"É parte do processo diplomático", diz porta-voz dos EUA sobre discursos divergentes de Zelensky e Lula na ONU
Em entrevista ao SBT, Amanda Roberson também afirmou que os americanos acreditam na solução diplomática na fronteira de Israel com o Líbano
Patrícia Vasconcellos
Washington DC - Depois do encontro na sede da ONU, Joe Biden e Volodymyr Zelensky voltaram a se ver na Casa Branca, nesta quinta-feira (26). “Temos que garantir à Ucrânia capacidades suficientes para se defender contra as agressões russas futuras”, disse o presidente americano, nesta tarde, no Salão Oval. A resolução de conflitos maiores como o enfrentado por Kiev e Moscou é uma das prioridades americanas nessa septuagésima sétima Assembleia Geral da ONU. Em entrevista ao SBT, a porta-voz do Departamento de Estado Amanda Roberson pontuou que a diplomacia americana também trabalha no âmbito das Nações Unidas para a expansão do sistema de assistência humanitária.
A reforma do Conselho de Segurança, defendida por Lula no discurso da Assembleia Geral, também é prioridade dos americanos, segundo a porta-voz. O presidente brasileiro afirmou que é inadmissível que o grupo não tenha entre os integrantes fixos países africanos e da América Latina. “Entendemos que o Conselho de Segurança hoje, como é, com cinco membros, não reflete a realidade do mundo hoje”, disse Roberson, afirmando que os Estados Unidos são a favor da expansão do Conselho. Sobre a inclusão de sul-americanos, a porta-voz afirma que “há um grupo de países que estão sendo considerados”.
Os corpos diplomáticos e os governos do Brasil e Estados Unidos também convergem nos temas da defesa da democracia e de ações necessárias para o combate às mudanças climáticas. Segundo Roberson, americanos e brasileiros trabalham juntos para o desenvolvimento de novas formas de energia limpa, verde. “A ONU é um espaço importante para falar sobre essas soluções da crise climática”, diz a porta-voz.
Roberson ainda destacou o engajamento americano com outros países na situação da Venezuela. Nesta quinta-feira (26), um comunicado conjunto de 31 países foi emitido às margens da Assembleia Geral “reiterando o suporte pelos valores democráticos e direitos humanos na Venezuela”.
Sobre a crise no Oriente Medio, com a escalada da tensão entre Israel e Hezbollah, Roberson afirma que os Estados Unidos ainda acreditam na solução diplomática. Benjamin Netanyahu discursa na ONU nesta sexta-feira (26) e refuta, até agora, qualquer cessar-fogo. Estados Unidos e França lideraram, junto a países europeus e árabes, um chamado de pausa nos bombardeios na fronteira de Israel e Líbano por 21 dias. “A gente sabe que a diplomacia funciona, é possível. É difícil, requer muito trabalho, muita colaboração entre todas as partes, mas a gente vai continuar este esforço para uma solução diplomática”, disse a porta-voz.
Em relação à Ucrânia e os comentários de Zelenskyy na ONU sobre Brasil e China, e a proposta conjunta sobre a paz com a Rússia, Roberson acredita que as falas do presidente ucraniano ou do brasileiro não criam ruído diplomático. Sobre Lula ter defendido na ONU o não envio de armas a países em guerra e Biden, também no plenário, ter reafirmado considerar essencial o envio do armamento para defesa territorial de Kiev, a porta-voz pondera: “a Assembleia Geral das Nações Unidas é um espaço, talvez o maior espaço do mundo para a diplomacia. Parte da diplomacia é a expressão de ideias diferentes”, disse.
Leia a entrevista completa:
SBT News — Amanda Roberson é porta-voz do Departamento de Estado e conversa conosco do SBT em português. Ela está em Nova York, na sede das Nações Unidas, no centro de imprensa, inclusive onde nós da mídia normalmente trabalhamos. Amanda Roberson, bem-vinda, obrigada por conversar conosco.
Amanda Roberson - Bom dia. Muito obrigada pelo convite, Patrícia.
SBT News — A missão americana, tem muito trabalho nesses dias de Assembleia Geral na ONU. Gostaria de começar com um assunto que é notícia no mundo inteiro, um acordo que foi costurado, liderado pelos Estados Unidos e pela França no entorno da Assembleia Geral, pedindo um cessar-fogo de 21 dias na fronteira entre Israel e o Líbano. O premiê Benjamin Netanyahu vai discursar na Assembleia Geral nesta sexta-feira (27). Como que está essa negociação em torno desse acordo e a expectativa americana em relação a esse pedido?
Roberson — A nossa expectativa com respeito a esse conflito entre Israel e Hamas, que agora se expandiu entre Israel e Hezbollah, é que tenha um cessar-fogo e um fim da violência contra as pessoas em todas essas regiões. Como você mencionou, essa proposta que os Estados Unidos estão trabalhando com a França é um desenvolvimento último que estão trabalhando agora, nesses últimos dias, aproveitando este foro das Nações Unidas, da Assembleia Geral, para desenvolver propostas que podem chegar a ter um cessar-fogo e, depois, ultimamente, a esperança. É a expectativa, é ter um fim a este conflito.
