Los Angeles tem a maior "cracolândia" dos Estados Unidos
Skid Row tem 13 mil pessoas sobrevivendo em barracas improvisadas. Droga barata e 100 vezes mais forte que morfina devasta vidas
Cleide Klock
Enquanto o governo paulista e a prefeitura de São Paulo desejam usar policiais de folga para reforçar a segurança na região da "cracolândia", no centro da capital, outra cidade igualmente populosa, bem distante do Brasil, enfrenta problema semelhante: Los Angeles, na California (EUA).
+ Leia as últimas notícias no portal SBT News
O estado norte-americano é o mais rico e populoso, assim como São Paulo, e enfrenta uma epidemia e dificuldade para lidar com o problema. São milhares de usuários de drogas em situação de rua em meio ao glamour dos parques e dos estúdios de cinema.
Nas ruas centrais de Los Angeles, uma das regiões com o metro quadrado mais caro do país, com o centro financeiro e histórico da cidade, há a Skid Row, considerada a maior "cracolândia" dos Estados Unidos. São 50 quarteirões e até 13 mil pessoas sem teto, vulneráveis, sobrevivendo em barracas improvisadas.
A crise se agravou na década de 1980, com o aumento do abuso de drogas, sobretudo o crack. Os primeiros sobreviventes em situação de rua, porém, se estabeleceram no local no final do século 19.
A Skid Row é dominada por gangues que se aproveitam dos usuários e é um dos locais com maior criminalidade nos EUA. Uma estação dos Bombeiros localizada por lá registra mais de 33 mil ocorrências por ano, sendo 80% do atendimento de emergências médicas, com a maioria relacionada ao uso de drogas.
No estado mais rico e populoso, a expectativa de vida na Califórnia chega a 83 anos. Quem sobrevive na Skid Row vive, em média, 48. Só entre abril de 2020 e março de 2021, duas mil pessoas em situação de rua morreram em Los Angeles, sendo 40% de overdose.
Um pouco de dignidade e muitas histórias
Tentando mitigar o problema sem solução prática dos governos, mais de uma dezena de ONGs trabalham com o objetivo de trazer mais segurança e dignidade a quem sobrevive na região.
Georgia, uma das atendidas, afirmou que está sóbria há 30 anos. Ela começou a beber aos dez anos de idade e, na sequência, o uso de crack e cocaína. O pai morreu quando Georgia era pequena e mãe trabalhava muito. "Me sentia sozinha, depressiva... Tentei achar uma família fora de casa", afirmou. "A pessoa até recusa as drogas no começo, mas a situação na rua é tão complicada, que um dia ela acaba aceitando", relata.
No período que esteve nas ruas, Georgia tentou o suicídio por três vezes. Após o auxílio, hoje atua como coordenadora de um centro de apoio na Skid Row, que distribui alimentação três vezes ao dia, além de ter um alojamento e programas de reabilitação.
Já Sergio, que hoje é segurança e trabalha na ONG, perdeu as esperanças e foi morar na rua após a morte do filho de apenas 16 anos. Ele experimentou o crack e, aos poucos, tenta se reerguer.
As ONGs dividem espaço, inevitável, com os traficantes. O cardápio dos criminosos é extenso: crack, heroína, metanfetamina, opioides, anestésicos veterinários e a droga da vez: fentanil. O entorpecente é 50 vezes mais viciante que a heroína e 100 vezes mais forte que a morfina. E a mais barata. Cerca de dois terços das 107 mil mortes por overdose em 2021 nos Estados Unidos foram causados pelo fentanil, um tipo de opioide sintético.
90% das mulheres da Skid Row sofreram algum tipo de violência
No cenário duplo, muitas das ONGs que atuam na Skid Row focam na redução de danos, como o Sidewalk Project. O projeto distribui um spray nasal de forma gratuita, capaz de reverter quadros de overdose.
Soma, que já foi dependente química, fundou uma ONG dedicada a mulheres e pessoas trans. Além da distribuição do spray, são doados seringas, preservativos, produtos de higiene e roupas. É uma maneira de fornecer um programa de saúde pública para dar o mínimo de suporte a um grupo tão marginalizado.
Para Soma, o ideal seria a criação de uma força-tarefa que priorize a dignidade dessas pessoas, sem a criminalização das drogas e com amplo apoio para inseri-las de volta à sociedade, com casas acessíveis e mais programas de empregos.
Quem também prioriza a dignidade, sobretudo de mulheres, é Vanessa e Christa. A dupla ensina às mulheres da comunidade técnicas básicas de defesa pessoal, já que uma estimativa aponta de 90% da população feminina da Skid Row tenha sofrido algum tipo de violência física ou sexual.
Um desses casos é de Miriam. Ela se viu morando na rua após a morte do marido em plena pandemia. Por lá, sofreu vários tipos de violência. Tempo depois e com a ajuda da ONG, Miriam recebeu documentos para se mudar para uma casa popular.
No total, Los Angeles tem 70 mil pessoas dormindo em ruas e calçadas pela cidade.
VEJA TAMBÉM: