casa, na zona sul de São Paulo.
Imagens de câmeras de segurança mostram o rapaz encostado em um carro, conversando com amigos na entrada de uma comunidade. Em seguida, uma motocicleta com dois homens se aproxima. O garupa, que carregava uma mochila de entregador, sem descer da moto, dispara cinco vezes.
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Os pais, Ana Paula e Fabrício, estavam em casa e ouviram os tiros.
“Quando eu vi todo mundo gritando que era o Igor, desci correndo pra ver se era ele mesmo. Chegando lá, era realmente ele. Voltei pra dentro de casa, peguei a chave do carro, dei ré, o pessoal ajudou a colocar ele dentro e levei pro hospital Campo Limpo”, contou o pai, Fabrício Augusto de Lona.
Igor foi atingido por quatro tiros e não resistiu.
“Eu sempre trabalhei muito. Por que não tirei meus filhos dali antes? Eu me pergunto o que foi que eu fiz pra merecer isso. Meu filho tomou quatro tiros e, até hoje, não há resposta. O que eu escuto é que ele foi um alvo errado, na hora errada”, desabafa a mãe, Ana Paula Abrile.
Fabrício lembra com emoção do filho:
“Ele ainda era muito inocente, brincalhão, não tinha malícia. Respeitava todo mundo. Trabalhava, ajudava a cuidar dos irmãos. Não tem o que falar dele”, disse o pai, emocionado.
Já se passaram quase oito meses, e o crime continua sem resposta.
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A advogada da família, Cinthya Nunes, explica as dificuldades da investigação: “conversei diretamente com os investigadores e eles disseram: ‘Doutora, há limitação porque ninguém fala. Não há câmeras que mostrem o rosto. A moto tinha placa fria’. Assim, o caso acaba ficando fora do alcance da Justiça”.
De acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz, apenas 36% dos homicídios registrados no país em 2023 foram esclarecidos até o fim do ano passado. O sucateamento da Polícia Civil, com falta de efetivo e estrutura, é um dos principais fatores.
A pesquisadora e coordenadora de projetos do Instituto, Beatriz Graeff, explica: “essa situação que observamos em muitos estados reflete uma política de segurança pública que, nos últimos anos, tem priorizado quase exclusivamente o policiamento ostensivo. A maioria das vítimas são jovens, negros, moradores das periferias — e essa realidade ainda está muito distante da atenção pública adequada”.
O Distrito Federal lidera o ranking de homicídios esclarecidos (96%), seguido por Rondônia (92%) e Paraná (72%). Já o estado de São Paulo ocupa a 13ª posição, com apenas 31% das investigações concluídas.
Casos de grande repercussão também seguem sem solução, como o assassinato do empresário Adalberto Amarílio dos Santos, encontrado morto há quatro meses em uma obra no Autódromo de Interlagos, na capital paulista. Cinco seguranças são suspeitos de envolvimento, mas ninguém foi preso, e o crime ainda é um mistério.
Segundo especialistas, a falta de solução para os homicídios gera uma sensação de impunidade, que acaba incentivando criminosos a cometer novos crimes. Além disso, a ausência de um sistema nacional unificado para monitorar as investigações dificulta a aplicação de recursos e políticas públicas.
Beatriz Graeff reforça: “Esclarecer homicídios é um fator de enfrentamento direto às facções criminosas. Essa criminalidade, que atinge diretamente o cidadão, está organizada em redes ilegais que sustentam o crime. Quando essas redes chegam ao domínio territorial, têm na morte uma ferramenta de poder — o poder sobre a vida e a morte nos territórios”.