Pessoas intersexo: relembre atletas que tiveram participação questionada em competições esportivas
Questão veio à tona após críticas a boxeadora argelina intersexual que venceu italiana em 46 segundos de luta
Após ser reprovada em um teste de gênero e ficar de fora de uma competição internacional de boxe, em 2023, a participação da lutadora argelina Imane Khelif, nos Jogos Olímpicos de Paris, foi contestada pelas pessoas. Imane venceu a italiana Angela Carini na categoria de até 66 kg do boxe feminino em 46 segundos de luta.
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Muitos entenderam que Imane é uma pessoa transexual e criticaram sua participação nos Jogos de Paris na categoria feminina, mas ela é uma pessoa intersexo. (veja mais detalhes abaixo)
Não é a primeira vez que esses questionamentos sobre mulheres que não se encaixam perfeitamente no sexo feminino geram polêmica entre as pessoas. Também nesta Olimpíada, a boxeadora taiwanesa Lin Yu-Ting enquadra-se no mesmo caso. Tanto Imane quando Yu-Ting têm um nível maior de testosterona no sangue – uma característica de seus corpos, com que elas já nasceram. O COI não mede os níveis do hormônio.
Relembre outros casos
Edinanci Silva
Primeira mulher brasileira a disputar quatro edições dos Jogos Olímpicos, Edinanci Silva passou a ter sua vida atormentada após precisar se submeter a um teste feito Comitê Olímpico Internacional (COI), em 1995, que atestaria sua elegibilidade para participar da Olimpíada de Atlanta, no ano seguinte.
Como era feito o teste? Atletas que disputariam em categorias femininas eram postas nuas e submetidas a exames ginecológicos, uma espécie de "teste de feminilidade". O exame foi abolido poucos anos depois pelo COI. Nos Jogos de Sydney, em 2000, já não era obrigatório.
Ednanci, que também é uma pessoa intersexo, possuía testículos externos e chegou a retirá-los por um procedimento cirúrgico, que também visava eliminar a quantidade anormal de hormônios masculinos. Ela conta que fez a cirurgia por questões de saúde, já que o médico informou que, futuramente, isso poderia acarretar em um câncer.
Em entrevistas, a atleta ressalta que chegou a pensar em suicídio pelos ataques sofridos e atribuiu à mídia parte da culpa pelos ataques que sofreu na rua.
"Em Guarulhos, quando as pessoas me reconheciam, diziam: 'Isso aí é um homem' usavam palavras chulas para me atacar.", disse, em depoimento ao UOL.
Annet Negesa
Enquanto Edinanci fez a cirurgia de retirada dos testículos por questões de saúde, com a corredora ungandense Annet Negesa foi submetida a uma cirurgia contra a própria vontade.. A atleta, que nasceu com genitais masculinos internos, fez uma cirurgia chamada gonadectomia.
A cirurgia, que ainda é envolta por muitas polêmicas, fez com que ela saísse da vida esportiva.
“Acordei com cortes na barriga e, na verdade, fiquei me perguntando: 'O que aconteceu comigo? O que fizeram comigo?'”, disse em entrevista à CNN Internacional
Annet alega que a indicação cirúrgica foi feita por profissionais do World Athletics, órgão mundial do atletismo. A entidade nega.
Ela ainda afirmou que tinha entendido que a cirurgia não era para retirar órgãos internos, mas para ajudar a controlar os níveis de testosterona. Ela relata ter dores de cabeça e abdominais constantes após o procedimento.
Annet representou a Uganda no Mundial de Atletismo em 2011 e foi ouro na 10ª Jogos Pan-Africanos no mesmo ano.
Caster Semaya
Desde a sua primeira vitória internacional, quando ganhou o ouro Campeonato Mundial de 2009, em Berlim, a corredora sul-africana vem sendo alvo de polêmicas e foi submetida a um teste de gênero para atestar a vitória. A vitória foi mantida, mas o assunto gerou polêmica e as pessoas continuaram a questionar o resultado.
Depois disso, ela também ganhou ouro nas Olimpíadas de 2012 e de 2016 e bronze no Campeonato Mundial de 2017. No entanto, em 2019, a World Athletics estabeleceu novas regras que impediam pessoas intersexo de competir.
Desde então, a atleta vem enfrentando batalhas na Justiça contra as regras estabelecidas pela entidade. Após passar por diversas instâncias, o caso chegou em novembro de 2023 à Grande Câmera do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, onde está analisado atualmente.
Caster nasceu com uma vagina e testículos internos, mas não tem útero e ovário, e também não menstrua.
Dutee Chand
Pioneira em seu pais, a Índia, ao ganhar a primeira medalha de ouro na corrida de 100 metros em uma competição global, Dutee Chand também teve sua trajetória incomodada por testes de gênero.
Tudo começou em junho de 2014, quando a atleta ganhou duas medalhas de ouro no Campeonato Asiático de Atletismo Júnior em revezamentos de 200 metros e 4 × 400 m. Mas ela foi retirada das competições seguintes por alegações de hiperandrogenismo – quando os hormônios sexuais masculinos estão mais elevados, o que pode causar o aumento de pêlos corporais ou faciais e menstruação pouco frequente ou ausente. São características de intersexualidade.
Com isso, ela ficou inelegível para participar como atleta feminina, até ganhar uma ação judicial em 2015 movida no Tribunal Arbitral do Esporte. Desde 2016, ela também atua como treinadora de outros atletas indianos.
O que é intersexualidade?
O sexo é definido pelos cromossomos, que determina como são os órgãos genitais, os órgãos reprodutivos internos e os hormônios. Mas ao menos um a cada 10.000 bebês nascidos, segundo dados divulgados pela ONU, pode apresentar uma divergência entre esses fatores. É possível, por exemplo, que os órgãos sexuais externos sejam femininos, mas os internos, masculinos, ou vice-versa. Ou que os níveis de hormônios masculino (testosterona) e femininos (progesterona e estrogênio) estejam em desacordo com o sexo da pessoa.
Segundo o urologista Ubirajara Barroso Júnior, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), que é especializado no tema, pessoas intersexo são diferentes de transexuais, mas pode haver pessoas intersexo e também se identificarem como transexuais. "Como a pessoa se identifica é uma questão particular de cada um", ressalta.
Buscas por intersexo ultrapassaram a transexualidade
O interesse de busca por intersexualidade ultrapassou o interesse por transexualidade nos últimos 90 dias. No dia 21 de junho houve um pico de buscas sobre o termo, motivado pelo personagem intersexo da telenovela "Renascer", da Rede Globo. Os dados são do Google Trends.