Trump cometeu "abuso de poder" e taxou Brasil "em favor de amigo", dizem senadores dos EUA
Em carta ao presidente dos Estados Unidos, democratas falam que ameaça de guerra comercial vai aumentar custos para americanos

Emanuelle Menezes
Um grupo de senadores democratas enviou uma carta a Donald Trump, nesta quinta-feira (24), chamando de "claro abuso de poder" as ameaças do presidente dos Estados Unidos de iniciar uma guerra comercial com o Brasil. Os 11 parlamentares afirmam que o republicano usa a economia para "interferir em favor de um amigo", em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
"Usar todo o peso da economia americana para interferir nesses processos em favor de um amigo é um grave abuso de poder, enfraquece a influência dos EUA no Brasil e pode prejudicar nossos interesses mais amplos na região", diz o texto.
Os congressistas criticam a imposição de tarifas de 50% sobre todas as importações brasileiras e a ordem de investigação comercial aberta contra o país, que mirou o Pix, a Lei Geral de Proteção de Dados e até a Rua 25 de Março. Para eles, as duas movimentações de Trump têm como objetivo "forçar o sistema judiciário independente do Brasil a interromper a acusação contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro".
Os senadores da oposição também defendem que o tarifaço contra o Brasil causará um aumento de custos para as famílias americanas. Eles destacam que os EUA importa mais de US$ 40 bilhões do Brasil por ano, incluindo US$ 2 bilhões em café, e que o comércio entre os dois países sustenta quase 130 mil empregos em território norte-americano.
"Uma guerra comercial com o Brasil tornaria a vida mais cara para os americanos, prejudicaria as economias americana e brasileira e aproximaria o Brasil da China – tudo porque o presidente dos Estados Unidos quer corromper um processo judicial estrangeiro para ajudar seu amigo pessoal", escreveram.
Uma possível aproximação entre o comércio brasileiro e a China também é citada com preocupação pelos 11 congressistas. "Uma guerra comercial com o Brasil também aproximaria o país da República Popular da China (RPC) em um momento em que os EUA precisam combater agressivamente a influência chinesa na América Latina. Empresas estatais e ligadas ao Estado chinês estão investindo fortemente no Brasil, incluindo vários projetos portuários em andamento", dizem.
Uma comitiva com oito senadores brasileiros viaja nesta sexta-feira (25) para Washington, na tentativa de um diálogo com empresários e parlamentares norte-americanos contra a taxação. Reuniões deve acontecer dos dias 28 a 30 de julho. O tarifaço está previsto para entrar em vigor no dia 1º de agosto e, até o momento, não há sinalização de recuo ou abrandamento da medida por parte de Trump.
Assinaram a carta os seguintes senadores democratas: Tim Kaine, Jeanne Shaheen, Adam B. Schiff, Richard J. Durbin, Peter Welch, Kirsten Gillibrand, Mark R. Warner, Catherine Cortez Masto, Michael F. Bennet, Jacky Rosen e Raphael Warnock.
Leia a carta na íntegra:
"Prezado Presidente Trump,
Escrevemos para expressar sérias preocupações sobre o claro abuso de poder presente em sua recente ameaça de iniciar uma guerra comercial com o Brasil. Os Estados Unidos e o Brasil têm questões comerciais legítimas que devem ser discutidas e negociadas. No entanto, a ameaça de tarifas feita por sua administração claramente não se refere a isso. Tampouco se trata de um déficit comercial bilateral, já que os EUA tiveram um superávit de US$ 7,4 bilhões em bens com o Brasil em 2024 e não registram déficit comercial com o país desde 2007.
Na verdade – como o senhor afirma explicitamente em sua carta ao presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva – a ameaça de impor tarifas de 50% sobre todas as importações do Brasil e a ordem para que o Representante de Comércio dos EUA inicie uma investigação sob a Seção 301 da Lei de Comércio de 1974 têm como principal objetivo forçar o sistema judiciário independente do Brasil a interromper a acusação contra o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
Interferir no sistema legal de uma nação soberana estabelece um precedente perigoso, provoca uma guerra comercial desnecessária e coloca cidadãos e empresas americanas em risco de retaliação. O Sr. Bolsonaro é um cidadão brasileiro sendo processado nos tribunais brasileiros por ações alegadamente cometidas sob jurisdição nacional. Ele é acusado de tentar minar os resultados de uma eleição democrática no Brasil e de planejar um golpe de Estado.
Usar todo o peso da economia americana para interferir nesses processos em favor de um amigo é um grave abuso de poder, enfraquece a influência dos EUA no Brasil e pode prejudicar nossos interesses mais amplos na região. O anúncio de sua administração em 18 de julho de 2025, de sanções de visto contra autoridades judiciais brasileiras envolvidas no caso do Sr. Bolsonaro, indica – mais uma vez – a disposição de sua administração em priorizar sua agenda pessoal em detrimento dos interesses do povo americano.
Suas ações aumentariam os custos para famílias e empresas americanas. Os americanos importam mais de US$ 40 bilhões por ano do Brasil, incluindo quase US$ 2 bilhões em café. O comércio entre EUA e Brasil sustenta cerca de 130 mil empregos nos Estados Unidos, que estão em risco diante da ameaça de tarifas elevadas. O Brasil também prometeu retaliar, e o senhor prometeu retaliar em resposta – o que significa que os exportadores americanos sofrerão e os impostos sobre importações para os americanos aumentarão além do nível de 50% que o senhor ameaçou.
Uma guerra comercial com o Brasil também aproximaria o país da República Popular da China (RPC) em um momento em que os EUA precisam combater agressivamente a influência chinesa na América Latina. Empresas estatais e ligadas ao Estado chinês estão investindo fortemente no Brasil, incluindo vários projetos portuários em andamento. Recentemente, o China State Railway Group assinou um Memorando de Entendimento para estudar um projeto ferroviário transcontinental.
Essas considerações não são exclusivas do Brasil. Em toda a América Latina, a RPC está trabalhando para ampliar sua influência por meio da Iniciativa do Cinturão e Rota. Estamos preocupados que suas ações para minar um sistema judicial independente apenas aumentem o ceticismo em relação à influência americana na região e deem mais credibilidade à agenda de autoridades e empresas estatais chinesas. A mesma tendência também está ocorrendo no Leste e Sudeste Asiático.
Os objetivos principais dos EUA na América Latina devem ser o fortalecimento de relações econômicas mutuamente benéficas, a promoção de eleições democráticas livres e justas e o combate à influência da RPC. Instamos o senhor a reconsiderar suas ações e a priorizar os interesses econômicos dos americanos, que desejam previsibilidade – não outra guerra comercial".