Criador de fintechs que lavaram R$ 7,5 bi do crime já foi preso por fraude em leilões da Aneel
Aedi Cordeiro, concierge do crime preso pela PF, deu golpe em leilões de energia solar e movimentou dinheiro da UPBus, empresa de ônibus ligada ao PCC
O contador Aedi Cordeiro dos Santos gostava de chamar a atenção na internet. Exibia suas conquistas financeiras, a vida de luxo e dava conselhos de sucesso em redes sociais e nas colunas de festas que frequentava, na região de Campinas, interior de São Paulo. O que não aparecia eram as atividades de "concierge do crime" e as dívidas milionárias com o Fisco, que a Polícia Federal revelou na Operação Concierge, deflagrada nesta quarta-feira (28).
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A PF prendeu Aedi Cordeiro, pela segunda vez, após reunir provas de que ele era o cabeça do esquema que usava bancos digitais, as chamadas fintechs, clandestinos para lavar dinheiro não declarado e para blindar os donos das fortunas. O contador foi um dos 14 presos da operação, três seguem foragidos.
Mais de R$ 7,5 bilhões foram movimentados na lavanderia de dinheiro criada pelo contador, segundo a PF, com mais dois parceiros, em 2019 e 2020: Patrick Bezerra Burnett e Dênis Arruda Ribeiro.
Parte desses valores seria dinheiro do PCC, apuraram os investigadores. Empresas e pessoas ligadas à facção foram identificadas, entre elas, a UPBus, concessionária do transporte coletivo urbano da capital paulista. A empresa e seus donos foram alvos da Operação Fim da Linha, do Ministério Público Estadual, em maio.
A UPbus e a Trasnswolff, outra concessionária da Prefeitura de Sa2o Paulo, teriam como sócios ocultos integrantes da facção, acusados de usarem os negócios para ocultação patrimonial e para lavagem de dinheiro do tráfico de drogas.
"Criminoso contumaz"
O esquema envolvia o uso de duas fintechs clandestinas, segundo registra decisão da Justiça Federal, a I9Pay (ou Inovebanco) e a T10 Bank. As fintechs vendiam sem autorização do Banco Central contas piratas para quem quisesse movimentar dinheiro, sem ser identificado, aponta a polícia e o Ministério Público Federal. Isso porque as contas oficiais eram abertas em dois bancos regulares, em nome das fintechs. Os donos dos valores não eram identificados nessas transações, nem a origem do dinheiro.
Na decisão, a magistrada destacou que Aedi Cordeiro dos Santos "atuaria como um concierge do crime". "Criando pessoas jurídicas em nome de interpostas pessoas, pessoas físicas fantasmas, operacionalizando a sonegação de tributos, fraudando compensação tributária e, sobretudo, lavando dinheiro."
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Não foi a primeira vez que Aedi Cordeiro foi preso. Em 2021 a PF já esteve na mansão do contador, em Valinhos (SP). Ele foi detido na Operação Black Flag da PF, por criar uma empresa de papel, que venceu leilões de energia solar da Aneel, sem nunca ter existido.
O contador virou réu em processo do caso e após ficar preso 100 dias, foi solto. "A presente investigação demonstrou que Aedi Cordeiro passou a operar, depois de solto, por meio de novas pessoas jurídicas de fachada, algumas inclusive em nome de seus familiares", destacou a juíza da 9ª Vara Federal, em Campinas, Valdirene Ribeiro de Souza Falcão, em sua ordem de prisão.
Fintechs clandestinas
O MPF aponta que Aedi Cordeiro virou especialista em negócios de "ocultação ou dissimulação da origem de valores obtidos ilicitamente para terceiros". Ele usava "uma teia de laranjas" para empresas "fictícias por ele criadas".
"Aedi é apontado pela autoridade policial e MPF como o líder da organização criminosa investigada. Ele seria o responsável por operacionalizar empresas supostamente de fachada para lavagem de capitais das mais diversas tipologias, tanto para si quanto para terceiros. Finalmente, observou-se ao longo da investigação que Aedi Cordeiro se utilizou de uma teia de supostos laranjas. (...) Existem veementes indícios de que as duas fintechs que constituem o núcleo da presente investigação atuariam como BANCOS DIGITAIS CLANDESTINOS e serviriam à blindagem patrimonial e à lavagem de capitais", trechos da decisão da Justiça Federal da Operação Concierge.
As duas fintechs clandestinas ofereciam serviços abertamente na internet, segundo a PF, vendendo "contas garantidas" para movimentações financeiras sem rastreabilidade de autoridades. A Receita Federal que faz parte das apurações, fez uma ilustração do esquema irregular.
As chamadas, pela PF, de "contas invisíveis" davam garantia aos "clientes" de blindagem "contra ordens de bloqueio, penhora e rastreamento", informou a PF. Os bancos usados foram o Bonsucesso (atualmente BS2) e o Rendimento, que foram alvos de buscas e apreensões.
Conhecidas no mercado também como "contas bolsões", elas eram operadas pelas I9Pay e pela T10Bank, que garantiam a invisibilidade a quem mandava e quem recebia o dinheiro.
"A investigação demonstrou que a organização criminosa, por meio de dois bancos digitais – denominados fintechs –, ofereciam abertamente, inclusive, em sites da rede mundial de computadores, contas clandestinas, que permitiam transações financeiras dentro do sistema bancário oficial, de forma oculta, as quais foram utilizadas por facções criminosas, empresas com dívidas trabalhistas, tributárias e toda sorte de fins ilícitos", detalhou a PF em nota sobre a operação Concierge.
Envolvidos negam
Os bancos oficiais envolvidos no esquema e a defesa de uma das fintechs negaram envolvimento em irregularidades. A defesa de Aedi Cordeiro não foi localizada, o espaço está aberto para manifestações.
O Banco BS2 (antigo Bonsucesso) disse que está colaborando com fornecimento de informações à Polícia Federal e Receita Federal relativas a movimentações financeiras de um cliente. "Estamos prestando todos os esclarecimentos demandados pelas autoridades competentes e reafirmamos nossa atuação em conformidade com a regulamentação vigente", relatou a empresa em nota.
Conforme a assessoria do Banco Rendimento, a instituição "segue todas as regulamentações do Banco Central e órgãos competentes, também aplicadas desde o início da relação com a T10 Bank, onde todas as avaliações recomendadas foram executadas". Ainda conforme a empresa, "no momento da operação realizada hoje, o Banco Rendimento já não prestava mais os serviços mencionados para a T10 Bank. O Banco Rendimento está colaborando com as investigações".
A Inove Global Group (I9Pay) e seu sócio Patrick Bezerra Burnett negaram, em nota, envolvimento com crimes e irregularidades. "A empresa e seu sócio, em sua atuação estritamente lícita e ética, não se confundem com a conduta de terceiros e jamais poderiam ser relacionados com qualquer atividade criminosa. Comprometidos com princípios éticos, o Inove Global Group e seu sócio, Patrick Burnett, atuam no ramo da tecnologia há mais de sete anos, buscando trazer inovação e acessibilidade para seus clientes e traçando uma ilibada reputação perante o mercado."
Na nota, o investigado informou que vai colaborar. "Por fim, tanto a empresa, como Patrick, estão à disposição das autoridades para colaborar com o deslinde das investigações, a fim de que os fatos sejam esclarecidos em sua integralidade." Os advogados do Inove Global Group informaram que não tiveram acesso integral ao conteúdo da investigação. A empresa negou "veementemente ter relação com os fatos mencionados pelas autoridades policiais e veiculados pela imprensa".