SBT News — Os americanos acreditam na possibilidade de uma solução diplomática?
Roberson — Com muita certeza, a gente acredita que uma solução diplomática é possível. Como falou o presidente Biden no seu discurso na segunda-feira, o impossível é só uma ilusão. A gente sabe que a diplomacia funciona, é possível. É difícil, requer muito trabalho, muita colaboração entre todas as partes, mas a gente vai continuar este esforço para uma solução diplomática.
SBT News — Quais são as prioridades dos Estados Unidos na Assembleia Geral? O presidente Biden falou muito sobre conflitos mundiais, sobre democracia. Quais são as prioridades americanas nessa semana nas Nações Unidas?
Roberson — Nesse ano, aqui nas 76ª Sessão das Nações da Assembleia Geral, os Estados Unidos têm três prioridades principais. Uma, resolução aos maiores conflitos do mundo. Hoje a gente falou agora sobre Israel e Gaza, Israel e Líbano, mas também, infelizmente, tem muitos outros conflitos no mundo, no Sudão, na Ucrânia, entre Congo e Ruanda. Então, a nossa prioridade é aproveitar este espaço na Assembleia Geral para chegar a ter soluções, para chegar a ter paz para as pessoas nesses países.
A segunda prioridade seria uma expansão do sistema de assistência humanitária, porque sabemos que tem milhões de pessoas no mundo com necessidades extraordinárias. E o sistema humanitário, que é administrado pela ONU, já não é suficiente para abordar essas necessidades. Então, os Estados Unidos estão promovendo uma expansão para expandir as possibilidades de chegar a essas pessoas necessitadas.
A terceira prioridade seria a reforma do Conselho de Segurança, que a gente sabe, e isso é algo que o Lula também destacou no seu discurso. Entendemos que o Conselho de Segurança hoje, como é, com cinco membros, não reflete a realidade do mundo hoje. Não tem um assento representando a América Latina. Não tem um assento representando a África e os pequenos países em desenvolvimento. Então, os Estados Unidos estão a favor de uma expansão do Conselho para incluir dois assentos para as nações africanas, mais um assento para países pequenos em desenvolvimento. Estamos prontos para já trabalhar a parte escrita destas mudanças e já continuar as reformas necessárias.
SBT News — Como foi dito, os Estados Unidos aprovam ou defendem a inclusão de dois países africanos e um menor em desenvolvimento. Entendo que Brasil, por exemplo, não estaria incluído. Os Estados Unidos futuramente apoiarim uma inclusão fixa desses países no Conselho de Segurança, como defende o presidente Lula?
Roberson — Patrícia, essas reformas que eu mencionei agora são as novas reformas. O Brasil sempre teve, porque é uma conversa que existe há anos. Então, o Brasil sempre está incluído também. Também o Japão, também a Índia, o Brasil entre a União Africana. Então, há um grupo de países que estão sendo considerados para a inclusão quando tiver uma reforma grande, que os Estados Unidos acreditam que é necessária para outra vez refletir a realidade do mundo.
SBT News — O Brasil liderou uma mesa redonda essa semana aí nas Nações Unidas que teve como tema a defesa da democracia e o combate ao extremismo. Vinte países foram convidados, os Estados Unidos mandaram um representante. Qual a posição dos Estados Unidos em relação a esse tema, a defesa da democracia e combate ao extremismo?
Roberson — Para os Estados Unidos, a defesa da democracia é uma das nossas prioridades mais importantes. Vemos o mundo hoje, vemos que em muitas regiões a democracia está sendo ameaçada na Ucrânia pela influência da Rússia, mas também na América Latina, também na África. Então, a gente está focando em buscar maneiras de combater a desinformação que está afetando muitos países, sobretudo nas eleições, que pode haver informação falsa que está ameaçando esses processos democráticos. Mas também uma parte importante da defesa da democracia é apoiando o povo em países como Venezuela, onde teve uma eleição democrática e as vozes do povo venezuelano não estão sendo escutadas. Então, no caso da Venezuela, é lutando pela democracia deste país, lutando pelo direito do povo venezuelano de ser eleito líder, de ter uma eleição justa e livre.
SBT News — A situação venezuelana é um tema que tem sido presente nos encontros?
Roberson — Exatamente. Eu entendi que hoje de manhã, nas últimas horas, está saindo informação de uma reunião que o secretário Blinken assistiu sobre a Venezuela. Os Estados Unidos vão continuar pressionando o Nicolás Maduro e o seu grupo de pessoas ao redor dele, usando todos os mecanismos que a gente tem disponíveis. Então, ao mesmo tempo, apoiando o povo venezuelano que está lutando pelo seu direito à democracia e também pelo seu direito a ter uma vida digna, porque entendemos que o povo venezuelano está sofrendo há muitos anos. Os Estados Unidos estão oferecendo assistência humanitária, mas também oferecendo apoio a eles que estão lutando para mudar o seu país, para ter uma democracia na Venezuela.
