Sérgio Utsch entrevista o presidente da Ucrânia; veja bastidores da conversa
Repórter do SBT negociou com a equipe de Volodymyr Zelensky por vários dias
Para chegar ao prédio onde está o escritório da presidência ucraniana, temos que cruzar uma parte da cidade que está isolada desde a segunda fase da guerra, a invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022. Para andar nas ruas vazias, passamos pela primeira barreira de segurança, onde nossos passaportes são checados.
A entrevista com Volodymyr Zelenskyy estava sendo negociada já há alguns dias, mas só aconteceu porque obviamente ele queria falar com o público e, principalmente, com o governo brasileiro. Nada é por acaso. A conversa foi marcada para às 2:15 da tarde, no horário local. Precisamos chegar lá 3 horas antes.
As barreiras de segurança até chegar a Zelensky lembram os milhares de check points espalhados pelo país. Nosso passaporte é conferido em três destas barreiras até chegarmos ao interior do edifício, onde passamos por um raio X similar ao de aeroportos. Em todas elas, há militares com metralhadoras.
É na entrada do edifício que temos que deixar o celular e qualquer aparelho que emita sinais que possam ser capturados por agentes externos. Por motivos óbvios, só as câmeras são permitidas. Ainda assim, precisam ser checadas. No interior do prédio, há muitos sacos de areia, estrategicamente posicionados, como se eles se preparassem para uma invasão, para uma batalha ali dentro.
Os corredores têm pouca iluminação e as janelas ficam fechadas. Na lógica da segurança, quanto menos informações sobre a movimentação no interior deste prédio, melhor. Estamos no lugar mais bem protegido da Ucrânia, mas também no lugar que mais está no radar dos russos.
Eu já tinha ido ali no ano passado pra me encontrar com o vice-chefe de gabinete de Zelensky. Passei pelo mesmo processo e pelos mesmos corredores. Desta vez, me chamaram a atenção grandes fotos de soldados ucranianos espalhadas por uma das passagens.
Na antessala de onde aconteceu a entrevista, havia mais um segurança. Desta vez, a revista foi em nossas mochilas. O militar encarregado pediu pra que eu deixasse a minha num armário. "A caneta também. Vai ter uma lá dentro pra vocês", me avisou.
A sala onde a entrevista aconteceu é onde Zelensky acompanha por câmeras como está a situação nas muitas frentes dessa guerra. É também o lugar onde ele conversa virtualmente com líderes estrangeiros. Ele estava ali quando teve a primeira conversa com o presidente Lula, em 2022. Para sair dali e ir ao banheiro, por exemplo, só acompanhado por um segurança do governo.
Meia hora depois do combinado, Volodymyr Zelensky entrou na sala e apertou as mãos de cada um dos três jornalistas e do fotógrafo brasileiros que estavam na entrevista. Foi até a equipe técnica, mas desistiu de cumprimentar um por um quando percebeu que eram muitos. Sorriu e acenou a todos.
Combinamos, entre nós, de tratar de assuntos que o deixassem mais à vontade primeiro e só depois tocar em questões mais delicadas. Esta é uma antiga, conhecida e nem sempre eficiente tática de jornalistas.
O Zelensky que sentou à nossa frente está visivelmente mais velho do que aquele que tomou posse em maio de 2019. Ele prefere falar em ucraniano mas, em certos momentos, opta pelo inglês. Na pergunta que fiz a ele no ano passado, durante uma entrevista coletiva em Kiev, ele usou os 2 idiomas pra responder sobre o presidente Lula.
É muito fácil perceber que há uma diferença entre os dois. E isso afeta a relação que o Brasil tem com a Ucrânia e que a Ucrânia tem com o Brasil. Geopolítica, às vezes, é muito mais pessoal e menos pragmática do que podemos imaginar.
Falamos sobre política, geopolítica, a ajuda militar que a Ucrânia tanto precisa, o mau momento do seu país na guerra e sobre o Brasil e a América Latina. Ele disse que adoraria ir ao Brasil, mas que só foi convidado pelos argentinos. Adorou o país, o jeito "livre" deles.
A entrevista durou 58 minutos. Quando ele se levantava pra ir embora, pergunto pra quem ele torceria no caso de um Brasil e Argentina no futebol. Ele pensa pra responder. "Difícil responder". Pergunta quem é o mais forte. Sugerimos, sem muita convicção, que é o Brasil. Zelensky pensa de novo. E diz que se depois do clássico sul-americano, a Ucrânia enfrentasse o vencedor, ele torceria pra Argentina porque sugerimos que o Brasil é mais forte.
Na diplomacia, assim como no futebol, o ucraniano também está mais próximo da Argentina.
*A foto utilizada neste texto foi feita por Francisco Proner