Intervenção da CIA na Venezuela não seria primeira dos EUA em outros países
Medida foi anunciada por Trump, que não quis informar se a agência tem autoridade para matar Nicolás Maduro; presidente venezuelano fala em golpe de Estado

Giovanna Colossi
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou na quarta-feira (15) que autorizou a Agência Central de Inteligência do país (CIA, na sigla em inglês) a conduzir ações secretas na Venezuela.
O New York Times relatou pela primeira vez a diretriz confidencial, citando autoridades norte-americanas familiarizadas com a decisão. Segundo o jornal, com a medida, a CIA fica autorizada a realizar operações letais na Venezuela. Ao ser questionado por jornalistas, Trump, contudo, não quis responder se a agência tem autoridade para matar o presidente venezuelano Nicolás Maduro.
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As fontes ouvidas pela publicação, no entanto, informaram que a estratégia do governo Trump para a Venezuela, desenvolvida pelo Secretário de Estado Marco Rubio, com a ajuda de John Ratcliffe, o diretor da CIA, visa tirar Maduro do poder.
O líder norte-americano alega que o homólogo lidera um cartel de drogas e tem auxiliado no tráfico de drogas aos EUA, o que Maduro nega.
Ainda na quarta-feira (15), o líder venezuelano, que chegou ao poder em 2013, após a morte de Hugo Chávez, e manteve o projeto bolivariano que sempre se opôs aos EUA, acusou Trump de planejar um golpe de Estado.
“Não à mudança de regime que tanto nos lembra as guerras intermináveis e fracassadas no Afeganistão, no Iraque, na Líbia e assim por diante. Não aos golpes de Estado orquestrados pela CIA, que nos recordam os 30 mil desaparecidos nos golpes apoiados pela CIA na Argentina; o golpe de Pinochet e os 5 mil jovens que foram mortos ou desapareceram. Até quando golpes da CIA? A América Latina não os quer, não precisa deles e os rejeita. Portanto, a paz deve ser conquistada e preservada.”, discursou Maduro para apoiadores.
Essa não seria a primeira tentativa do republicano de tirar o chavista do poder. Ainda em seu primeiro mandado, em 2016, Trump chegou a reconhecer Juan Guaído, líder da oposição venezuelana, como presidente interino do país caribenho, depois que Maduro foi eleito para um segundo mandato em uma eleição questionada pela oposição e potências como os EUA e União Europeia.
Intervenções externas da CIA
Essa também não seria a primeira intervenção externa da CIA em países sob a zona de influência dos Estados Unidos e em regimes hostis ao país. Documentações desclassificadas, disponíveis publicamente na CIA Reading Room, descrevem desde campanhas de desinformação até o financiamento de forças opositoras e ações militares indiretas no Irã, na Guatemala, no Brasil, na Bolívia, além de outros países. Veja alguns exemplos abaixo:
Irã (1953): a derrubada de Mossadegh
O estudo interno The Road to Covert Action in Iran, mostra que a CIA executou a Operação Ajax, que resultou na queda do primeiro-ministro Mohammad Mossadegh. O plano previa propaganda anticomunista, suborno de políticos e militares e mobilização de protestos de rua para restaurar o xá Mohammad Reza Pahlavi ao poder. Documentos posteriores, como o estudo interno Zendebad, Shah!, detalham o envolvimento direto da agência.
Guatemala (1954): Operação PBSUCCESS
Nos arquivos sobre a Operação PBSUCCESS, a CIA reconhece ter orquestrado a derrubada do presidente Jacobo Árbenz, eleito democraticamente. A agência financiou e treinou exilados guatemaltecos, organizou transmissões de rádio clandestinas e espalhou desinformação para "criar pânico e justificar o golpe". Um dos documentos, Status of PBSUCCESS mostra o andamento da operação e o apoio logístico fornecido pelos EUA.
Chile (1973): o caminho até o golpe de Pinochet
Relatórios da CIA, como o President’s Daily Brief de 25 de agosto de 1973, revelam que a agência financiou partidos opositores, influenciou meios de comunicação e manteve contato com militares chilenos antes do golpe que depôs o presidente Salvador Allende. Outro documento, confirma a existência de uma “ação encoberta” com o objetivo de desestabilizar o governo socialista.
Brasil (1964): apoio à deposição de João Goulart
Documentos do Departamento de Estado e da CIA, reunidos em coleções do Foreign Relations of the United States (FRUS), mostram que Washington acompanhou de perto a crise política brasileira. Memorandos registram o apoio logístico e político a militares alinhados aos interesses norte-americanos, inclusive com planos de contingência naval para auxiliar o golpe que derrubou o presidente João Goulart.
Congo (1960–1965): o caso Lumumba
Nos arquivos sobre o Congo, a CIA admite ter conduzido “operações encobertas” durante o período de independência. Relatórios internos discutem planos para neutralizar o primeiro-ministro Patrice Lumumba, acusado de simpatizar com o bloco soviético, além de atividades para apoiar líderes militares pró-Ocidente.
República Dominicana (1965): influência em meio à guerra civil
Os relatórios de situação da CIA descrevem a atuação da agência durante a crise dominicana de 1965, quando forças dos EUA intervieram para conter o avanço de grupos considerados de esquerda. Os documentos detalham apoio político e logístico a facções favoráveis aos interesses de Washington e o monitoramento constante da situação no terreno.
Bolívia (1964): apoio a militares pró-EUA
Relatórios como o Situation in Bolivia mostram que a CIA acompanhou de perto a queda do presidente Víctor Paz Estenssoro e a ascensão do general René Barrientos. Os arquivos revelam contatos com lideranças militares e preocupação com o alinhamento político da Bolívia durante a Guerra Fria.
Indonésia (1958–1965): apoio a rebeliões regionais
Em relatórios internos como o Research Study — Indonesia, a CIA reconhece ter fornecido apoio logístico a movimentos separatistas contrários ao governo de Sukarno, sob o pretexto de conter a influência comunista. A agência também monitorou e analisou de perto os eventos que levaram ao massacre anticomunista de 1965.
Cuba (1961): invasão da Baía dos Porcos
O estudo Official History of the Bay of Pigs Operation detalha o fracasso da invasão organizada pela CIA, em que exilados cubanos foram treinados e financiados para derrubar Fidel Castro. Os volumes desclassificados incluem planos operacionais, listas de treinamento e análises internas sobre as causas do desastre militar.
Nicarágua (1980): financiamento dos Contras
Durante o conflito entre o governo sandinista e os rebeldes, a CIA manteve operações de apoio a grupos armados anticomunistas, conhecidas como parte do escândalo Irã-Contras. Os documentos da agência sobre o episódio revelam fornecimento de armas e fundos desviados de operações secretas no Oriente Médio.
Há também registros de intervenções da CIA no Iraque (1958), Jordânia (1958), Laos (1960), Angola e Moçambique (1965), Uruguai (1969-71), Vietnã (1955), Costa Rica (1954-56) e Egito (1952).