Como o plano de deportação em massa de Trump pode impactar os EUA?
Presidente eleito prometeu grande operação para expulsar imigrantes ilegais já em 2025
Camila Stucaluc
Donald Trump ganhou um segundo mandato na Casa Branca devido às suas promessas ambiciosas de campanha. Entre elas está a maior deportação em massa de imigrantes ilegais da história dos Estados Unidos, que, segundo o republicano, deve ser lançada logo no primeiro dia de governo – em janeiro de 2025. Apesar do forte apoio, especialistas apontam que a operação pode trazer impactos significativos para o país.
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Atualmente, há cerca de 11,3 milhões de imigrantes não documentados nos Estados Unidos, sendo que 7 milhões realizam algum tipo de trabalho no país. Logo, o primeiro impacto seria no mercado de trabalho, como pontua Andressa Mendes, doutoranda no Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora colaboradora do Observatório Político dos Estados Unidos (OPEU).
“Isso se dá pelo fato de os imigrantes sustentarem grande parte do mercado de trabalho nos Estados Unidos – em especial, no âmbito das indústrias de construção, setores de habitação e agricultura. Há de se considerar, ainda, que Trump tem dito deportar não só imigrantes não documentados, mas também aqueles que cruzaram recentemente a fronteira e trabalhadores temporários”, explica Andressa.
A remoção de tantos trabalhadores em um curto período de tempo aumentaria a escassez de mão de obra no país. Uma pesquisa do Conselho Americano de Imigração (AIC) mostra que 14% dos funcionários da construção civil, por exemplo, são imigrantes indocumentados. O corte de trabalhadores aumentaria os custos e atrasaria a entrega de obras. O mesmo pode acontecer no setor agrícola, que perderia um em cada oito trabalhadores.
Segundo Andressa, tal escassez de mão de obra impactaria, consequentemente, na economia, já que a contribuição dos imigrantes ajuda a manter a inflação controlada. “As consequências são aumento dos preços de produtos, diminuição do salário e diminuição de financiamento para programas de segurança social [Previdência social e Medicare] devido à diminuição dos impostos federais pagos pelos imigrantes”, diz a especialista.
O cenário ainda afetaria 1 milhão de empresários imigrantes indocumentados, que geraram US$ 27,1 bilhões em receita em 2022 e fornecem empregos para trabalhadores norte-americanos. Cerca de 30% destes empreendedores trabalham na construção, 18,7% em serviços profissionais e 16,6% em serviços gerais. Também estão na lista 157,8 mil empresas de serviços essenciais, como mercearias e postos de combustível.
O impacto negativo seria mais significativo na Califórnia, Texas e Flórida – que, em 2022, abrigavam 47,2% dos imigrantes indocumentados do país e onde um em cada 20 residentes seria deportado. No geral, a deportação levaria a uma perda de 4,2% a 6,8% do Produto Interno Bruto (PIB) anual dos Estados Unidos – queda próxima aos 4,3% registrados durante a Grande Recessão, entre 2007 e 2009.
Além das perdas econômicas, a política de deportação em massa de Trump, baseana na “Operação Wetback”, de 1954, seria extremamente cara para o país. A realização de 1 milhão de deportações por ano, como o vice-presidente eleito JD Vance chegou a sugerir, pode custar US$ 967,9 bilhões em uma década, de acordo com análise do AIC.
“Esta é uma soma muito maior do que a estimativa única, dados os custos de longo prazo de estabelecer e manter instalações de detenção e campos temporários para poder deter um milhão de pessoas por vez. Isso exigiria que os Estados Unidos construíssem e mantivessem 24 vezes mais capacidade de detenção do Departamento de Imigração e Alfândega (ICE) do que existe nos dias de hoje”, diz a pesquisa.
Andressa ressalta que mesmo que o Congresso, controlado pelos republicanos, estivesse disposto a alocar os fundos, os novos casos chegariam a um sistema judicial de imigração já sobrecarregado, uma vez que há um acúmulo de quase 3,7 milhões de casos não resolvidos neste âmbito. Com isso, o AIC aponta que seria necessário estabelecer mais de 1.000 novos tribunais de imigração para avaliar as deportações.
Fora o setor econômico, a deportação em massa poderia provocar uma tensão interna no país, já que afetaria a vida de milhares de pessoas, inclusive de imigrantes legais. Atualmente, cerca de 8,5 milhões de cidadãos norte-americanos fazem parte de famílias de status misto, ou seja, com imigrantes indocumentados, sendo 5,1 milhões crianças.
A ideia de separar essas famílias levaria a um grande estresse emocional, o que poderia resultar em resistência por parte de membros da sociedade civil e política não só dos Estados Unidos, como no mundo. “Sindicatos mexicano-americanos, atuantes no campo pró-imigrante, a população estadunidense, políticos e líderes anti-Trump e pró-imigrantes entre outros, podem [e devem] apresentar-se resistentes a tal política. O impacto prático dessa resistência é algo a ser discutido, mas ele existe”, avalia Andressa.
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Externo aos Estados Unidos, há um possível impacto nas relações entre o país e outros no sistema internacional, em especial o México. A maioria dos imigrantes que chega ao território norte-americano vem da América Latina ou da Ásia, incluindo os não documentados. A proposta de Trump é deportá-los para o México, o que geraria um conflito com o país, que pode se recusar a receber migrantes não mexicanos.