SBT News — Brasil e Estados Unidos convergem em muitos assuntos. Defesa da democracia, meio ambiente, que a gente não abordou, mas vamos falar rapidinho também. Agora, o presidente Lula e o presidente Biden, claramente, divergem na forma que eles entendem como deve ser levado um conflito armado. O presidente Lula, na abertura da Assembleia Geral, não citou um país específico, mas disse que se todo o armamento utilizado para manutenção de guerras fosse destinado ao combate à fome, a fome já poderia, por exemplo, ter sido erradicada no mundo. Ele acredita que não deve haver envio de armas. O presidente Biden focou muito na defesa do direito de defesa dos ucranianos e reafirmou o apoio à Ucrânia neste momento. São líderes com visões distintas em relação a isso. Como os Estados Unidos veem posições de líderes como o do presidente Lula, que não é uma visão nova, ele já disse isso mais de uma vez, que a solução não seria bélica, mas uma solução pura e simplesmente diplomática?
Roberson — Bem, então, Patrícia, a Assembleia Geral das Nações Unidas é um espaço, talvez o maior espaço do mundo para a diplomacia. Parte da diplomacia é a expressão de ideias diferentes. Parte do processo, é uma parte essencial do processo de chegar a um acordo sobre problemas, os problemas mais complexos do mundo hoje. Então, isso é o que a gente acredita que é a importância desses espaços, dessas conversas, escutar opiniões diferentes. Sobre a Ucrânia, os Estados Unidos vão continuar apoiando o povo ucraniano, apoiando as pessoas lá, defendendo o seu direito à liberdade. É um país independente. Obviamente, vamos continuar falando com os nossos aliados, com todos os outros países do mundo, incluindo o Brasil, para ver quais soluções podemos avançar juntos. Mas eu acho essa diferença de opinião e essa conversação uma parte saudável do processo, que o processo, eu devo mencionar, também inclui o presidente Zelensky, ele também está jogando um papel importante.
SBT News — O presidente Zelensky citou Brasil e a China, dizendo que a proposta de paz dos dois países não condiz e que ele duvida do real interesse desta proposta. Como estamos no ambiente das Nações Unidas, onde há esse espaço democrático, como você bem pontuou para isso, uma afirmação do presidente Zelensky, na sua percepção, gera mais um ruído diplomático ou é parte desse discurso, desse ambiente da ONU?
Roberson — Eu acho que é parte do discurso porque o presidente Zelensky está aqui representando o seu povo com muita coragem, ele está expressando os sentimentos e ele está avaliando, ele está aqui para procurar soluções. Então, obviamente, os Estados Unidos vão escutar as opiniões dele e dos outros líderes do Brasil, dos outros grandes países do mundo, porque a gente sabe que problemas tão grandes como a guerra na Ucrânia não podem ser solucionados com só Estados Unidos ou só a Ucrânia. Precisam de soluções globais. Então, eu acho esse discurso parte do processo diplomático que está acontecendo aqui todos os dias na Assembleia Geral.
SBT News — Para finalizarmos, quais encontros ou reuniões de interesse de Brasil e Estados Unidos em relação ao combate às mudanças climáticas, que é um ponto de convergência dos dois países e das duas administrações também?
Roberson — Obrigada pela pergunta, Patrícia, porque como você diz, é um ponto de convergência entre Estados Unidos e Brasil, sendo países grandes, países importantes, democracias grandes. A gente tem essa responsabilidade de lidar no combate contra as mudanças climáticas. Então, estamos trabalhando juntos para ver o que mais podemos fazer, trabalhando com o setor para desenvolver novas formas de energia limpa, verde, para chegar até os nossos povos, mas também ao mercado internacional, vendo quais soluções podemos trabalhar juntos para proteger as nossas áreas naturais, os nossos territórios. Então, eu sei que teve muitos eventos, muitas atividades aqui, incluindo com a sociedade civil, com ativistas, com a comunidade científica. Então, outra vez, a ONU é um espaço importante para falar sobre essas soluções da crise climática.
Amanda Roberson é a porta-voz de língua portuguesa do Departamento de Estado americano e vice-diretora do Media Hub of the Americas, sediado em Miami, Flórida. Roberson serviu anteriormente nas Missões dos EUA na Albânia, Brasil, Nigéria e México. Antes de ingressar no Serviço Exterior, Amanda trabalhou como diretora de comunicações para a maior organização hispânica sem fins lucrativos do Arizona, como jornalista na Costa Rica e como voluntária do Peace Corps na República Dominicana. Amanda Roberson tem um MBA pela Thunderbird School of Global Management e bacharelado em Inglês e Jornalismo pela Emory University. Seu trabalho foi reconhecido com o Prêmio de Realização do Public Diplomacy Council of America, assim como com os Prêmios de Honra Superior e Meritória do Departamento de Estado.